Entrevista a Filipe Albuquerque: O sonho que finalmente se tornou realidade
Filipe Albuquerque está numa das melhores fases da sua carreira. As vitórias sucedem-se a um ritmo espantoso, e a qualidade que todos lhe reconhecem recebe agora os louros há muito merecidos. No balanço da sua participação em Le Mans, o piloto de Coimbra falou ao AutoSport do antes, durante e depois daquelas longas 24 horas em La Sarthe.
Filipe Albuquerque tem sido o centro das atenções desde que conquistou a tão desejada vitória em LMP2 nas 24h de Le Mans. O piloto tem acumulado presenças nos meios de comunicação generalistas, distinções e homenagens. Para quem acompanha o AutoSport e segue o desporto motorizado, sabe bem que este reconhecimento apensa peca por tardio, mas chega numa fase em que o automobilismo começa a ganhar um novo impulso, à boleia das conquistas de Albuquerque e António Félix da Costa. Finalmente, dizemos nós!
Uma semana depois da grande conquista na mítica prova francesa, falamos com Albuquerque para uma análise mais a frio do que aconteceu naquele fim de semana que será recordado por muito tempo. Encontramos um piloto cansado mas feliz com tudo o que está a viver: “Admito que nesta fase já começo a sentir algum cansaço, nesta correria que tem sido estes últimos tempos, com muitas entrevistas, mas que ao mesmo tempo isso deixa-me imensamente feliz, como é claro.”
O que mudou?
O que é ser um vencedor de Le Mans? Uma pergunta que muitos pilotos se colocam mas poucos conseguem obter a resposta. Para Albuquerque, que acumulou esse triunfo com o título virtual de campeão do mundo de endurance em LMP2, as mudanças depois deste feito são… muito poucas:
“É algo engraçado porque a Joana, a minha mulher, perguntou-me isso, se me sentia diferente, por ser campeão do mundo, por ter vencido Le Mans, que era algo que queria muito. E sinceramente, embora esteja muito feliz pelo que conquistei, não sinto muito isso e só penso que tenho de trabalhar ainda mais para a próxima corrida, pois quero muito ganhar o campeonato da Europa, quero muito fazer um bom resultado em Monza. É que tudo o que estou a viver agora é tão bom que tenho medo de o perder e sinto que vou perder esse feeling se não estiver no meu melhor nível na próxima corrida. Estou a tentar desfrutar do momento claro, mas não perco o foco na próxima corrida.”
O carro #22 da United Autosports vinha de uma série imparável de vitórias e eram os favoritos à vitória, apesar da forte concorrência, favoritismo que era sentido na equipa, com a a pressão inerente, mas com a noção que iam enfrentar Le Mans e que a concorrência não ia dar tréguas:
“Tinha a perfeita noção que éramos favoritos, que no papel tínhamos tudo para ganhar, mas tive que lidar com a pressão e as expetativas que as pessoas tinham, porque em Le Mans não interessa o favoritismo. A prova é tão difícil com tantas ratoeiras, é tão exigente, quer fisicamente que ao nível da mecânica, que há muitos aspetos que não conseguimos controlar. O facto é que havia muitos carros competitivos que ficaram pelo caminho, uns por erros dos pilotos, outros por erros da equipa, outros por azares, como aconteceu com os nossos colegas de equipa do carro #32, que estavam com um carro em melhores condições que o nosso a meio da corrida porque tinham mais velocidade de ponta e com isso conseguiam ser mais rápidos. O carro do António [Félix da Costa] também estava muito bem, pois nas paragens nas boxes eles eram à volta de dez segundos mais rápidos. Por isso tivemos que lidar com cada problema que foi surgindo sabendo que não havia volta a dar e que teríamos de lidar com esses problemas até ao final. No caso do carro do António, se contarmos que fazemos mais de trinta paragens, podemos ver o tempo que eles conseguiram ganhar só aí.”
“Sentia que os nosso colegas de equipa do #32 nos iam dar muito trabalho, até porque ele sabiam o que estávamos a fazer e houve até uma situação em que eles começaram a copiar a nossa asa. Sabíamos que a G-Drive é uma equipa espetacular, que tem sido a nossa grande adversária no ELMS e seriam também em Le Mans. E sabíamos que os carros assistidos pela JOTA também iriam ser muito rápidos. Ou sejam já estávamos a falar de quatro carros capazes de ganhar, fora outros carros que iriam estar a colocar pressão.” A meio da corrida o #32 parecia ter alguma vantagem sobre o #22. Albuquerque admitiu que as circunstâncias beneficiavam os colegas de equipa naquela altura, mas a vantagem foi sempre controlada e gerida da melhor forma: “Tivemos muitos danos na corrida, um deles comigo, com o Tristan Gommendy , que numa travagem bate-me de lado e parte algumas peças do carro. O Paul di Resta apanhou com um destroço que estava em pista que bateu em cheio no nariz do carro, o que provocava mais atrito ao ar. O #32 quando veio para as boxes trocou varias partes e o carro ficou muito mais aerodinâmico que o nosso, que já estava mais sujo e danificado. Mas a verdade é que estávamos com um ritmo de gestão de corrida e de não correr riscos nenhuns, o que implica um andamento diferente e uma mentalidade completamente distinta. Não éramos propriamente lentos, mas fizemos a gestão que achávamos que era a ideal. “
“Nas primeiras três, quatro voltas admito que forcei o andamento, mas depois comecei a poupar gasolina para fazer mais uma volta, comecei a subir menos nos corretores, a não forçar tanto pois ainda faltava muito tempo. Houve o caso do James Allen que passou por mim e que depois bateu nas curvas Porsche perto do fim, o que é de um piloto que não sabe gerir o andamento numa prova destas. Mas temos de lidar com isso e para vencer, primeiro é preciso terminar a prova. “
Finalmente…
As duas primeiras passagem por Le Mans de Filipe Albuquerque pela Audi prometeram muito e sentíamos que o português tinha o que era preciso para vencer. Infelizmente o fim do projeto da marca alemã obrigou-o a procurar outras soluções, que nem sempre lhe deram o melhor carro. Na primeira vez que teve um carro LMP2 verdadeiramente competitivo…o resultado está à vista: “Eu sentia que poderíamos ganhar a corrida e sabia que eu tinha andamento para isso, até porque quando estava na Audi, o meu carro das duas vezes foi o mais rápido dos três. No primeiro ano fomos abalroados por um GTE em fase de chuva, no segundo ano éramos o melhor Audi e não estávamos em primeiro porque a Porsche estava a usar reabastecimentos rápidos, poupando 5 seg. por paragem. Mas estavam apenas a um minuto de distância e daria para meter pressão mas infelizmente não aconteceu [um problema elétrico ditou a queda do segundo para o sétimo posto]. Mas mesmo no Ligier, fizemos provas fantásticas, no primeiro ano ficamos em quarto e tínhamos um carro muito lento. Podíamos ter ficado em terceiros no ano seguinte, mas infelizmente o Paul di Resta bateu, no ano passado ficamos em quarto. Ou seja mesmo com um carro inferior aos outros, conseguimos excelentes resultados. Este ano, no arranque da prova, nem queria acreditar no carro que tinha nas primeiras voltas, comparando com as dificuldades que sentia com o Ligier. Eu fiz aquela volta rápida por puro prazer e completamente sob controlo e se fui por fora com o LMP1 é porque estava espantado por ele ter travado tão cedo. Eu tinha tudo sob controlo e podia travar mais tarde e quase passar o ByKolles e por isso fiquei espantado com a qualidade do nosso carro. Fizemos grandes corridas com o Ligier e posso até dizer que fizemos corridas melhores do que estamos a fazer agora com o Oreca, pois com o Ligier, para conseguir bons resultados tínhamos de ser perfeitos. Infelizmente ninguém via isso pois ninguém consegue entender a diferença de valia das duas máquinas, mas o facto é que desde que mudamos de carro, só não acabamos duas vezes no pódio devido a problemas elétricos. “
Ponto alto
Será esta a melhor fase da carreira do piloto de Coimbra? Provavelmente sim e tal pode ser explicado com a estrelinha de campeão que agora acompanha o piloto. Ou talvez seja alguém que infelizmente já não está com Albuquerque, mas que o ajuda a atingir os objetivos. Alguém muito importante na vida e na carreira do piloto e que foi muito lembrado quando a vitória finalmente sorriu: “Eu já me sentia na minha melhor forma desde o tempo do Ligier onde consegui fazer grandes qualificações. Analisando o que dependia de mim, sentia-me em bom nível nestes quatros anos com o Ligier até porque, se não me engano apenas numa ou duas corridas não fomos o melhor Ligier. Isso demonstra o nosso andamento. Agora temos um carro em que não temos de ser ultra-perfeitos para os resultados surgirem. Mas acredito que também é preciso ter uma pontinha de sorte, não há campeões sem aquela estrelinha e acho que desde que o meu pai faleceu tenho tido essa estrelinha e tenho um anjo da guarda que me dá um pouco mais de sorte e as coisas têm corrida de forma fantástica. Tento perceber o porquê de tanto sucesso ultimamente e por vezes até questiono se o mereço, mas sei também que tive muitos anos com muito azar.”
“Claro que quando ganhamos a memória do meu pai estava muito presente. Mas agarro-me ao que disse, a este sucesso todo que tenho conseguido ultimamente. Mesmo que não vencesse Le Mans as coisas já estavam a correr muito bem, mas ainda correu melhor. Conseguimos a quarta vitória consecutiva para o WEC que é um novo recorde. Claro que ainda estou numa fase de luto, e creio que todos nós, quando perdemos alguém tão importante na nossa vida tentamos perceber e dar explicação às coisas, mas muitas vezes essa explicação não existe. Mas sei que o meu pai, onde quer que esteja está super feliz pelo que está a ver e pelos resultados que estou a alcançar.”
Quando o piloto de Coimbra surge na TV, normalmente está sorridente e com uma boa disposição contagiante mas nos momentos finais de Le Mans, vimos um Albuquerque nervoso como nunca, naquele que foi o momento mais tenso que viveu na boxe, seguido de um momento de grande alegria e orgulho pela prestação do seu colega de equipa, Phil Hanson: “Acho que sim que foi mesmo o momento da maior nervosismo na boxe. As oportunidades para ganhar Le Mans são poucas e depois de 23h na frente, as coisas a mudarem de repente com um Safety Car e termos de vir à boxe quando o carro da JOTA talvez não tivesse de o fazer… começar a sentir que a corrida podia escapar a 10 minutos do fim depois de termos estado tão bem, seria muito ingrato. Por isso estava muito nervoso e eu que sempre tinha sonhado ir ao pódio, iria ter um sabor muito amargo se não vencesse. Mas eu acho que o Phil esteve muito bem, desde a passagem ao Ferrari, até queimar a entrada da boxe. Tinha de ser tudo no limite para conseguirmos sair à frente porque não sabíamos se o Anthony [Davidson] tinha de ir à boxe ou não, por isso o Phil esteve brilhante porque não cometeu nenhum erro. Temos de lhe dar os parabéns pela sua prestação, mas não lhe menti que estava nervoso, porque não estava no controlo da situação. Se estivesse no carro provavelmente estaria menos nervoso. É mais difícil para quem está a ver.
Sinto muito orgulho do que o Phil tem feito e da forma como tem evoluído. Houve alturas em que eu lhe estava a dizer o que ele tinha de fazer mas ele já o estava a fazer e fico muito orgulhoso pois ao longo destes anos ele tem estado muito atento ao que lhe digo e o facto é que ele esteve muito bem.”
Agora a ELMS
Mas a ambição de Albuquerque não pára e o piloto já está focado no próximo objetivo: “O grande objetivo agora é o ELMS. Já estive perto de o vencer várias vezes e não consegui por isso só vou acreditar quando ganhar mesmo. Sou muito experiente a perder, infelizmente, por isso tenho de treinar muito, preparar-me o melhor que posso . São duas corridas ótimas, pois adoro Monza, conheço muito bem por isso vou-me sentir muito à vontade, tal como em Portimão, mas sei que a G-Drive e que o carro #32 vão estar muito fortes e agora ainda mais chateados por não terem ganho Le Mans. Vou ter de gerir essa vontade toda da parte deles e sei que eles se vão apresentar muito fortes. “
Aos poucos temos visto mais pilotos nas TV generalistas, e os seus feitos começam a ter mais repercussão na população em geral. É uma mudança que se saúda e que está muito ligada aos sucessos recentes, uma porta que agora se abre e que se espera possa trazer mais pilotos para a ribalta: “Tem sido uma guerra para os pilotos de automóveis conseguirem singrar e aparecer nas capas dos jornais. Creio que tanto eu como o António como o Miguel [Oliveira] temos ajudado a abrir essas portas e mostrar às pessoas a qualidade que há a nível nacional no desporto motorizado e é impossível não olhar para o sucesso que estamos a ter. Já tive alguns picos de notoriedade como quando ganhei a Corrida dos Campeões e as 24h de Daytona, Agora estou a beneficiar do sucesso do Miguel e do António e é claro que o desporto motorizado está de parabéns como disse o nosso Presidente da República quando me ligou. É fantástico e é bom que tanto eu como o António, como o Miguel estejamos a consegui-lo e não interessa quem o consegue. O que interessa é que esteja a ser feito mas temos de continuar a tentar fazer com que os media estejam mais atentos ao desporto motorizado.”
Futuro está à porta
Quanto ao futuro, se Albuquerque tiver de escolher entre um LMDh ou um Hypercarro… a escolha não será fácil. Os rumores começam a aumentar e os resultados recentes do piloto luso fazem dele uma escolha óbvia para qualquer equipa com ambição para vencer. A escolha do projeto ideal será fundamental mas para já… apenas rumores e nada mais: “Escolher entre LMDh e Hypercarros? Teria que me sentar e ouvir os planos de uma parte e de outra. Não sei. Sinceramente não sei qual vai ser o melhor carro e é um ponto de interrogação para muita gente. Eu acho que o que existem são apenas rumores. Tenho ouvido falar que estou no topo da lista de alguns construtores, mas isso não quer dizer nada. É como sermos favoritos a ganhar uma corrida. Só conta quando for contactado pela pessoa responsável e me oferecem um contrato. Até lá, são apenas especulações. Há algumas conversas com algumas pessoas ligadas a certos grupos que me estão a mandar alguns piropos, mas isso para já não conta para nada pois não é nada oficial e nada concreto. Para já só temos a Peugeot com um projeto novo para Le Mans. Fala-se na Porsche, fala-se na McLaren. Vamos ter de esperar mais um pouco até para ver quem é que a Peugeot escolhe para o seu lote de pilotos e também se os outros construtores vão entrar ou não.”
O futuro a médio prazo parece ser risonho para Albuquerque. Uma dupla com Félix da Costa seria o sonho de qualquer português, mas a única certeza que temos é que Albuquerque quer manter-se na resistência por muitos anos e não pensa noutras paragens: “Fazer dupla com o António era fantástico, ele é um piloto espetacular e ainda por cima somos muito parecidos a nível de altura e fazer o banco era fácil. Somos ambos portugueses e conhecemo-nos bem. Mas o António está muito envolvido na Fórmula E eu estou claramente direcionado para resistência e é aí que me vou manter, não pretendo mudar para mais lado nenhum, portanto os próximos meses vão dizer qual será o meu futuro. Nunca escondi que o meu objetivo era vencer Le Mans à geral. Quando a Audi saiu tive muita pena de ter de ir para LMP2 pois forçosamente não havia lugar em mais lado nenhum mas gostava de voltar aos LMP1 e correr à geral, por um construtor. É essa a minha ambição e o meu sonho. Falta-me ser campeão europeu, ganhar o IMSA, ganhar Sebring, falta o campeonato do mundo, ganhar Le Mans à geral.. há sempre mais a conquistar e depois repetir tudo outra vez, porque não? “
Para muitos dos que agora tomam conhecimento do talento que Portugal tem no desporto motorizado, pode parecer estranho termos pilotos considerados dos melhores do mundo. Para nós que temos a felicidade de acompanhar as carreiras destes talentos, é algo que repetimos sem nos cansarmos pois é uma verdade que nos enche de orgulho. Albuquerque é um piloto fantástico, que teve finalmente o merecido prémio por todo o seu esforço e todo o seu talento, num ano que está a ser de ouro para as cores nacionais. Um raio de sol que ilumina a penumbra que a pandemia lançou sobre o nosso país e o mundo. Um motivo de alegria que esperemos que se repita, mas agora na classe principal. A prova foi dada… se lhe derem o carro certo, Filipe Albuquerque trata de chegar ao objetivo traçado. Aguardamos ansiosamente pelas novidades do seu futuro, mas antes disso vamos torcer para que o ELMS venha finalmente para Portugal, além da confirmação do título mundial em LMP2. Filipe Albuquerque para nós sempre foi um campeão, agora o rótulo é óficial. Ainda vamos sorrir muito graças ao Filipe.
Belíssima entrevista. Muita sorte e sucesso para o Filipe!