Entrevista a Eduardo Freitas, diretor de corrida do WEC

Por a 19 Novembro 2016 14:18

Pode descrever o cargo de diretor de corrida?

“O diretor de corrida é como se fosse um maestro. Temos a sala de espetáculos e temos a banda e temos que perceber como a banda toca para, quando o espetáculo começa, estamos em todos em sintonia para tocar a música que queremos. Neste caso, estamos a falar dos comissários de pista, das equipas de socorro, médicos, pilotos e equipas. É uma organização muito grande, com muitas pessoas envolvidas, que eu avalio como funcionam nos treinos livres e qualificação, para saber como trabalham. Assim, quando chegamos à corrida estamos todos a trabalhar bem, ao nível que queremos, e o espetáculo pode decorrer normalmente.”

Como começou a trabalhar no desporto motorizado?

“Foi de uma forma engraçada, digamos. Eu costumava fazer arranjos a motores a dois tempos para motorizadas, e um dia um amigo pediu-me para fazer o mesmo a um motor a dois tempos de um kart. Isto foi em 1977. Dois anos depois, foi ao Mundial de Karting no Estoril para comprar um chassis ao Martin Hines da Zip Kart, que era um piloto fantástico, e que vi correr, comigo sentado na bancada. Decidi que não queria mais ver corridas desta maneira, e a parte mecânica já não me dava a adrenalina que eu queria, então na segunda feira seguinte, dia 24 de setembro de 1979, comecei como aprendiz, desmontando a pista de karting do Estoril.”

“Depois passei para comissário de pista, para chefe de posto de comissários, chefe de zonas de comissários e sempre a subir. Ajudei nas verificações técnicas, fiz muitas coisas diferentes, e quando surgiu a oportunidade de ser diretor de corrida numa prova de karting, passei para essa posição. Então, em 2002, quando era chefe do Colégio de Comissários no Estoril, surgiu a oportunidade de ir para o FIA GT. Foi um telefonema, em fevereiro, que me deixou surpreso, em que o Jürgen Barth me perguntou se eu estava disponível para fazer a época conjunta do FIA GT e do ETCC. Pensei que o comboio podia ir mais longe e agarrei a oportunidade. Assim alinhei por um ano para 2002 e agora estou aqui. Passei do FIA GT e ETCC para o WTCC quando este começou em 2005, e fiquei lá até 2009, foram 110 corridas, muito divertido.”

“Em 2010, a FIA decidiu mudar-me para o Campeonato do Mundo de GT, que só durou em 2011, então fui convidado para vir para o Campeonato do Mundo de Endurance, onde estou agora. E como sou diretor de corridas de resistência aqui, faço o mesmo trabalho na European Le Mans Series e na Asian Le Mans Series. Por isso agora faço muita coisa interessante nesta área.”

Quem faz parte da sua equipa na torre de controlo? Quantas pessoas são membros permanentes e quantas vêm das federações locais para cada corrida?

“Depende de circuito para circuito. Algumas pistas têm mais pessoas locais e outra têm menos, e os números podem variar entre 10 e 20. Dos membros permanentes, eu tenho a Lisa Crampton, que é o meu braço direito, que faz análise de telemetria de todos os incidentes, das linhas de corrida, aceleração e travagem. Ela é importante para me ajudar a perceber os acidentes. Além da Lisa tenho o Cristiano Macedo, que trata de algo que agora é comum, os limites de pista. Ele tem software e uma quantidade de câmaras dedicadas aos limites de pista onde podemos analisar os limites de pista, como foram feitos pelos pilotos e se houve algum ganho ou não. E se ele encontrar alguma coisa envia-me para ser analisado. Além do Cristiano, também tenho o Yannick Dalmas, que é o conselheiro de pilotagem para mim e para os comissários. Uso muito a opinião dele já que eu próprio nunca fui piloto e ele pode dar-me informações importantes sobre como um piloto vai reagir a uma determinada situação. Eu chamo-lhe ‘A Consciência’. Ele pode ver os mesmos vídeos que eu e cada vez que revejo uma cena ele está lá para me explicar.”

“Também tenho o Rick, que é quem gere o software para análise de corrida. É um sistema muito complicado, que está sempre a ser desenvolvido, pelo que precisamos de alguém a tempo inteiro para fazer os melhoramentos corrida a corrida. Também temos um meteorologista, que me permite ver se temos que parar porque vem aí uma tempestade, ele monta um conjunto de radares à volta dos circuitos, e eu posso antecipar as condições para garantir a segurança dos pilotos. E finalmente tenho o delegado médico da FIA, que trata de toda esta parte para eu não precisar de o fazer. Ele confirma se temos todos os médicos, enfermeiros e ambulâncias que são obrigatórios para um campeonato deste nível, e garante a uniformidade dos procedimentos médicos a nível mundial.”

“Também tenho uma ‘vítima’, o Fred, que está no camião da produção televisiva, e a quem eu estou sempre a chatear a pedir vídeos de repetições, dos cockpits, disto e daquilo. Por exemplo, eu peço-lhe que me arranje um acidente que ocorreu há 20 minutos, e ele faz um excelente trabalho, é uma peça fundamental com quem eu trabalho há dois anos, que compreende sempre o que quero e que me dá os vídeos antes de eu os pedir. É sempre bom ter um vídeo quando se vem ao colégio de comissários, torna a vida muito mais fácil. Também temos um piloto permanente para o safety car, que me ajuda em situações difíceis, como chuva, dá-me uma boa análise de como está a pista, onde está a aderência, como os carros se vão comportar. Essa informação é muito importante. E tenho a cronometragem, com quem estou ligado diretamente. Eles resolvem-me muitos problemas, como as ultrapassagens com bandeiras amarelas. Se acontece alguma coisa numa área sem câmaras de TV, usou a informação de cronometragem para determinar o que aconteceu. E tenho os comissários que verificam nas boxes se tudo é feito de acordo com o regulamento desportivo ou se há algum carro com um problema mecânico que tenho que determinar se é um perigo para outros pilotos.”

Pode explicar como é uma corrida típica para o diretor?

“Não há um dia típico porque cada dia tem várias coisas diferentes para se fazer. Quando chegamos, a prioridade é vermos a pista para verificar se são necessárias reparações. Às vezes, os responsáveis nos circuitos não reparam em degradação porque veem a pista todos os dias. Vamos para a pista, verificamos os corretores, vemos se está tudo bem. Depois comparamos com as notas do ano anterior, fazemos notas para os briefings para anteciparmos o maior número possível de problemas. Na sexta-feira vamos para a pista fazer uma inspeção com os comissários ver se está tudo no sítio. Na primeira sessão de treinos livres percebemos a velocidade de atuação dos meios de trabalho e quanto os comissários estão expostos a perigo, e percebemos como devemos atuar durante a corrida.”

“Também fazemos um exercício com o safety car para o nosso piloto permanente se adaptar à pista, e verificamos a performance do piloto do carro médico e dos outros veículos de apoio, para ficar confiante que quando os mando para a pista eles sabem o que fazer. Por exemplo, quando o carro médico vai atrás do pelotão na primeira volta, ele consegue andar depressa e seguir a trajetória. É comum ser o Yannick a tratar disto, e não é raro ele dar umas voltas com o condutor do carro médico para ele perceber como deve curvar e travar. Fazemos tudo isto no dia de treinos livres.”

“Depois vem o dia de corrida. Fazemos uma inspeção à pista no domingo de manhã e temos um briefing com os pilotos que vão fazer a partida para explicarmos o que queremos nas voltas de formação. Temos quatro campeonatos, com diferentes níveis de performance, por isso queremos uma grelha segura. Na corrida fazemos figas para termos que intervir de uma forma mínima. Para mim, uma corrida é boa quando eu não tenho que fazer nada.”

Qual é o procedimento para aplicar penalizações aos pilotos e qual é o seu papel na definição da penalização?

“Normalmente, um comissário ou outro membro do colégio deteta uma situação em pista e eu recebo um relatório. Eu faço a compilação de todos os dados que posso acrescentar a essa relatório e julgo se há um incidente ou não. Se houver um incidente, devolvo-o ao colégio de comissários, que são como um painel de juízes que decide se eu tenho razão sobre o incidente e se o incidente merece uma penalização. Em algumas situações, o diretor de corrida pode decidir imediatamente que tipo de penalização pode ser aplicada. O procedimento da FIA define que é o colégio a decidir a penalização a aplicar a um piloto ou a uma equipa, e eu sou muitas vezes convidado para dar a minha opinião, mas a decisão passa sempre pelo colégio e a decisão final sobre a penalização é deles.”

Quando há um incidente em pista, como decide a escolha entre uma situação de bandeiras amarelas, uma intervenção do safety car e uma bandeira vermelha?

“Enquanto as penalizações passam sempre pelo julgamento do colégio de comissários, em funções de segurança tudo depende de mim. Não há tempo a perder e tenho de garantir que todos os envolvidos estão em segurança. A decisão depende muito do que vi durante as preparações para a corrida. Vai depender da rapidez dos comissários de pista, qual é o voluntarismo para lidar com situações de amostragem de bandeiras amarelas, ou seu eu preciso de ir mais longe e ordenar a entrada do safety car em pista ou até de mostrar a bandeira vermelha. Não é uma coisa matemática, não dá para fazer uma tabela em que temos fazer isto ou aquilo. Vai depender muito como tem corrido o fim de semana, nas preparações que fizemos e até como decorreram as provas de apoio. Vejo muito nas corridas de apoio como são feitos os trabalhos de recuperações, especialmente se isso não acontecer numa das minhas sessões. Consigo ver a rapidez deles e posso basear a minha decisão para criar uma situação de bandeiras amarelas, mandar entrar ou safety car ou mostrar a bandeira vermelha”.

Qual é a parte do seu trabalho numa prova do WEC que gosta mais?

“Simplesmente estar lá. Isto é uma família, o WEC é uma grande família que inclui as equipas e a organização. Passo muitos dias do ano com eles, é uma equipa pura, não é só um grupo de pessoas que trabalham juntas, somos pessoas em que confiamos uns nos outros e que sabemos trabalhar todos juntos. Somos um grupo muito próximo, comemos juntos e depois confraternizamos. É uma relação humana em conjunto com uma relação profissional. O meu momento favorito é quando mostro a bandeira de xadrez e tudo correu bem, não houve acidentes e todos vão para casa em segurança. Aí foi um bom dia que terminou bem, volto para casa com um sorriso. Vão todos felizes? Não, porque há sempre um vencedor e isso faz parte do jogo.

FONTE: FIA

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