O tempo em que a Ferrari dominou em Le Mans

Por a 15 Junho 2024 11:32

Numa altura em que a Ferrari está a preparar-se para começar a luta para tentar vencer pela segunda vez consecutiva neste sua ‘nova vida’ em Le Mans, recordamos a época em que a Ferrari dominou a mítica prova.

Quem conhece a história das marcas mais triunfadoras da história das 24 Horas de LeMans, encontrará nas duas primeiras posições a Porsche e a Audi, duas marcas alemãs. Se a primeira marca é conhecida por máquinas icónicas como o 917, o 956, o 962, bem como o 919 Hybrid, o segundo é conhecido pelos seuas modelos R8, primeiro a Diesel e depois o e-tron híbrido. E ambos detêm juntos 32 vitórias, todas conquistadas em meras 50 edições, já que a sua primeira vitória da marca de Estugarda foi em 1970 e a de Inglostadt trinta anos mais tarde.

A terceira classificada nas estatísticas é uma marca que não sabia, mas já tinha conquistado todas as suas vitórias quando a Porsche subiu o lugar mais algo pela primeira vez. Nesse ano era uma competidora, capaz de lutar pela vitória taco a taco, mas quando a Audi começou a dominar, uma geração mais tarde, tinha deixado La Sarthe para trás e dedicado a outras competições. Mas antes destas duas alemãs dominarem, esta marca italiana tinha deixado uma marca. E essa marca foi tão forte que despertou primeiro a atenção, depois a obsessão da Ford em os bater no sitio onde se consideravam os melhores. E essa marca era a Ferrari.

Numa altura em que Hollywood decide fazer um filme sobre a luta entre Ford e Ferrari, vai-se falar dos anos de 1960 a 1965, onde eles faziam de LeMans a sua segunda casa, depois de Monza.

AS ORIGENS

Fundada em 1947 como construtora, as suas raízes automobilísticas são mais antigas, quando foi formada em 1929 como equipa oficial de competição da Alfa Romeo. Dois anos depois da sua fundação, e no ano em que as 24 Horas de LeMans voltavam à ação após a II Guerra Mundial, aparecerem três Ferrari na lista de inscritos… mas não eram oficiais. Dois carros 166MM estavam inscritos na categoria de dois litros, um deles por Lord Seldson, que também era piloto. A seu lado estava o italo-americano Luigi Chinetti, então com 47 anos e duplo vencedor da corrída em 1934 e 1937, ambos pela Alfa Romeo. Apesar da idade, Chinetti guiou o carro o tempo todo… excepto por pouco menos de hora e meia de corrida, e apesar de problemas com a embraiagem, acabou por vencer. Seria a última vitória dele, que viria depois ser o importador da Scuderia nos Estados Unidos e o criador da NART, NorthAmericanRacingTeam.

Com a vitória em LeMans, Ferrari, que corria frequentemente em Endurance, mas achava mais importante asMilleMiglia italiana, passou a dar mais atenção à prova francesa. Cinco anos depois, em 1954, com o modelo 375, competiu contra os Jaguar, que eram os seus rivais, e acabou por ser vencedor, graças ao argentino Froilan Gonzalez, o “Touro das Pampas” e o primeiro vencedor na Formula 1, e o francês Maurice Trintignant.

A Ferrari passou a participar mais frequentemente, com os seus pilotos a correrem em simultâneo na Endurance e na Formula 1. EugenioCastelloti, Alfonso de Portago ou Luigi Musso eram participantes frequentes na clássica da Endurance, mas depois destes pilotos morrerem em trágicos acidentes, os seus sucessores, como Phil Hill, Olivier Gendebien (vencedores em 1958 com o modelo 250TR/58) ou WillyMairesse iriam iniciar uma sequência de seis vitórias seguidas, algo que só voltou a ser igualado (e superado) nos anos 80 pela Porsche.

1960: SEIS FERRARIS NOS SETE PRIMEIROS

Para 1960, a Scuderia apresentava a versão atualizada do seu modelo 250 TR, e inscrevia oficialmente três carros. Um para a dupla belga Olivier Gendebien e Paul Frére, outra para Phil Hill e Wolfgang Von Trips, os pilotos da Scuderia na Formula 1, e um terceiro para o italiano Ludovico Scarfiotti e um jovem mexicano, Pedro Rodriguez.

Mas havia mais Ferrari, entre os quais os carros da NART, um deles guiado pelo belga André Pillete e pelo irmão de Pedro Rodriguez, Ricardo. Este era um dos mais novos de sempre a participar, pois tinha apenas… 18 anos. Outro Ferrari, da EcurieFrancochamps, estava presente com outra dupla belga, Leon Derniér e Pierre Nobliet. Em ambos, iriam usar as máquinas do ano anterior.

Nesse ano, a Aston Martin, que vencera no ano anterior, tinha-se retirado da competição para se concentrar na sua aventura – mal sucedida – na Formula 1 – e a única equipa de fábrica que estaria presente era a Porsche, que corria na classe de dois litros. Apesar de tudo, ainda havia a participação não oficial da Maserati, através da americana Camoradi, de Lloyd “Lucky” Casner.

A corrida começou com o Aston Martin não oficial da Border Rivers, guiado por um jovem Jim Clark, na frente, antes de ser apanhado pelos Camoradis, especialmente o guiado por Masten Gregory, que subira 20 posições e estava na frente. No final da segunda hora, dois dos Ferrari oficiais, o de Von Trips e o de Scarfiotti, ficavam pelo caminho devido a problemas de combustível quando perseguiam o carro de Gregory.

Contudo, quando este parou e trocou de pilotos, problemas no motor de arranque fizeram-o perder uma hora em reparações até voltar a andar. Quem se aproveitou foi o Ferrari sobrevivente, de Gendebien e Frére, que ficaram com a liderança na terceira hora e não mais o largaram, apesar de nessa altura, uma forte chuvada ter abrandado o ritmo e causado alguns acidentes sem gravidade.

Pela noite, o Aston Martin de Clark e Salvadori recuperou até ao segundo posto, enquanto atrás, quem também fazia uma boa prova de recuperação era Ricardo Rodriguez, no Ferrari da NART, que era terceiro a meio da noite. Mas depois, teve problemas de motor e perdeu mais de dez minutos, deixando o lugar mais baixo do pódio para o Jaguar da EcurieEcosse, antes deste abandonar no raiar da manhã devido a um acidente na Arnage.

De manhã, Gendebien e Frére tinham cinco voltas de vantagem sobre o NART Ferrari de Mairesse e Ginther, até que este abandonou com a caixa de velocidades quebrada por volta das nove da manhã, cedendo o lugar ao outro NART, de Rodriguez e Pilette. Foi assim até ao final, com cinco dos seis lugares a serem preenchidos por Ferraris, excepto o Aston Martin de RoySalvadori e Jim Clark, terceiros, no melhor resultado de Clark fora da Formula 1 e da Lotus.

1961: UM ASSUNTO INTERNO DA FERRARI

Em 1961, a Scuderia estava nas nuvens. Na Formula 1, a nova formula de 1.5 litros os fazia dominar as pistas, e Le Mans não poderia ser exceção. Tanto que com a sua versão atualizada do 250 Testarossa, tinham inscrito quatro carros, para os seus pilotos de Formula 1 (Gendebien-Phil Hill, Von Trips-Ginther) como para os que competiam na Endurace (Mairesse-Mike Parkes, FernandTavano-GiancarloBaghetti). Para além disso, haviam os da NART, um deles para os irmãos Rodriguez, outro para os americanos Ed Hugus e David Cunningham e um terceiro para StirlingMoss e Graham Hill, e também os da EcurieNationaleBelge, para André Pillete e o americano Bob Grossmann, e privados, como o de Pierre Noblet e Jean Guichet.

Os Maserati estavam de volta, com os carros inscritos pelo americano Briggs Cunningham, bem como os Porsche, mas com motores de dois litros, e a Lotus, mas na classe de até 1,3 litros Sport.

Na partida, Moss foi para a frente, mas pouco depois, era passado pelo Aston Martin da BorderRivers, de novo guiado por Jim Clark, que neste ano fazia parceria com RonFlockhart. Mas a seguir, o Ferrari dos irmãos Rodriguez tomou o comando, começando uma troca entre estes três que foi até ao final do dia, quando começou a chover, tornando a pista escorregadia. Walt Hansgen despistou-se na Tetre Rouge e partiu o braço e algumas costelas, o primeiro de diversos despistes, dos quais os Ferrari safavam-se. Pelas oito da noite, eles ocupavam os quatro primeiros lugares, com Von Trips a liderar na frente de Ricardo Rodriguez.

A chuva continuou durante a noite e a corrida tornou-se num assunto entre a oficial e a NART, com Von Trips a aguentar as investidas dos irmãos mexicanos, que chegaram à liderança pelas quatro da manhã, quando o dia começou a raiar. Nesta altura, Clark tinha desistido com o seu Aston Martin, quando o motor explodiu.

Pelas oito da manhã, a pista secou, e nessa altura, o carro da NART vai às boxes com problemas de ignição, perdendo meia hora. Quando voltou à pista, tentou recuperar o tempo perdido e chegou ao segundo lugar, antes de, a duas horas do fim, o motor explode e cede o segundo lugar a outro Ferrari oficial. No final, foram Phil Hill e Olivier Gendebien os vencedores, com o belga a triunfar pela segunda vez seguida, enquanto Mairesse e Mike Parkes foram os segundos. Outro Ferrari, o de Pierre Noblet, ficou com o lugar mais baixo do pódio.

1962: UM MAR DE FERRARI

Por esta altura, a Ferrari era a marca dominante, e todos queriam ter uma das suas máquinas. Tanto que havia dezoito carros inscritos à partida, cinco oficiais: Gendebien e Phil Hill, os vencedores do ano anterior, Pedro e Ricardo Rodriguez, que tinham impressionado no ano anterior pela NART, os americanos Ed Hugus e George Read, outro para os italianos Baghetti e Scarfiotti, e por fim, um para a dupla Mike Parkes e Lorenzo Bandini. A NART tinha os americanos Bob Grossmann e “Fireball” Roberts, conhecido na NASCAR, enquanto a Ecurie Nationale Belge inscrevia três carros, todos para pilotos belgas. Quase todos andavam com os 250 GTO, com algumas exceções. Uma delas era Hill e Gendebien, que tinham um 330 TRI Le Mans.

Não havia grande concorrência, excepto Briggs Cunningham, que desta vez inscrevia Jaguar E-Type Coupé adaptados para LeMans. Um deles seria guiado por ele mesmo e pelo britânico Roy Salvadori. E dois Aston Martins, um deles guiado por Graham Hill e Richie Ginther, então a dupla da BRM na Formula 1.

E foi um Aston Martin a liderar nos primeiros metros, antes de ser atacado pelo Ferrari de Parkes. Na travagem para Mulsanne, ambos travaram tarde e o piloto da Ferrari bateu no banco de areia, perdendo algumas voltas. Hill fez o mesmo na volta seguinte, mas a ultrapassagem foi mais limpa, e começou a afastar-se do pelotão. Atrás do Aston Martin estavam os Maserati de Maurice Trintignant e Bruce McLaren, mas na primeira paragem nas boxes, os carros italianos levavam a melhor e Ricardo Rodriguez era segundo. No final da terceira hora, eles estavam na frente, impondo o ritmo. Em contraste, o Aston Martin de Graham Hill e Richie Ginther tinha problemas de motor que os fariam cair na classificação, perder tempo nas boxes antes de para de vez, na sétima hora.

Caída a noite, foi um duelo entre Gendebien – na sua vez – e Rodriguez para ver quem ficava com o comando da corrida. Outro Ferrari oficial, o de Scarfiotti, era terceiro. As coisas resolveram-se às cinco da manhã, quando a transmissão do seu carro quebrou de vez, deixando Gendebien e Hill mais tranquilos na liderança. Dos oficiais, apenas eles andavam na frente, pois em segundo estava a inscrição privada de Pierre Noblet e Jean Guichet, que acabariam em segundo, a cinco voltas do vencedor. Os Jaguares de Briggs Cunningham foram quartos e quintos, mas meros atores secundários numa corrida onde os Ferrari dominaram do principio ao fim.

Para Hill e Gendebien, foram as suas últimas vitórias em LeMans, e o belga foi o recordista de triunfos até ser superado por… outro belga, JackyIckx, quase vinte anos depois.

A Ferrari sempre foi uma marca que deu grande atenção às corridas de endurance, mas como seria de esperar, antes de ter ‘descoberto’ as 24 Horas de Le Mans, dava bem mais atenção às italianas MilleMiglia. Mas isso iria mudar. A sua história desportiva remonta a 1929 quando foi formada como equipa oficial de competição da Alfa Romeo. Depressa se viram Ferrari nas 24 Horas de Le Mans mas nessa altura ainda se tratavam simplesmente de pilotos que escolhiam a Ferrari para correr, não tendo por isso qualquer cariz oficial. Em 1949, Lord Seldson, levou um Ferrari ao triunfo. Com este triunfo, os responsáveis da Ferrari passaram a olhar mais para LeMans. Em 1954, o argentino Froilan Gonzalez e Maurice Trintignant colocaram novamente a Ferrari na frente, e a partir daqui passou a ser normal ver muitos Ferrari em Le Mans. Na passada semana contámos a história entre 1960 e 1962 e desta feita, entre 1963 e 1965. Em 1966, todos sabemos agora que a história mudou…

1963: SEIS FERRARI NOS SEIS PRIMEIROS, NUMA CORRIDA DE ATRITO

De novo, onze carros da Scuderia estavam presentes na edição de 1963, com os 250 a dominarem a lista de inscritos. Quatro eram oficiais – o britânico Mike Parkes e o italiano Umberto Magioli; outro britânico, John Surtees e o belga Willy Mairesse, uma dupla totalmente italiana, o de Lorenzo Bandini e Ludovico Scarfiotti, e o de Carlo Maria Abate e do francês Fernand Taviano. A NART tinha três 330 para os americanos Dan Gurney e Jim Hall, e outro para o mexicano Pedro Rodriguez e o americano Roger Penske (sim, esse Penske) e para o americano Masten Gregory e o britânico David Piper. Briggs Cunningham traia os seus Jaguares E-Type, Phil Hill guiava agora um Aston Martin inscrito pela David Brown Racing, com o belga Lucien Bianchi como seu parceiro, enquanto a BRM trazia um estranho Rover com um experimental motor a turbina, guiado por Graham Hill e Richie Ginther.

Foi uma corrida de atrito, que começou com sol, e os locais rejubilaram quando viram André Simon a liderar, no Maserari Birdcage inscrito pela representação francesa da marca. Ficou ali por duas horas, até entregar ao seu companheiro, o americano “Lucky” Casner, antes que problemas na caixa de velocidades o deixassem apeado e fora da corrida. Ao final da quarta hora, os Ferrari dominavam os lugares da frente.

Pelas 20:20, Bruce McLaren viu o seu Aston Martin quebrar o motor devido a um pistão ter saído do seu lugar na reta Mulsanne. Ele conseguiu encostar, mas não reparou que o carro tinha deixado um rastro de óleo, suficiente para causar dois acidentes graves: o primeiro, quando o Jaguar de RoySalvadori se despistou a 265 km/hora e ele foi catapultado para fora no acidente, e depois, quando os destroços do seu carro foram atingidos em cheio, primeiro, pelo Bonnet de Jean Manzon e depois pelo Alpine do brasileiro Christian “Bino” Heins”, acabando este último em chamas. Manzon ficou gravemente ferido e Heins teve morte imediata.

Pela noite, quem liderava era Surtees, com o NART de Penske em segundo, antes de desistir com o motor partido. Outro NART, o de Gurney, era terceiro quando à três da manhã, Jim Hall ter pegado no carro e descobrir que a sua caixa de velocidades tinha se partido de vez. Quando o dia começou a raiar, Surtees e Mairesse tinham uma volta de avanço sobre Bandini e Magioli, e dez voltas sobre o terceiro classificado, o NART sobrevivente de David Piper e Masten Gregory.

Tudo parecia indicar que iria ser assim, quando pelas onze da manhã, Surtees troca de lugar com Mairesse e o carro é reabastecido. Algumas centenas de metros depois, nos Esses, o carro é consumido pelas chamas devido à gasolina espalhada pelo carro nas boxes… bem como o seu piloto. Maisesse consegue sair, com ligeiras queimaduras na cara e nos braços.

No final, apenas catorze carros chegaram à meta, e doze carros foram classificados. Os seus primeiros foram para a Ferrari, com Bandini e Scarfiotti a dar mais um triunfo à casa de Maranello, na frente do privado da Ecurie Nationale Belge, guiado por Jean Blaton e Gérard Langlois van Ophem, e o outro oficial de Parkes e Magioli. O Rover BRM a turbina também chegou ao fim, no equivalente ao sétimo posto, a 29 voltas do vencedor.

1964: O DESAFIO AMERICANO

No verão de 1963, Enzo Ferrari foi visitado por representantes da Ford no sentido de uma aquisição. As negociações chegaram ao ponto de haver um contrato do qual o Commendatore só tinha de assinar. Quando chegou o momento, ele recusou e a partir dali, os americanos sentiram-se desafiados e resolveram retaliar. Contrataram os serviços do texano Carrol Shelby, que tinha vencido as 24 Horas em 1959, e nesse ano tinha construído os protótipos Shelby Cobra, e levou dois deles, um para Dan Gurney e Bob Bondurant, e outro para Ken Miles e Bob Holbert. Contudo, o de Miles não chegou para participar.

E a Ford tinha três carros presentes, a primeira versão dos GT40, para pilotos como Bruce McLaren e Phil Hill; Richie Ginther e Masten Gregory, e o britânico Richard Attwood, emparelhado com o francês Jo Schlesser.

Uma armada Ferrari estava presente: doze carros, quatro dos quais oficiais, que entravam com três modelo 275P, para o italiano Nino Vacarella e pelo francês Jean Guichet; para a dupla Umberto Magioli e Giancarlo Baghetti, e o para Mike Parkes e Ludovico Scarfiotti. Os mais antigos 250P eram guiados pelos privados, como a NART, que tinha um para o britânico David Piper e o jovem ausrtríaco Jochen Rindt. E também tinha o 330P, que foi usado por John Surtees e Lorenzo Bandini, na equipa oficial, e por Pedro Rodriguez e SkipHudson na NART.

As coisas começaram bem para a Ferrari, com Pedro Rodriguez a levar a melhor no seu carro NART… e a correr mal para a Ford, quando o GT40 de Phil Hill demorou quase minuto e meio para arrancar, sendo último no final da primeira volta. Ginther deu nas vistas com o seu Ford, passando-os na reta de Mulsanne a 340 km/hora, liderando até à primeira paragem nas boxes, onde as coisas correram um pouco mal e saindo no segundo lugar, atrás do Ferrari de Surtees e Bandini. ele continuou na corrida, mas uma caixa de velocidades partida na sexta hora terminou a prova de modo prematuro. Quase ao mesmo tempo, outro Ford, o guiado por Attwood, pegava fogo e o piloto teve de pular fora à pressa…

Às 22 horas, o Ferrari guiado por Giancarlo Baghetti apanhou o AC Cobra guiado por Peter Bolton, no preciso momento em que um dos seus pneus explode. A colisão é inevitável e o 330P vai para a berma, atingindo mortalmente três jovens espectadores que viam a corrida em zona proibida. Nesta altura, os Ferrari tinham as três primeiras posições, com Surtees uma volta na frente de Vacarella. Mas na 12ª hora, uma fuga de combustível o fez ir mais vezes às boxes e foi passado por Vacarella e Guichet. Pelas sete da manhã, Surtees ficou mais tempo para resolver a questão e perdeu o segundo posto para outro Ferrari, de Graham Hill e Jo Bonnier, inscrito pela britânica Maranello Concessionaries. E foi assim até à meta, quando Vacarella cortou-a como vencedor, sete voltas de avanço sobre o segundo classificado. O melhor Shelby acabou em sexto e nenhum Ford terminou a corrida: o último sobrevivente, o de McLaren e Hill, sucumbiu à 14ª hora, com a caixa de velocidades partida.

1965: O PILOTO FANTASMA

Em 1965, o duelo entre Ford e Ferrari era mais intenso. Depois da humilhação do ano anterior, a Ford voltou inscrevendo dois GT40 pela Shelby-American, um para Ken Miles e Bruce McLaren, e outro para o neozelandês Chris Amon e Phil Hill. Um dos GT40 estava nas mãos da Ford France e seria guiado por Guy Ligier e Maurice Trintignant, e outro nas mãos da Rob Walker Racing, guiado por Umbetto Magioli e Bob Bondurant.

A Ferrari inscreveu três carros oficialmente, todos com o modelo P2 de quatro litros, um para Lorenzo Bandini e o seu compatriota Gianpiero Biscaldi, outro para Mike Parkes e o francês Jean Guichet e o terceiro para John Surtees e Ludovico Scarfiotti. Outros Ferraris estavam inscritos, como os da NART, um 250 LM para JochenRindt e Masten Gregory, e um 365P2 Spyder para Nino Vacarella e Pedro Rodriguez. A Ecurie Francochamps era outra que tinha Ferrari inscritos, um deles um modelo 275GTB para Willy Mairesse e Jean Blaton.

Havia enorme expectativa no momento da partida não só no circuito, mas para quem assistia em casa. A corrida iria ter transmissão em direto para os Estados Unidos, e Chris Amon aproveitou a ocasião para liderar a prova nos primeiros metros, com o seu companheiro Hill… a comentar a corrida na cabina da televisão. No final da primeira volta, eram os carros de Amon e McLaren a liderar, seguido do Ferrari de Surtees.

Os Ford andaram na frente nas primeiras quatro horas, com Miles a manter sucessivamente a liderança depois de trocar lugar com McLaren, com Hill (que trocara lugar com Amon) se ter atrasado em 40 minutos com problemas de embraiagem. Mas depois, a caixa de velocidades cedeu e a noite ainda não tinha caído e os Ford oficiais estavam fora de cena. Os Ferrari voltavam a ter o monopólio do pódio, mas entre eles não estava o carro de Gregory, que teve problemas no distribuidor, perdendo meia hora e voltando na 18ª posição. Rindt já se tinha vestido e ia embora do circuito quando o impediram de fazer isso.

Pela noite, os Ferrari oficias tinham problemas com os discos dos travões e nas suspensões, perdendo meia hora e caindo na classificação geral. E quem andavam bem era os velhos 250LM, com os privados na frente. O francês Pierre Durmay, no seu próprio Ferrari, emparelhado por Puierre Gosselin, liderava, seguido de Gregory, no Ferrari da NART, que fazia uma corrida de pedal a fundo, sem nada a perder. Pela manhã, já tinham trocado de lugar e Gregory e Rindt venceriam com cinco voltas de avanço sobre o segundo classificado, num triunfo não oficial da Scuderia.

Contudo, anos depois, alguém revelou que guiou algumas horas no carro vencedor. O americano Ed Hugus, piloto de reserva naquele ano, disse que, pela manhã, Gregory tinha parado inesperadamente porque tinha condensação nos seus óculos de competição – ele era dos poucos pilotos que corria com óculos graduados – e quando foram procurar Rindt para o acordar e ir guiar a sua parte, não o encontravam.

Hugus estava ao pé e pediram-lhe para fazer a parte dele enquanto continuavam a procurar por Rindt e o colocar no carro. Isso era fora do regulamento, porque Hugus não estava inscrito como co-piloto e Gregory não poderia voltar à pista, pois já tinha saído do carro. Ele fez todo um “stint” e no final, depois de encontrado Rindt, ambos foram para o pódio e o terceiro piloto ficou nos bastidores. Toda esta história só foi sabida em 2009, após a morte do piloto americano, numa carta escrita para um amigo, contando os pormenores.

DEPOIS DOS TRIUNFOS…

Em 1966, a Ford conseguiu o que queria, ainda por cima com um monopólio no pódio e uma chegada em estilo, com Bruce McLaren e Chris Amon na frente de Dennis Hulme e Ken Miles. Seria o primeiro de quatro anos de domínio Ford, até 1969, quando Jacky Ickx bateu o Porsche de Gerard Larrousse por 120 metros. A Ferrari continuou a competir de forma oficial até 1973, com modelos com o 512 e os 312PB, mas não mais triunfou. No final desse ano, sem resultados de relevo, decidiu concentrar-se na Formula 1, encerrando uma grande era na clássica de La Sarthe. Por essa altura, já pertencia ao Grupo Fiat, que tinha comprado 50 por cento da Scuderia e injetado dinheiro para manter o seu departamento de competição.

Haveria Ferrari a aparecer na pista francesa nas décadas seguintes, especialmente os GT’s. Recentemente, eles encontram-se na classe GT-Pro, através dos modelos 488 privados, especialmente os da AF Corse, que é uma espécie de inscrição oficiosa da Scuderia em Le Mans. Agora, anunciaram o regresso, não se renegando à sua história…

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