Adeus, WTCC. Bem-vindo, WTCR
Num desporto de egos faraónicos, a adopção dos regulamentos TCR pelo organizador do WTCC era a “pedrada no charco” necessária que o campeonato recupere a chama que outrora teve. O futuro é risonho mas…
Depois de tanto secretismo e uma delonga penosa, o recente Conselho Mundial da FIA colocou finalmente um ponto final na espera. O Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC) adotou a regulamentação TCR, perdeu o estatuto de campeonato do mundo e passou a Taça do Mundo FIA: WTCR – FIA World Touring Car Cup. O campeonato TCR International Series e a Taça Europeia FIA de Carros de Turismo (ETCC) também desaparecem.
Depois do “divórcio” no final da temporada de 2013, ironicamente François Ribeiro e Marcello Lotti voltam a “dar as mãos”, com o empresário italiano a apresentar a fórmula para a salvação do campeonato da entidade que um dia o dispensou. O Eurosport Events ficará o promotor da WTCR, assegurando a organização liderada por Ribeiro os direitos da regulamentação TCR à WSC Ltd de Lotti. O franchise do TCR terá a duração de dois anos e neste período os burocratas da FIA terão que decidir o que fazer a seguir no que respeita ao regulamento técnico das corridas de Turismo.
O estatuto de Campeonato do Mundo FIA perde-se com a proibição explicita das equipas de fábrica, apesar de ser expectável a presença no paddock dos principais construtores sob o habitual disfarce do “customer racing”. Um mínimo de dois carros por equipa serão aceites, sendo que haverá um tecto máximo de vinte e seis concorrentes para a temporada completa e dois “wildcard” por prova, com a prioridade de selecção a ser dada às equipas que competiram no WTCC e TCR International Series.
O fim-de-semana passa a ter três corridas, em vez de duas, sendo que a qualificação e a primeira corrida são realizadas no sábado e as duas restantes corridas ficam para domingo. O sistema de pontuação é diferente nas três corridas.
O calendário, que não foi anunciado em Paris, terá como base aquele do defunto WTCC, com início nas ruas de Marraquexe, em abril, e final no Circuito da Guia, em novembro, indo de encontro à vontade de todos os intervenientes que nunca engraçaram com a ideia de terminar a época a uma sexta-feira à noite em Losail. Com ou sem “joker lap”, Vila Real fica em junho.
Carros que deixam saudades
Ao fim de quatro anos, um ano mais tarde que o ciclo inicialmente previsto, as corridas de Turismo dizem adeus aos carros FIA Super TC1. A saída de cena dos Citroën C-Elysée, Chevrolet RML Cruze, Honda Civic, Volvo S60 Polestar e Lada Granta e Vesta não marca o término de uma época dourada – bem pelo contrário – mas estes carros serão recordados com alguma saudade por quem os conduziu.
“Para mim é triste ver estes TC1 partir. É o mais fantástico carro de Turismos que conduzi, super rápido, cerca de oito segundos por volta mais rápido que um TCR em Macau. Mas precisamos um campeonato sustentável e é isso que o TCR tem para oferecer”, explica Rob Huff, piloto que este ano saltitou entre o WTCC de Citroën e o TCR International Series de Volkswagen.
Em entrevista recente ao AutoSport, Tiago Monteiro enalteceu que esta mudança “já deveria ter sido feito há mais tempo”, mesmo reconhecendo que “guiar estes carros é um grande prazer”. O piloto português que venceu seis corridas do WTCC com o Civic TC1 e a Corrida da Guia do Grande Prémio de Macau com o Civic TCR considera que o “TCR é uma solução muito boa e o campeonato está adaptado para a realidade dos turismos”.
Para quem teve oportunidade de os conduzir, os TC1 foram os melhores carros de Turismo de sempre no mundial, mas pecavam pelo seu elevado custo e fragilidade. Toques e “chega para lá” que fazem parte do ADN das corridas de Turismo eram proibidos. Qualquer encosto mais acentuado com estes carros, repletos de partes em carbono e aerodinâmica sensível, tinha reflexos imediatos na sua performance e na bolsa das equipas. As corridas perderam interesse e os fãs afastaram-se. Obstante os TCR serem mais lentos, a história em pista é outra, permitindo o espectáculo que cativa desde o mais ferrenho adepto ao mero espectador de circunstância.
Ao adoptar os regulamentos TCR, os organizadores da Taça ficam igualmente com vasto leque de viaturas à disposição, com um preço máximo de aquisição limitado a 129,000 euros, um valor muito a baixo dos 450 mil euros (sem motor) exigidos para a compra de um dos Chevrolet Cruze TC1 produzidos pela RML.
Contas à vida
Dias após o anúncio oficial, os chefes de equipa das principais formações ainda calculavam os orçamentos para a temporada que há de vir. Um Team Manager disse-nos que rondará os 450 mil euros uma temporada completa no WTCR, já outro, talvez menos ilusionado, aponta para os 675 mil euros para uma “temporada tranquila ao mais alto nível”.
Uma temporada completa no WTCC aproximava-se de 1 milhão de euros para um concorrente privado, sendo que custava mais para quem alugasse um Citroën do que quem optasse por um mais “poupadinho” Chevrolet ou Lada. Por seu lado, uma época completa no TCR International Series rondava os 350 mil euros.
A entrada no mundo da Discovery Communications vem com uma factura elevada, ou seja, 150 mil euros para a inscrição por uma equipa de dois carros, mesmo tendo que este valor inclua alguma logística. Com mais corridas por fim-de-semana e viagens custosas à Argentina e Japão, é natural que os orçamentos afastar-se-ão daqueles requisitados no TCR International Series e acercar-se daqueles praticados pelas equipas privadas do WTCC. Contudo, este é o preço que todos têm a noção que terão que pagar para usar a plataforma global dos canais Eurosport, possivelmente o único pilar que susteve o WTCC por treze temporadas.
“No geral, penso que é bom para o campeonato ser organizado e ter as transmissões televisivas do Eurosport, porque teremos mais visibilidade e o campeonato será mais apelativo para potenciais patrocinadores”, explica Michela Cerruti, a responsável pelo projecto Alfa Romeo Giulietta TCR da Romeos Ferrari, um dos poucos programas TCR nas mãos de uma estrutura privada. “Nós apenas esperamos que a natureza e o conceito base do TCR nunca seja alterado, pois essa é a força da competição e a razão do seu sucesso em todo o mundo.”
Como o WTCR servirá o barómetro para as mais de duas dezenas de campeonatos nacionais e regionais implementados em todo o globo, quase todas equipas irão discutir nas próximas semanas e até dia 30 de Janeiro pelas melhores condições possíveis junto dos construtores, tentando assim amenizar o peso da exposição global. Obviamente o Hyundai i30 TCR é o carro mais cobiçado, mas os três “primos” do Grupo VAG dão garantias e o novo Honda Civic Type-R TCR da JAS Motorsport exala potencial. Pelo menos dois novos Peugeot 308 Racing Cup TCR estão garantidos à partida e a Opel certamente não quererá ver o Astra afastado dos grandes palcos.
E o que acontecerá aos campeões do mundo Volvo que não têm (ainda) um carro TCR apesar dos insistentes rumores que estão a construir um? “Vamos comunicar mais informação sobre este assunto brevemente. Mas oficialmente, a nossa ambição mantém-se em continuar nas corridas de Turismo. Nós temos programas de longa duração”, esclarece fonte oficial da Polestar Cyan Racing quando questionada por este jornal.
Rédea curta
O WTCR irá usar a regulamentação FIA TCR e esta ficará congelada por duas temporadas. Apenas carros TCR com passaporte FIA poderão participar no campeonato. Segundo Ribeiro, “a experiência e a neutralidade da FIA e suas rigorosas regras e procedimentos desportivos” são uma mais valia para a “combo” que ai vem.
Porém, a maior dor de cabeça de qualquer campeonato actual com viaturas derivadas das de série está no equilíbrio de performance entre as forças em presença. Um qualquer Balanço de Performance (BoP, na sigla inglesa) jamais agradaria a gregos nem a troianos. Esta temporada o BoP do TCR International Series foi motivo de muita confabulação e justificação para todo o tipo de decepções em pista.
Numa tentativa de evitar a ladainha do costume, os técnicos da federação internacional assumirão mais responsabilidade pelo BoP da competição que manterá os handicap de pesos de sucesso à imagem do que existia no WTCC.
Como acontecia até aqui para as competições TCR, antes do início da temporada será organizado um teste de BoP para fixar o BoP global. Depois, um sistema semelhante aquele da compensação de pesos do WTCC será aplicado a este e a cada campeonato nacional e regional. Desta forma, cada campeonato irá ajustar o seu próprio BoP consoante as pistas por onde passará.
Na teoria, esta fusão – os capazes carros do TCR aliados à exposição providenciada pelo Eurosport – é a reunião do melhor de dois mundos. Contudo, a história obriga-nos a gerir a euforia. Lotti irá concentrar-se a dinamizar os campeonatos regionais e nacionais, deixando este WTCR nas mãos da Eurosport Events que tem um registo que não impressiona. A dificuldade em evitar o precipício regulamentar para onde se dirigiu, a inaptidão em atrair pilotos e marcas para um campeonato com alcance global, a forma desleixada como geriu o ETCC, a dificuldade em comunicar com a imprensa em tempos atribulados, são algumas memórias bem vivas de um passado demasiado recente que arrepiam qualquer pessimista. A incapacidade de apresentar um calendário em Dezembro fazem suspirar até o mais optimista.
Sérgio Fonseca
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Se já via pouco, agora é que passo a mudar logo de canal.
Interessante
Bem, veremos. pelo menos há muitas marcas e carros potencialmente vencedores.