Quando a Ferrari dominou Le Mans
Espera-se uma nova “Era” no endurance mundial com os regulamentos para a classe rainha do Campeonato do Mundo de Resistência da FIA (WEC) e do Sportscar Championship da IMSA a trazerem para as pistas mais marcas e uma maior competição. A juntar-se à Toyota, Cadillac, Porsche, Peugeot e Glickenhaus no WEC, a Ferrari regressará, em ano de centenário, a um dos seus palco preferidos e deveras importante da sua história automobilística, as 24 Horas de Le Mans, a maior prova de resistência do Mundo.
Desta feita damos a conhecer o tempo em que a Ferrari dominou Le Mans, que serviu de mote para uma vingança da Ford, retratada por Hollywood.
Quem conhece a história das marcas mais triunfadoras da história das 24 Horas de Le Mans, encontrará nas duas primeiras posições a Porsche – que estará também presente no centenário da prova de resistência francesa – e a Audi, ambas alemãs. Se a primeira marca é conhecida por máquinas icónicas como o 917, o 956, o 962, bem como o 919 Hybrid, a segunda é conhecida pelos seus modelos R8, primeiro a Diesel e depois o e-tron híbrido. E ambas detêm juntas 32 vitórias.
A terceira classificada nas estatísticas é uma marca que já tinha conquistado todas as suas vitórias quando a Porsche subiu ao lugar mais alto do pódio pela primeira vez. Nesse ano era uma equipa capaz de lutar pela vitória taco a taco, mas quando a Audi começou a dominar, uma geração mais tarde, tinha deixado La Sarthe para trás e dedicado a outras competições. Mas antes destas duas alemãs dominarem, esta equipa italiana tinha deixado uma marca em Le Mans. E essa marca foi tão forte que despertou primeiro a atenção, depois a obsessão da Ford em batê-los onde se consideravam os melhores. Tratava-se da Ferrari.
Hollywood decidiu fazer um filme sobre a luta entre Ford e Ferrari, mas os italianos dominaram entre os anos de 1960 a 1965, onde fizeram de Le Mans a sua segunda casa.
AS ORIGENS
Fundada em 1947 como construtora, as suas raízes automobilísticas são mais antigas, quando foi formada em 1929 como equipa oficial de competição da Alfa Romeo. Dois anos depois da sua fundação, e no ano em que as 24 Horas de LeMans voltavam à ação após a II Guerra Mundial, apareceram três Ferrari na lista de inscritos… mas não eram oficiais. Dois carros 166MM estavam inscritos na categoria de dois litros, um deles pelo Barão de Seldson, tendo ao seu lado o italo-americano Luigi Chinetti, então com 47 anos e duplo vencedor da corrida em 1934 e 1937, ambos pela Alfa Romeo. Apesar da idade, Chinetti pilotou o carro o tempo todo… exceto por pouco menos de hora e meia de corrida, e apesar de problemas com a embraiagem, acabou por vencer. Seria a última vitória dele, que viria depois ser o importador da Scuderia nos Estados Unidos da América e o criador da NART, North American Racing Team.
Com a vitória em Le Mans, a Ferrari, que corria frequentemente em Endurance, mas achava mais importante as Mille Miglia italianas, passou a dar mais atenção à prova francesa. Cinco anos depois, em 1954, com o modelo 375, competiu contra os Jaguar, que eram os seus rivais, e acabou por ser vencedor, graças ao argentino Froilan Gonzalez, o “Touro das Pampas” e o primeiro vencedor na Fórmula 1, e o francês Maurice Trintignant.
A Ferrari passou a participar mais frequentemente, com os seus pilotos a correrem em simultâneo no Endurance e na Fórmula 1. Eugenio Castelloti, Alfonso de Portago ou Luigi Musso eram participantes frequentes na clássica do Endurance, mas depois destes pilotos morrerem em trágicos acidentes, os seus sucessores, como Phil Hill, Olivier Gendebien (vencedores em 1958 com o modelo 250TR/58) ou Willy Mairesse iriam iniciar uma sequência de seis vitórias consecutivas, algo que só voltou a ser igualado (e superado) nos anos 80 pela Porsche.
1960: SEIS FERRARIS NOS SETE PRIMEIROS
Para 1960, a Scuderia apresentava a versão atualizada do seu modelo 250 TR, e inscrevia oficialmente três carros. Um para a dupla belga Olivier Gendebien e Paul Frére, outra para Phil Hill e Wolfgang Von Trips, os pilotos da Scuderia na Formula 1, e um terceiro para o italiano Ludovico Scarfiotti e um jovem mexicano, Pedro Rodriguez.
Mas havia mais Ferrari, entre os quais os carros da NART, um deles guiado pelo belga André Pillete e pelo irmão de Pedro Rodriguez, Ricardo. Este era um dos mais novos de sempre a participar, pois tinha apenas 18 anos. Outro Ferrari, da Ecurie Francochamps, estava presente com outra dupla belga, Leon Derniér e Pierre Nobliet. Ambos, iriam usar as máquinas do ano anterior.
Nesse ano, a Aston Martin, que vencera no ano anterior, tinha-se retirado da competição para se concentrar na sua aventura – mal sucedida – na Fórmula 1 e a única equipa de fábrica que estaria presente era a Porsche, que corria na classe de dois litros. Apesar de tudo, ainda havia a participação não oficial da Maserati, através da americana Camoradi, de Lloyd “Lucky” Casner.
A corrida começou com o Aston Martin não oficial da Border Rivers, guiado por um jovem Jim Clark, na frente, antes de ser apanhado pelos Camoradis, especialmente o guiado por Masten Gregory, que subira 20 posições e estava na frente. No final da segunda hora, dois dos Ferrari oficiais, o de Von Trips e o de Scarfiotti, ficavam pelo caminho devido a problemas de combustível quando perseguiam o carro de Gregory.
Contudo, quando este parou e trocou de pilotos, problemas no motor de arranque fizeram-no perder uma hora em reparações até voltar a andar. Quem se aproveitou foi o Ferrari sobrevivente, de Gendebien e Frére, que ficaram com a liderança na terceira hora e não mais o largaram, apesar de nessa altura, uma forte chuva ter abrandado o ritmo e causado alguns acidentes sem gravidade.
Pela noite, o Aston Martin de Clark e Salvadori recuperou até ao segundo posto, enquanto atrás, quem também fazia uma boa prova de recuperação era Ricardo Rodriguez, no Ferrari da NART, que era terceiro a meio da noite. Mas depois, teve problemas de motor e perdeu mais de dez minutos, deixando o lugar mais baixo do pódio para o Jaguar da Ecurie Ecosse, antes deste abandonar no raiar da manhã devido a um acidente em Arnage.
De manhã, Gendebien e Frére tinham cinco voltas de vantagem sobre o NART Ferrari de Mairesse e Ginther, até que este abandonou com uma avaria na caixa de velocidades por volta das nove da manhã, cedendo o lugar ao outro NART, de Rodriguez e Pilette. Foi assim até ao final, com cinco dos seis lugares a serem preenchidos por Ferraris, excepto o Aston Martin de Roy Salvadori e Jim Clark, terceiros, no melhor resultado de Clark fora da Fórmula 1 e da Lotus.
1961: UM ASSUNTO INTERNO DA FERRARI
Em 1961, a Scuderia estava nas nuvens. Na Fórmula 1, a nova fórmula de 1.5 litros fazia-os dominar nas pistas, e Le Mans não poderia ser excepção. Tanto que com a sua versão atualizada do 250 Testarossa, tinham inscrito quatro carros, para os seus pilotos de Fórmula 1 (Gendebien-Phil Hill, Von Trips-Ginther) como para os que competiam no Endurance (Mairesse-Mike Parkes, Fernand Tavano-GiancarloBaghetti). Para além disso, haviam os da NART, um deles para os irmãos Rodriguez, outro para os americanos Ed Hugus e David Cunningham e um terceiro para Stirling Moss e Graham Hill, e também os da Ecurie Nationale Belge, para André Pillete e o americano Bob Grossmann, e privados, como o de Pierre Noblet e Jean Guichet.
Os Maserati estavam de volta, com os carros inscritos pelo americano Briggs Cunningham, bem como os Porsche, mas com motores de dois litros, e a Lotus, mas na classe de até 1,3 litros Sport.
Na partida, Moss foi para a frente, mas pouco depois, foi ultrapassado pelo Aston Martin da Border Rivers, de novo guiado por Jim Clark, que neste ano fazia parceria com Ron Flockhart. Mas a seguir, o Ferrari dos irmãos Rodriguez tomou o comando, começando uma troca entre estes três que foi até ao final do dia, quando começou a chover, tornando a pista escorregadia. Walt Hansgen despistou-se na Tertre Rouge e partiu o braço e algumas costelas, o primeiro de diversos despistes, dos quais os Ferrari safaram-se. Pelas oito da noite, ocupavam os quatro primeiros lugares, com Von Trips a liderar na frente de Ricardo Rodriguez.
A chuva continuou durante a noite e a corrida tornou-se num assunto entre a oficial e a NART, com Von Trips a aguentar as investidas dos irmãos mexicanos, que chegaram à liderança pelas quatro da manhã, quando o dia começou a raiar. Nesta altura, Clark tinha desistido com o seu Aston Martin, quando o motor explodiu.
Pelas oito da manhã, a pista secou, e nessa altura, o carro da NART vai às boxes com problemas de ignição, perdendo meia hora. Quando voltou à pista, tentou recuperar o tempo perdido e chegou ao segundo lugar, antes de, a duas horas do fim, o motor rebentar e ceder o segundo lugar a outro Ferrari oficial. No final, foram Phil Hill e Olivier Gendebien os vencedores, com o belga a triunfar pela segunda vez consecutiva, enquanto Mairesse e Mike Parkes foram os segundos. Outro Ferrari, o de Pierre Noblet, ficou com o lugar mais baixo do pódio.
1962: UM MAR DE FERRARI
Por esta altura, a Ferrari era a marca dominante, e todos queriam ter uma das suas máquinas. Tanto que havia dezoito carros inscritos à partida, cinco oficiais: Gendebien e Phil Hill, os vencedores do ano anterior, Pedro e Ricardo Rodriguez, que tinham impressionado no ano anterior pela NART, os americanos Ed Hugus e George Read, outro para os italianos Baghetti e Scarfiotti, e por fim, um para a dupla Mike Parkes e Lorenzo Bandini. A NART tinha os americanos Bob Grossmann e “Fireball” Roberts, conhecido na NASCAR, enquanto a Ecurie Nationale Belge inscrevia três carros, todos para pilotos belgas. Quase todos andavam com os 250 GTO, com algumas exceções. Uma delas era Hill e Gendebien, que tinham um 330 TRI Le Mans.
Não havia grande concorrência, exceto Briggs Cunningham, que desta vez inscrevia um Jaguar E-Type Coupé adaptado para Le Mans. Seria guiado por ele mesmo e pelo britânico Roy Salvadori. E dois Aston Martins, um deles guiado por Graham Hill e Richie Ginther, então a dupla da BRM na Fórmula 1.
E foi um Aston Martin a liderar nos primeiros metros, antes de ser atacado pelo Ferrari de Parkes. Na travagem para Mulsanne, ambos travaram tarde e o piloto da Ferrari bateu no banco de areia, perdendo algumas voltas. Hill fez o mesmo na volta seguinte, mas a ultrapassagem foi mais limpa, e começou a afastar-se do pelotão. Atrás do Aston Martin estavam os Maseratis de Maurice Trintignant e Bruce McLaren, mas na primeira paragem nas boxes, os carros italianos levaram a melhor e Ricardo Rodriguez era segundo. No final da terceira hora, estavam na frente, impondo o ritmo. Em contraste, o Aston Martin de Graham Hill e Richie Ginther tinha problemas de motor que os fariam cair na classificação, perder tempo nas boxes antes de parar de vez, na sétima hora.
Caída a noite, foi um duelo entre Gendebien – na sua vez – e Rodriguez para ver quem ficava com o comando da corrida. Outro Ferrari oficial, o de Scarfiotti, era o terceiro. As coisas resolveram-se às cinco da manhã, quando a transmissão do seu carro cedeu de vez, deixando Gendebien e Hill mais tranquilos na liderança. Dos carros oficiais, apenas eles andavam na frente, pois em segundo estava a inscrição privada de Pierre Noblet e Jean Guichet, que acabariam em segundo, a cinco voltas do vencedor. Os Jaguar de Briggs Cunningham foram quartos e quintos, mas meros atores secundários numa corrida onde os Ferrari dominaram do princípio ao fim.
Para Hill e Gendebien, foram as suas últimas vitórias em Le Mans, e o belga foi o recordista de triunfos até ser superado por outro belga, Jacky Ickx, quase vinte anos depois.
1963: SEIS FERRARI NOS SEIS PRIMEIROS, NUMA CORRIDA DE ATRITO
De novo, onze carros da Scuderia estavam presentes na edição de 1963, com os 250 a dominarem a lista de inscritos. Quatro eram oficiais – o britânico Mike Parkes e o italiano Umberto Magioli; outro britânico, John Surtees e o belga Willy Mairesse, uma dupla totalmente italiana, o de Lorenzo Bandini e Ludovico Scarfiotti, e o de Carlo Maria Abate e do francês Fernand Taviano. A NART tinha três 330 para os americanos Dan Gurney e Jim Hall, e outro para o mexicano Pedro Rodriguez e o americano Roger Penske (sim, esse Penske) e para o americano Masten Gregory e o britânico David Piper. Briggs Cunningham traia os seus Jaguares E-Type, Phil Hill guiava agora um Aston Martin inscrito pela David Brown Racing, com o belga Lucien Bianchi como seu parceiro, enquanto a BRM trazia um estranho Rover com um experimental motor a turbina, guiado por Graham Hill e Richie Ginther.
Foi uma corrida de atrito, que começou com sol, e o público francês rejubilou quando viu André Simon a liderar, no Maserati Birdcage inscrito pela representação francesa da marca. Ficou ali por duas horas, até entregar ao seu companheiro, o americano “Lucky” Casner, antes que problemas na caixa de velocidades o deixassem apeado e fora da corrida. Ao final da quarta hora, os Ferrari dominavam os lugares da frente.
Pelas 20:20, Bruce McLaren viu o seu Aston Martin ceder o motor devido a um pistão ter saído do seu lugar na reta Mulsanne. Ele conseguiu encostar, mas não reparou que o carro tinha deixado um rastro de óleo, suficiente para causar dois acidentes graves: o primeiro, quando o Jaguar de Roy Salvadori se despistou a 265 km/hora e ele foi catapultado para fora do carro no acidente, e depois, quando os destroços do seu carro foram atingidos em cheio, primeiro, pelo Bonnet de Jean Manzon e depois pelo Alpine do brasileiro Christian “Bino” Heins”, acabando este último em chamas. Manzon ficou gravemente ferido e Heins teve morte imediata.
Pela noite, quem liderava era Surtees, com o NART de Penske em segundo, antes de desistir com o motor partido. Outro NART, o de Gurney, era terceiro quando às três da manhã, Jim Hall pilotou o carro e descobriu que a sua caixa de velocidades tinha-se partido de vez. Quando o dia começou a raiar, Surtees e Mairesse tinham uma volta de avanço sobre Bandini e Magioli, e dez voltas sobre o terceiro classificado, o NART sobrevivente de David Piper e Masten Gregory.
Tudo parecia indicar que iria ser assim, quando pelas onze da manhã, Surtees troca de lugar com Mairesse e o carro é reabastecido. Algumas centenas de metros depois, nos Esses, o carro é consumido pelas chamas devido à gasolina espalhada pelo carro nas boxes… bem como o seu piloto. Maisesse consegue sair, com ligeiras queimaduras na cara e nos braços.
No final, apenas catorze carros chegaram à meta, e doze carros foram classificados. Os seus primeiros foram para a Ferrari, com Bandini e Scarfiotti a dar mais um triunfo à casa de Maranello, na frente do privado da Ecurie Nationale Belge, guiado por Jean Blaton e Gérard Langlois van Ophem, e o outro oficial de Parkes e Magioli. O Rover BRM a turbina também chegou ao fim, no equivalente ao sétimo posto, a 29 voltas do vencedor.
1964: O DESAFIO AMERICANO
No verão de 1963, Enzo Ferrari foi visitado por representantes da Ford no sentido de uma aquisição. As negociações chegaram ao ponto de haver um contrato do qual o Commendatore só tinha de assinar. Quando chegou o momento, ele recusou e a partir dali, os americanos sentiram-se desafiados e resolveram retaliar. Contrataram os serviços do texano Carroll Shelby, que tinha vencido as 24 Horas em 1959, e nesse ano tinha construído os protótipos Shelby Cobra, e levou dois deles, um para Dan Gurney e Bob Bondurant, e outro para Ken Miles e Bob Holbert. Contudo, o de Miles não chegou a participar.
E a Ford tinha três carros presentes, a primeira versão dos GT40, para pilotos como Bruce McLaren e Phil Hill; Richie Ginther e Masten Gregory, e o britânico Richard Attwood, emparelhado com o francês Jo Schlesser.
Uma armada Ferrari estava presente: doze carros, quatro dos quais oficiais, que entravam com três modelo 275P, para o italiano Nino Vacarella e pelo francês Jean Guichet; para a dupla Umberto Magioli e Giancarlo Baghetti, e o para Mike Parkes e Ludovico Scarfiotti. Os mais antigos 250P eram guiados pelos privados, como a NART, que tinha um para o britânico David Piper e o jovem ausrtríaco Jochen Rindt. E também tinha o 330P, que foi usado por John Surtees e Lorenzo Bandini, na equipa oficial, e por Pedro Rodriguez e Skip Hudson na NART.
As coisas começaram bem para a Ferrari, com Pedro Rodriguez a levar a melhor no seu carro NART… e a correr mal para a Ford, quando o GT40 de Phil Hill demorou quase minuto e meio para arrancar, sendo último no final da primeira volta. Ginther deu nas vistas com o seu Ford, passando-os na reta de Mulsanne a 340 km/hora, liderando até à primeira paragem nas boxes, onde as coisas correram um pouco mal e saindo no segundo lugar, atrás do Ferrari de Surtees e Bandini. Continuou na corrida, mas uma caixa de velocidades partida na sexta hora terminou a prova de modo prematuro. Quase ao mesmo tempo, outro Ford, guiado por Attwood, pegava fogo e o piloto fugiu à pressa…
Às 22 horas, o Ferrari guiado por Giancarlo Baghetti apanhou o AC Cobra guiado por Peter Bolton, no preciso momento em que um dos seus pneus explode. A colisão é inevitável e o 330P vai para a berma, atingindo mortalmente três jovens espectadores que viam a corrida em zona proibida. Nesta altura, os Ferrari tinham as três primeiras posições, com Surtees uma volta na frente de Vaccarella. Mas na 12ª hora, uma fuga de combustível obrigou-o a ir mais vezes às boxes e foi passado por Vaccarella e Guichet. Pelas sete da manhã, Surtees ficou mais tempo parado para resolver a questão e perdeu o segundo posto para outro Ferrari, de Graham Hill e Jo Bonnier, inscrito pela britânica Maranello Concessionaries. E foi assim até à meta, quando Nino Vaccarella cortou-a como vencedor, com sete voltas de avanço sobre o segundo classificado. O melhor Shelby acabou em sexto e nenhum Ford terminou a corrida: o último sobrevivente, o de McLaren e Hill, sucumbiu à 14ª hora, com a caixa de velocidades partida.
1965: O PILOTO FANTASMA
Em 1965, o duelo entre Ford e Ferrari era mais intenso. Depois da humilhação do ano anterior, a Ford voltou a inscrever dois GT40 pela Shelby-American, um para Ken Miles e Bruce McLaren, e outro para o neozelandês Chris Amon e Phil Hill. Um dos GT40 estava nas mãos da Ford France e seria guiado por Guy Ligier e Maurice Trintignant, e outro nas mãos da Rob Walker Racing, guiado por Umbetto Magioli e Bob Bondurant.
A Ferrari inscreveu três carros oficialmente, todos com o modelo P2 de quatro litros, um para Lorenzo Bandini e o seu compatriota Gianpiero Biscaldi, outro para Mike Parkes e o francês Jean Guichet e o terceiro para John Surtees e Ludovico Scarfiotti. Outros Ferraris estavam inscritos, como os da NART, um 250 LM para Jochen Rindt e Masten Gregory, e um 365P2 Spyder para Nino Vaccarella e Pedro Rodriguez. A Ecurie Francochamps era outra que tinha Ferraris inscritos, um deles um modelo 275GTB para Willy Mairesse e Jean Blaton.
Havia enorme expectativa no momento da partida não só no circuito, mas para quem assistia em casa. A corrida iria ter transmissão em direto para os Estados Unidos, e Chris Amon aproveitou a ocasião para liderar a prova nos primeiros metros, com o seu companheiro Hill a comentar a corrida na cabina da televisão. No final da primeira volta, eram os carros de Amon e McLaren a liderar, seguido do Ferrari de Surtees.
Os Ford andaram na frente nas primeiras quatro horas, com Miles a manter sucessivamente a liderança depois de trocar lugar com McLaren, depois de Hill (que trocara lugar com Amon) se ter atrasado em 40 minutos com problemas de embraiagem. Mas depois, a caixa de velocidades cedeu e a noite ainda não tinha caído e os Ford oficiais estavam fora de cena. Os Ferrari voltavam a ter o monopólio do pódio, mas entre eles não estava o carro de Gregory, que teve problemas no distribuidor, perdendo meia hora e voltando na 18ª posição. Rindt já se tinha vestido e ia embora do circuito quando o impediram de fazer isso.
Pela noite, os Ferrari oficiais tinham problemas com os discos dos travões e nas suspensões, perdendo meia hora e caindo na classificação geral. E quem andava bem eram os velhos 250LM, com os privados na frente. O francês Pierre Durmay, no seu próprio Ferrari, emparelhado por Pierre Gosselin, liderava, seguido de Gregory, no Ferrari da NART, que fazia uma corrida de pedal a fundo, sem nada a perder. Pela manhã, já tinham trocado de lugar e Gregory e Rindt venceriam com cinco voltas de avanço sobre o segundo classificado, num triunfo não oficial da Scuderia.
Contudo, anos depois, alguém revelou que guiou algumas horas no carro vencedor. O americano Ed Hugus, piloto de reserva naquele ano, disse que, pela manhã, Gregory tinha parado inesperadamente porque tinha condensação nos seus óculos de competição – ele era dos poucos pilotos que corria com óculos graduados – e quando foram procurar Rindt para o acordar e ir pilotar, não o encontravam. Hugus estava ao pé e pediram-lhe para tomar a sua vez e enquanto continuavam a procurar por Rindt para o colocar no carro. Isso era contra o regulamento, porque Hugus não estava inscrito como co-piloto e Gregory não poderia voltar à pista, pois já tinha saído do carro. Ele fez todo um “stint” e no final, depois de encontrar Rindt, ambos foram para o pódio e o terceiro piloto ficou nos bastidores. Toda esta história só foi conhecida em 2009, após a morte do piloto americano, numa carta escrita para um amigo, contando os pormenores.
DEPOIS DOS TRIUNFOS…
Em 1966, a Ford conseguiu o que queria, ainda por cima com um monopólio no pódio e uma chegada em estilo, com Bruce McLaren e Chris Amon na frente de Dennis Hulme e Ken Miles. Seria o primeiro de quatro anos de domínio Ford, até 1969, quando Jacky Ickx bateu o Porsche de Gerard Larrousse por 120 metros. A Ferrari continuou a competir de forma oficial até 1973, com modelos com o 512 e os 312PB, mas não mais triunfou. No final desse ano, sem resultados de relevo, decidiu concentrar-se na Fórmula 1, encerrando uma grande era na clássica de La Sarthe. Por essa altura, já pertencia ao Grupo Fiat, que tinha comprado 50 por cento da Scuderia e injetado dinheiro para manter o seu departamento de competição.
Houve Ferraris a aparecer na pista francesa nas décadas seguintes, mas a Ferrari, até agora, nunca mais participou de forma oficial. Será agora um regresso em cheio a Le Mans para a Scuderia Ferrari?
Texto por Paulo Alexandre Teixeira