Peugeot 9X8: Do poster para a realidade

Por a 9 Junho 2022 13:30

Fez um ano que a Peugeot apresentou o seu revolucionário conceito de protótipo com o qual queria tentar voltar a vencer Le Mans. Pensou-se que seria apenas um exercício de marketing e que o carro final não teria o mesmo aspeto. A Peugeot cumpriu a promessa e o 9X8 não mudou (muito).

O dia 6 de julho de 2021 foi um marco importante para a Peugeot. O 9X8 foi mostrado ao mundo, ainda apenas como um conceito. O 9X8 era uma lufada de ar fresco no desporto automóvel e o impacto mediático da altura foi a prova que ninguém ficou indiferente. A nova máquina da Peugeot apresentava um visual arrojado, com um conceito revolucionário e único na atualidade. O que tornava o carro tão diferenciado? Acima de tudo a falta de asa traseira, o que parecia ser quase uma blasfémia, olhando aos conceitos usados pelos carros de competição que dependem mais do apoio aerodinâmico. A Peugeot queria dar ao seu carro linhas arrojadas, em concordância com a sua gama de carros de estrada, mas os novos regulamentos técnicos permitiram uma abordagem diferente. Com os novos carros a terem de respeitar valores fixos de apoio aerodinâmico e coeficiente de arrasto, a Peugeot conseguiu atingir esses valores sem a necessidade de uma asa traseira (com o fundo do carro a ter um papel fundamental) e assim, abdicou dela. Para conseguir o equilíbrio desejado entre o eixo dianteiro e o traseiro, certas partes da carroçaria poderão ser ajustadas, fazendo o mesmo trabalho que a asa traseira faria. Os responsáveis da marca do Leão afirmavam claramente que o carro sofreria poucas mudanças até ao fim do seu ciclo de evolução, no qual o novo conceito seria testado. Essa promessa ficou no ar e quando surgiram na internet imagens do 9X8, com o que parecia ser uma asa traseira, muitos pensaram que a promessa de um carro sem asa seria quebrada. No Autódromo Internacional do Algarve, palco da apresentação oficial do 9X8, ficamos finalmente a saber o resultado final deste projeto.

Um novo conceito

Ninguém no AIA escondeu a satisfação de ver confirmada a promessa. As linhas arrojadas mantinham-se na sua globalidade, com alguns pormenores diferentes, mas nada que colocasse em causa a identidade pretendida. O 9X8 confirmou a abordagem diferente da Peugeot, que mostrou ao mundo que é possível fazer carros de competição de uma forma diferente. O tal carro digno de um poster não era mais apenas um exercício técnico colocado de forma primorosa num render. O 9X8 estava à nossa frente, em “carne e osso”, imponente, com linhas belas e com um “cantar” digno do aspeto visual.

O Peugeot 9X8 é um protótipo híbrido elétrico de quatro rodas motrizes, alimentado por um conjunto mecânico inteiramente concebido, desenvolvido e gerido pelas equipas da Peugeot Sport. O bloco V6 biturbo de 2,6 litros, com 520 kW (700 Cv), distribui a potência às rodas traseiras; já o motor elétrico específico, de elevada performance, com 200 kW (270 cv) aplicado às rodas dianteiras, bem como o inversor baseado em carboneto de silício, foram concebidos em parceria com a Marelli; a bateria de alta tensão de 900 V foi, por sua vez, desenvolvida em conjunto com a TotalEnergies / Saft. A Michelin fornece os pneus que cumprem os regulamentos dos Hypercar.

O Peugeot 9X8 apresenta-se com medidas atléticas: um comprimento de 4,995 metros por 2 metros de largura e uma altura de 1,145 metros, pesando 1.030 quilogramas. Integra um depósito com capacidade para 90 litros de combustível TotalEnergies 100% renovável, excellium racing 100.

Os testes em pista, realizados desde dezembro em cinco circuitos diferentes, e com características específicas – Portimão, Le Castellet, Motorland Aragon, Barcelona e Magny-Cours – reforçaram a validade deste conceito inovador. Ao longo de 25 dias, o Peugeot 9X8 cumpriu mais de 10.000 quilómetros de testes.

Estreia adiada para Monza

Estas fases, essenciais à transformação, fiabilidade e busca de performance do Hypercar, exigiam, assim, uma entrada em competição após a realização das 24 Horas de Le Mans. O Peugeot 9X8 irá, por isso, fazer a sua estreia no Campeonato do Mundo FIA de Resistência no próximo dia 10 de julho, nas 6 Horas de Monza.

Quanto ao alinhamento dos pilotos há apenas uma novidade. A saída de Kevin Magnussen, permitiu que o então piloto de testes, James Rossiter assumisse o lugar de piloto a tempo inteiro no projeto, juntando-se a Gustavo Menezes e Loïc Duval no #94 enquanto Paul Di Resta, Mikkel Jensen e Jean-Éric Vergne constituem a equipa do #93.

A equipa deverá correr no WEC até ao final da temporada de 2025 com potencial para prolongar esse compromisso, não havendo ainda planos para integrar o IMSA(opção ainda em aberto). Também não há planos para que outras marcas do grupo Stellantis utilizem o chassis apresentado, mas a opção permanece em aberto (falou-se da possibilidade da Dodge usar o chassis no IMSA).

E o 9X8 não tem uma herança nada leve. A Peugeot está habituada a vencer nos mais diversos terrenos, tendo três vitórias em Indianápolis, três vitórias em Le Mans, sete no Dakar, assim como um título no WRX. A marca francesa está determinada a voltar às vitórias em Le Mans e não há edição melhor que a de 2023 para tentar isso, ano em que se comemora o centenário da mítica prova francesa.

Mas o processo de desenvolvimento do carro não permitiu que o 9X8 estivesse presente na edição 90 da prova em La Sarthe. Um plano de desenvolvimento pensado para um WEC com um calendário diferente e a pandemia complicaram a tarefa. Jean-Marc Finot, diretor da Stellantis Motorsport, explicou que o projeto inicial foi pensado numa altura em que o WEC começava em Setembro e terminava em Junho, com Le Mans. Mas a mudança de calendário fez com que o WEC começasse nos primeiros meses do ano, prolongando-se até ao fim do mesmo. Ora se o 9X8 foi pensado para se estrear numa época que se iniciaria em setembro, não havia forma de encurtar o período de testes, mais ainda com as dificuldades que a Pandemia trouxe. Fazer a estreia do 9X8 em Le Mans era aliciante mas, além de demasiado ambicioso, era também um risco desnecessário para o projeto. Com um período de homologação de quatro anos e com apenas cinco jokers (alterações permitidas) até ao fim desse período, a Peugeot não quis arriscar em apressar o desenvolvimento, preferindo não correr este ano em Le Mans, mas ter a certeza que tem um carro pronto para o desafio.

Começar de uma folha em branco

A Peugeot começou o projeto a partir de “uma folha em branco”, questionando que abordagem poderiam fazer, olhando à regulamentação LMH, mas sem influências. A estética muito característica da marca teria de andar sempre de mão dada com a parte técnica. O desenvolvimento do carro chegou a um ponto em que o apoio aerodinâmico criado era o máximo regulamentado, sem adição da asa traseira. Claro que havia o desafio de afinar um carro sem um elemento considerado essencial nos carros de competição, mas a Peugeot conseguiu encontrar soluções para isso. Olivier Jansonnie, diretor técnico e diretor da equipa, admitiu que a equipa não encontrou surpresas desagradáveis no processo de desenvolvimento, com os dados obtidos no simulador a revelarem-se coincidentes com o que foi encontrado em pista. A forma de afinar o carro e encontrar a melhor configuração aerodinâmica é. logicamente, diferente, mas o facto do fundo do carro gerar a maior parte do apoio aerodinâmico já era algo que acontecia com os anteriores LMP1, pelo que não é um território completamente novo. Do lado dos pilotos,os desafios vieram do peso do carro e da gestão do sistema híbrido. Quando às especificidades na condução, nenhum apontou uma característica que seja motivada pela falta de asa traseira.

Um dos lemas mais usado no mundo das corridas e aquele que justifica o investimento das marcas é o “ganhar ao domingo para vender na segunda”. A Peugeot levou esse conceito ao extremo e ao invés de olhar com cuidado redobrado apenas para a performance, igualou o cuidado neste departamento, como cuidado estético, dando uma máquina que, além de ser um laboratório de tecnologia para a marca, é também uma afirmação clara dos intentos da Peugeot em afirmar a sua identidade de forma exuberante, sem complexos. Esta postura é algo contrastante com o que temos vindo a ver no mundo dos protótipos de endurance, onde poucos ou nenhum elementos caracterizadores da marca eram vistos. Com o regulamento LMH e LMDh, o que antes era um pormenor passou a ser visto com mais cuidado e mais interesse. A Peugeot tratou de mostrar ao mundo que, sim, a estética dos carros de corrida é importante e pode dar quase tanta visibilidade quanto as vitórias. A vertente estética foi pensada ao mesmo tempo que a vertente técnica e de performance, numa dança que implicou alguns compromissos, mas que permitiu à Peugeot apresentar um carro diferente do resto, uma pedrada no charco e um carro que ainda sem ter feito um quilómetro de competição, já tem um lugar na história. Mas que não haja dúvida que as vitórias são o objetivo final e sem elas o impacto do projeto pode diluir-se. No entanto, se aliarem o sucesso em pista a uma visão arrojada, o lugar na história fica mais que assegurado.

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