Circuito de Vila Real: O palco mais desejado está de volta
Depois de dois anos de interrupção, a jóia da coroa da velocidade nacional está de regresso. O Circuito Internacional de Vila Real reabre as suas portas ao WTCR, às competições nacionais e à paixão dos fãs.
Finalmente! Depois de mais de dois anos em que normalidade nos foi “roubada”, vamos voltando a viver (quase) sem receios e com vontade de fazer o que sempre gostamos. E o regresso de Vila Real é um dos pontos altos deste regresso à normalidade. O carrocel transmontano que encantou várias gerações de fãs do desporto motorizado, depois do interregno forçado, regressa em todo o seu esplendor. Com uma história quase centenária, o Circuito de Vila Real faz parte do imaginário de milhares de fãs nacionais que faziam a romaria à capital transmontana para verem os seus heróis num dos traçados citadinos mais desafiantes do mundo, sem esquecer a tradicional festa que juntava pessoas dos quatro cantos do país e de várias partes do mundo. Vila Real tornou-se sinónimo de paixão, de festa e de alegria para quem enchia a cidade para ver as máquinas a passar. Tornou-se também sinónimo de desafio, de prova de talento para os homens e mulheres do volante.
Tanta história para contar
A Velocidade em Portugal teve o seu ponto alto nos anos 70, muito por ‘culpa’ dos fabulosos circuitos onde se disputava, e com a falta de pistas permanentes – o Estoril nasceu em 1972 mas foi caso único – traçados como o de Vila Real ou Vila do Conde davam cartas, especialmente o primeiro, praticamente um caso único dado a sua espectacularidade, com curvas rápidas e descidas vertiginosas feitas a fundo que constituíam um verdadeiro desafio aos limites de pilotos e máquinas. A origem do Circuito remonta a 1931 – inserido nas Festas da Cidade – quando Aureliano Barrigas e um conjunto de amigos ‘descobriu’ um traçado de 7.150 metros desde o centro de Vila Real até ao famoso Palácio de Mateus. Gaspar Sameiro, irmão do conhecido piloto Vasco Sameiro foi o primeiro vencedor, em 1934 arrancaram as corridas de motos e só em 1950 o palmarés da prova é enriquecido com uma vitória estrangeira, do italiano Piero Carini. Em 1958 foi a vez de Stirling Moss entrar na história do circuito, mas o período áureo das corridas de Vila Real deu-se nos finais dos anos 60 e início dos anos 70, com a chegada dos Fórmula 3 e dos Sport-Protótipos, que resultaram em magníficas corridas e colocaram Vila Real verdadeiramente no ‘mapa-mundi’ dos motores a nível mundial. Mais tarde, por ali passaram nomes como David Piper, Jorge de Bagration, Vic Elford, Ronnie Peterson e nas motos, Angel Nieto, Carl Fogarty e Joey Dunlop. As imagens da Avenida Almeida Lucena, a reta da meta, onde estavam as bancadas e tribunas e a passagem na Ponte Metálica sobre o rio Corgo proporcionaram imagens épicas da era romântica das corridas de automóveis. A vigésima edição do circuito, disputada em 1973, foi a última com projeção internacional, pois no que restou das décadas de 70, 80 e princípios de 90, as corridas em Vila Real passaram a ser apenas de carácter nacional. Nos automóveis, a última edição do Circuito Internacional de Vila Real foi ganha por Carlos Gaspar, ao volante de um Lola T290. Mais tarde, depois de um grave acidente, o Circuito fecharia portas em 1991.
A transformação em palco internacional
Foram feitos alguns regressos fugazes, apenas pequenas amostras do que Vila Real foi e podia ser. Mas em 2014 foi feito o regresso digno desse nome. Com um traçado já diferente e encurtado, devido às exigências de segurança e para a maior comodidade dos habitantes, o circuito ficou mais pequeno mas nem por isso perdeu o seu caráter. O município, a APCIVR e o CAVR deitaram mãos à obra e organizaram nesse ano o Circuito de Vila Real, que recebeu apenas as competições nacionais. Mas a vontade de ser Circuito Internacional falava sempre alto. Até que surgiu uma janela inesperada. Com o Porto a voltar as costas ao WTCC, surgia a oportunidade de Vila Real receber o campeonato do mundo de carros de turismo. Um passo ambicioso aos olhos de toda a gente, demasiado arriscado aos olhos dos mais céticos. Mas a verdade é que a vontade e a determinação transmontana falaram mais alto. O WTCC chegou cá desconfiado, com uma rigidez tremenda, exigindo sem olhar a meios. Afinal era a prova de fogo. E Vila Real, sem nunca ter recebido uma competição deste calibre, teve de improvisar, encontrar soluções que por vezes pareciam impossíveis. O tão típico “desenrascanço” português fez maravilhas, a prova correu sem problemas e o WTCC ficou encantado com a capital transmontana que, não só recebeu bem a comitiva internacional, como lhe proporcionou um palco digno das melhores competições do mundo.
Não há festa como esta
No ano seguinte, 2016, Vila Real cimentou a sua posição. Com uma organização agora mais preparada, o evento decorreu mais uma vez sem problemas, com o staff do WTCC a não esconder o gosto de trabalhar com os portugueses. Mas nesse ano aconteceu algo que nunca se viu no WTCC. Tiago Monteiro venceu brilhantemente perante o seu público e o auditório exterior do teatro encheu-se de gente para cantar a uma só voz o hino nacional, mesmo quando a música foi silenciada. O protocolo foi quebrado, a Portuguesa foi cantada até ao fim e todos ficaram de queixo caído com a paixão portuguesa pelas corridas. Se dúvidas houvesse que Vila Real estava no calendário para ficar, as dúvidas ficaram dissipadas. E nem um novo teste de fogo em 2018, no violento acidente que envolveu a grande maioria da grelha do então recém criado WTCR (que veio ocupar o lugar do WTCC) colocou a permanência em causa. A forma célere como os comissários e a organização resolveram um acidente aparatoso, que obrigou a substituição em tempo recorde de barreiras de proteção, conquistou ainda mais os responsáveis pela prova. Bastou pouco mais de uma hora e meia para que a festa continuasse, como se nada tivesse acontecido. No que foi talvez o teste mais exigente à capacidade da organização, a nota final foi máxima.
Veio 2019 e mais uma grande vitória de Tiago Monteiro, desta vez no seu regresso a tempo inteiro à competição. A sua primeira subida ao pódio depois do terrível acidente que quase lhe roubava a carreira… e a vida. Monteiro voltou a festejar perante o seu público e a Portuguesa voltou a ser cantada em uníssono até ao fim.
Esta é uma bela história, com 50 capítulos e com 91 anos. Uma história que orgulha uma cidade e quem por lá passou. Será que Aureliano Barrigas tinha a noção da semente que estava a plantar quando organizou as “Corridas da Bila” pela primeira vez? Talvez não. Mas conseguiu algo que vai unindo vontades, pessoas e gerações em torno de um objetivo comum. Mostrar que em Vila Real, em Portugal, se trabalha ao nível dos melhores e que a festa, essa… é única!
O que nos reserva 2022?
As últimas corridas foram em 2019 e desde então o mundo tem sido virado do avesso, mas com a normalidade possível de volta, o Circuito Internacional de Vila Real também está de regresso. Prometeu-se muito para a edição 2020, com potenciais novos campeonatos na calha para percorrerem Mateus a fundo, mas a Pandemia queimou os planos traçados e até impediu planos novos, como aconteceu com a Fórmula E, que quase esteve para visitar Vila Real. Com dois anos de paragem, é tempo de voltar a colocar toda a engrenagem a funcionar. E, por isso talvez, a organização resolveu jogar pelo seguro, trazendo as competições que já conhece, que os fãs gostam. Um recomeçar, agora menos penoso e menos difícil que os restantes, mas igualmente importante para o futuro do Circuito. O WTCR regressa a Vila Real, com uma grelha bem mais pequena do que aquela que vimos em 2019. Em vez de 28 carros, teremos apenas 17 (a saída da VW, dos Alfa Romeo da Romeo Ferraris, a diminuição do envolvimento da Cupra e da Hyundai encolheram a grelha), mas os nomes fortes dos turismos mantêm-se. Norbert Michelisz, Mikel Azcona, Esteban Guerrieri, Nestor Girolami, Yann Ehrlacher, Yvan Muller, Thed Bjork, Rob Huff, Tom Coronel não vão faltar à chamada e claro, Tiago Monteiro volta onde já foi muito feliz, perante o seu público, para mostrar que as ruas de Vila Real, ainda são suas.
Mas nem só de WTCR a festa se faz, com as competições nacionais com presença obrigatória. O renovado CPV vai levar pela primeira vez às ruas da “Bila” os GT4, uma boa novidade que, quem sabe, pode ser o prelúdio para o que pode vir a ser o futuro de Vila Real, assim como os inevitáveis Clássicos, 1300 e Legends, que são o coração da festa nacional com uma grelha recorde. A juntar aos campeonatos da ANPAC e ao CPV temos o KIA GT Cup com os Picanto a regressar a Vila Real, com a estreia dos Cee´d. Serão três dias de festa, com a ação a começar bem cedo pela manhã de sexta, com os primeiros carros em pista às 9 da manhã, até às 18h, com as várias competições em ação, com o sábado e o domingo a terem a mesma hora de arranque de de término. É tempo de voltar a fazer a festa na “Bila”.