WEC: Toyota abre as portas à nova era
Do país do sol nascente chegam os primeiros raios de luz sobre a nova regulamentação para o mundial de endurance. A Toyota apresentou o GR010, o seu novo hipercarro, o primeiro “filho” dos regulamentos técnicos criados para revitalizar o WEC, após uma era LMP1 que começou bem mas acabou a definhar.
Para voltarmos ao começo da história da Toyota no endurance temos de recuar até 1985, ano da primeira participação da marca nipónica nas 24h de Le Mans. Desde então foram 21 participações, 53 carros em pista, três vitórias (2018,2019,2020) e a volta mais rápida de sempre no circuito de La Sarthe, numa história recheada de altos e baixos. Le Mans foi muitas vezes cruel com a Toyota, mas a perseverança levou a marca a atingir o desejado sucesso. No mundial de endurance foram 64 corridas, 26 poles, 29 vitórias e seis títulos mundiais (três de construtores e três de pilotos).
A Toyota demorou até chegar ao topo do endurance, com Audi e Porsche a atravessarem-se no seu caminho de forma quase irredutível, mas a vontade de ser bem sucedida manteve a Toyota em pista mesmo quando os germânicos saíram de cena. O caminho para o topo ficou obviamente facilitado, mas só vence quem compete e esse mérito tem de ser atribuído. Com uma nova era a chegar, com carros menos performantes, mas mais simples e por conseguinte mais baratos, espera-se que o interesse das marcas se renove e que possamos voltar a ter as grandes e saudosas lutas que vimos durante horas a fio entre as melhores marcas do mundo. O interesse é claro e os antigos adversários da Toyota no WEC (Porsche e Audi) já afirmaram a sua vontade de regressar ao palco maior da resistência (tal como a Peugeot). Do seu lado, a Toyota não perdeu tempo, foi logo a primeira a dizer sim aos hipercarros e é a primeira a abrir as portas a este novo mundo.
As caraterísticas da nova máquina
Depois de 18 meses de desenvolvimento, o GR010 HYBRID , nome da nova máquina japonesa, foi mostrado ao mundo, sucedendo ao TS050 HYBRID o último da era LMP1, que nos deu máquinas espantosas. Desenvolvido em conjunto com um carro de estrada que será lançado no futuro, o GR010 reflete o aspeto da sua inspiração, o hipercarro GR Super Sport que fez a sua estreia pública nas 24 Horas de Le Mans 2020 e está atualmente em desenvolvimento. Para marcar esta nova era para a Toytoa Gazoo Racing, uma nova pintura inclui a icónica inscrição GR para indicar a forte ligação entre carros de corrida e de estrada.
O GR010 HYBRID irá ser equipado com um motor híbrido de tração às quatro rodas, V6 bi-turbo de 3,5 litros, fornecendo 680cv às rodas traseiras, combinando com uma unidade elétrica de recuperação de energia de 272cv, desenvolvida pela AISIN AW e DENSO, no eixo dianteiro. A potência total é limitada a 500kW (680cv), o que significa que a sofisticada eletrónica do carro reduz a potência do motor de acordo com a quantidade de impulso híbrido que vai sendo usado. Esse impulso elétrico estará disponível apenas a partir dos 120 km/h (valor que ainda poderá sofrer alterações de forma a nívelar a performance dos híbridos com os não híbridos).
Como parte de uma iniciativa de redução de custos incorporada nos regulamentos, o novo GR010 HYBRID é 162kg mais pesado e com 32% menos potência do que o seu predecessor, esperando-se que os tempos por volta em Le Mans sejam cerca de 10seg. mais lentos e 5 seg. mais lentos em circuitos convencionais. Tem também as dimensões da nova máquina são maiores; 250mm mais longo, 100mm mais largo e 100mm mais alto. Mais importante, o peso do carro também aumentou estando agora nos 1040kg (contra os 878kg do TS050)
A habitual unidade regeneradora de energia (MGU) no eixo traseiro foi eliminada, com a única MGU permitida a estar localizada no eixo dianteiro. Isto significa que foi instalado um motor de arranque no GR010 HYBRID (o TS050 arrancava graças ao motor elétrico), sendo também necessários travões traseiros totalmente hidráulicos, o que muda o equilíbrio do carro em comparação com o LMP1.
O GR010 HYBRID apresenta aerodinâmica de última geração, otimizada para eficiência Os novos regulamentos técnicos permitem apenas um único pacote aerodinâmico homologado, com apenas um dispositivo aerodinâmico ajustável. O GR010 HYBRID irá portanto competir na mesma especificação tanto em circuitos de baixa ou alta exigência a nível aerodinâmico, com uma asa traseira ajustável.
Os novos desafios
Pela primeira vez, a classe superior do WEC e Le Mans irá apresentar um Balance of Performance, o que significa que os organizadores irão modificar o desempenho de cada carro corrida a corrida, regulando a utilização de energia e o peso, com vista a um potencial de desempenho idêntico de cada hipercarro tentando que a Toyota e as adversárias para 2021, a Scuderia Cameron Glickenhaus e ByKolles Racing, bem como Alpine, que apresentará um desafio adicional com o seu carro LMP1, tenham performances equivalentes.
Os pilotos
A Toyota Gazoo Racing entra na sua nona temporada no WEC com o mesmo alinhamento de pilotos de 2019-2020. Os recém-coroados Campeões do Mundo Mike Conway, Kamui Kobayashi e José Maria López conduzirão o #7 enquanto Sébastien Buemi, Kazuki Nakajima e Brendon Hartley correm com o carro #8. Nyck de Vries continua no seu papel de piloto de teste e reserva.
Pascal Vasselon explica a sua nova criação
Pascal Vasselon, diretor técnico da Toyota, mostrou-se particularmente orgulhoso do novo carro considerando-o uma mistura perfeita entre um carro de corrida e um carro de estrada radical: “Estou certo que os fãs vão adorar este novo conceito e que será um dos fatores de sucesso para esta nova era no endurance, pois poderão ver nas estradas versões dos carros que competem nas pistas. O que passou do TS05 para o GR010 que foram apenas partes genéricas como sensores, botões entre outros. Tudo o resto é diferente. O carro é maior e mais pesado. A maior diferença é a unidade motriz que é completamente diferente ao nível da arquitetura, controlos e a forma como é usada.
As exigências de um motor LMP1 eram muito diferentes. Em LMP1 tínhamos um objetivo à volta dos 500 cv para o motor de combustão. Com este motor o objetivo é 680cv o que significa um incremento de 30%. Partindo do nosso motor 2,4L, se adicionarmos 30% ficamos com 3,2L e como os carros são mais pesados não havia necessidade de apostar num motor mais pequeno e por isso mais leve. Adicionamos 0,3L por questão de fiabilidade e assim ficamos com um motor 3,5L.
No que diz respeito à aerodinâmica houve uma mudança nos princípios dos regulamentos. O regulamento LMP1 era mais restritivo enquanto nos hipercarros o que está especificado é um objetivo de performance, dando liberdade para o atingir como entendermos, desde que estejamos numa janela de performance muito precisa. Esta liberdade permite integrar elementos visuais que são usados nos carros de estrada e por isso os carro terão um aspeto diferente e bem melhor.”
O BoP é a grande novidade para a nova era, algo que não agrada a Vasselon, apesar de entender que é uma necessidade para ter uma competição interessante:
“O BoP está feito para equivaler as performances. Claro que os carros de tração integral tem diferentes caraterísticas e funcionalidades que os carros de tração a duas rodas. O que estamos a tentar nos grupos de trabalho técnicos é equilibrar os benefícios dos híbridos de tração integral, compensado essas vantagens com um handicap como o peso por exemplo. O sistema híbrido em seco só pode ser usado a partir dos 120 km/h mas o valor com pneus de chuva ainda não está estabelecido, estando compreendido numa janela entre os 140 e 160 km/h. Nos grupos de trabalho estamos a partilhar dados que temos recolhido onde tentamos equilibrar os benefícios dos dois conceitos, mas não há uma conclusão definitiva ainda.”
Rob Leupen reafirma o compromisso até 2025
Rob Leupen, diretor da equipa falou em entusiasmo e excitação no lançamento do novo carro: “Este carro refletirá a herança da GR Sports que foi apresentada em 2018 e vemos aqui já as linhas e o que poderemos esperar da Toyota GR neste tipo de carros. Estamos muito orgulhosos do trabalho desenvolvido e esperemos poder vê-lo em ação em Sebring. Claro que estamos ansiosos por ver os nossos adversários em pista. Tivemos saudades deles nos últimos dois anos. Vamos ter a Audi e a Porsche de volta e quisemos ter competido com a Peugeot em 2012 mas podermos fazê-lo em 2022. Teremos também a Glickenhaus e a ByKolles e creio que estamos a criar um campeonato muito interessante. Mais competição a chegar e será uma nova era que nos agrada e certamente agradará os fãs.
Os objetivos são claros… vencer desde a primeira corrida que ainda não é certo que decorra em Sebring devido às restrições que a nova vaga de COVID 19 está a obrigar. O compromisso da Toyota no WEC é a médio prazo:
“Os objetivos para este ano é uma dobradinha em Le Mans, vencer os campeonatos de construtores e de pilotos. Estes têm de ser os nossos objetivos. Neste momento não sabemos se teremos Sebring ou não. Faltam seis semanas e nos próximos dias deveremos ter uma resposta do WEC e do ACO se iremos para Sebring ou não mas neste momento não temos certeza. Se não for Sebring haverá uma prova de substituição aqui na Europa. Estamos comprometidos até 2025 no WEC.”
Tripulação do #7 defende o título
José Maria Lopez, Kamui Kobayashi e Mike Conway são os atuais campeões do mundo em LMP1 e pretendem defender o seu titulo, além de tentarem ser finalmente bem sucedidos em Le Mans, uma prova que tem sido madrasta para o trio.
Mike Conway falou da vontade de vencer Le Mans:
“Ganhar o campeonato dá mais motivação para encarar esta época com ainda mais vontade e temos de trabalhar ainda mais forte para defender o título e estou a ansioso por isso. Com a vitória no campeonato o foco muda um pouco. Sabíamos antes que tínhamos tudo para ganhar mas como equipa este triunfo torna-nos mais fortes. Também temos tido algum azar do nosso lado mas sabemos que se fizermos bem as coisas podemos ter sucesso.”
Kamui Kobayashi ainda não pilotou o carro. A sua estreia na nova máquina estava marcada para o teste na última semana em Aragão mas a neve cancelou os planos da equipa que irá regressar em fevereiro à pista espanhola para preparar o arranque da época:
“É um novo carro, uma nova categoria. Ainda não conduzi o carro por isso não posso dizer muito mas o aspeto do carro é muito bom. Não é frustrante não poder bater o meu tempo recorde que fiz em Le Mans. É uma nova filosofia uma nova forma de correr e isso é que é o mais importante.
Já José Maria Lopez já pilotou o carro e referiu as primeiras sensações ao volante do GR010:
“Tive a oportunidade de pilotar o carro desde início e a sensação é muito boa. Obviamente é um carro diferente mas há algumas coisas que o tornam interessante. Já não temos cortes de combustível (que aconteciam para o carro não ultrapassar o limite regulamentar) e o carro é muito bom de conduzir. Em relação ao primeiro teste houve três coisas que se fizeram sentir mais. Primeiro, o boost na saída das curvas que já não existe. Os cortes de combustível já não existirem também é algo que inicialmente parece estranho mas já o fizemos antes nas nossas carreiras. Além disso o peso do carro nota-se bem, mas apesar disso o carro é muito bom de guiar.”
#8 quer repetir Le Mans e agarrar o título
Sebastien Buemi, Brendon Hartley e Kazuki Nakajima venceram a mítica prova francesa de resistência na época passada, mas deixaram escapar o titulo para os colegas do #7, algo que pretendem reverter este ano.
Buemi está na Toyota desde o começo da aventura da marca no WEC e fez algumas comparações entre o arranque da era LMP1 e o arranque do hipercarro nipónico:
“Testamos em Paul Ricard e em Portimão, a meteorologia não permitiu testar em Aragão mas iremos regressar em breve. O primeiro teste que fiz foi muito bom ao nível da fiabilidade, e fomos capazes de fazer muitas voltas, com muitas coisas a afinar para termos a certeza que conseguimos extrair tudo do carro. Claro que houve pequenos pormenores a resolver mas no geral creio que melhoramos, apesar de estarmos a falar de regulamentos diferentes. Não é fácil comparar o começo do programa na era LMP1, com esta era. São carros diferentes e no começo do programa a fiabilidade é sempre a maior preocupação. Neste caso com o novo carro, o primeiro teste foi quase um dia normal, com muitas voltas dadas. Apesar de ser uma regulamentação nova e um carro novo não sentimos que começamos do zero. Mesmo ao nos sentarmos no carro sentimos que há melhorias em relação ao TS050. A tecnologia que usamos já é conhecida para nós e como tal acredito que tenha sido um começo melhor do que foi em LMP1, o que não significa que iremos vencer mais do que fizemos na era anterior. “
Hartley referiu algumas curiosidades técnicas do carro, comparando com o seu predecessor:
“Ter tração integral funciona na aceleração mas também em travagem com o motor no eixo dianteiro e o diferencial a ser uma vantagem pois evita bloquear as rodas e permite termos alguns sistemas que podemos usar ao nível da distribuição de travagem. Em travagem tem um efeito claro mas o importante na tração integral quando estamos na fase de aceleração. Com este carro só poderemos usar esse sistema acima de um valor predefinido, o que permitira aos responsáveis equilibrar a concorrência eliminando a grande vantagem da tração integral. Há áreas que teremos de desenvolver mas no geral um carro de tração traseira poderá competir connosco o que é importante para termos um bom campeonato. “
O peso é um dos fatores que os pilotos terão de lidar nesta nova era:
“Apesar do peso não creio que o carro seja preguiçoso ou menos ágil, acho até que é muito direto na direção, e já temos comentado que temos uma boa frente e as vezes o peso não se torna numa dificuldade como tínhamos antecipado. Mas sentimos o peso nas curvas rápidas e quando travamos. Mas ainda é um carro que dá boas sensações na pilotagem. Já testamos à chuva em Portimão e o facto de não termos tração integral logo à saída das curvas torna as coisas um pouco mais complicadas mas no geral não sentimos grandes problemas em chuva com o carro e as diferenças não são exageradas. “
Kazuki Nakajima, tal como Kobayashi, ainda não pilotou o carro mas sublinhou que esta nova filosofia dos hipercarros era algo já desejado pelos pilotos há algum tempo:
“Ainda não pilotei o carro, mas estou muito entusiasmado e os comentários dos meus colegas têm sido muito positivos, por isso estou ansioso por poder experimenta-lo. A criação de um carro de estrada em conjunto com um carro de competição é entusiasmante e já era um tema discutido antes. Já tínhamos referido aos responsáveis que seria ótimo termos um carro de estrada que recebesse a tecnologia do carro de competição, já no tempo do TS040. E agora vemos que isso está a chegar e todo o trabalho que fazemos no carro irá para a versão de estrada pelo que sentimos que estamos também envolvidos no desenvolvimento de um carro que será usado por outras pessoas. “