Alex Wurz: O homem dos sete ofícios

Por a 13 Agosto 2021 13:15

No passado mês de julho estivemos no Autódromo Internacional do Algarve para acompanhar a segunda ronda do WEC. Com a presença em força da comitiva da Toyota, falamos com Alex Wurz, nome incontornável do endurance e da marca nipónica. O duas vezes vencedor das 24h de Le Mans, além das suas passagens pela F1 (Benetton, além de ter sido piloto de testes da McLaren, Williams e Honda).

Tornou-se numa peça central da engrenagem da Toyota, tendo sido o primeiro piloto a ter assinado pela estrutura nipónica e além do seu trabalho em pista, foi moldando a equipa para os sucesso do futuro. Agora já afastado da competição, Wurz continua muito ativo no desporto motorizado, com vários cargos e projetos, os quais ficamos a conhecer um pouco melhor numa conversa que se tornou algo surpreendente, pela clarividência e pela inteligência do austríaco. 

“Fui o primeiro piloto com quem a Toyota assinou”

A conversa começou, como tinha de ser, com o festejo da 100ª corrida da Toyota no Endurance. Wurz tem uma ligação forte com a Toyota e tem sido um dos porta bandeira da marca. Wurz relembrou o seu percurso na equipa: 

“Temos agora 100 corridas (101, depois da corrida de Monza), esperamos fazer muitas mais no WEC e temos pela frente um futuro brilhante. Mas olhando um pouco para trás, para estas 100 corridas, creio que estive em todas, exceto uma por causa do Covid. Não todas como piloto, claro, mas fui o primeiro piloto com quem a Toyota assinou nesta aventura de promover tecnologia híbrida, corridas de endurance e usar o desporto como base tecnológica, mas também como uma plataforma emocional, para relembrar às pessoas que o carro é liberdade, é um meio de transporte que todos podemos aproveitar, mas que também tem inerente a responsabilidade ambiental. 

Quando assinei pela Toyota o objetivo era implementar uma cultura de corridas de endurance, pois a marca vinha da F1. Também era o meu caso, mas já tinha tido a experiência com a Peugeot, tendo vencido em Le Mans. E quando entrei na Toyota o objetivo era criar uma cultura diferente, pois na F1 o foco está no indivíduo, nos tempos por volta e tudo o que uma corrida sprint implica. No endurance, embora as corridas sejam muito rápidas, a ideia é ter uma tripulação de pilotos unida. Não o piloto sozinho que se quer evidenciar, são três pilotos que olham uns pelos outros. E por isso criei a regra que os pilotos devem tomar o pequeno almoço juntos, almoço juntos, vamos e voltamos das pitas juntos, jantamos juntos e mesmo que haja problemas em pista, temos de falar sobre eles, mas somos um grupo unido. É o que acontece ainda e a Toyota aprecia muito isso, pois há pilotos de outras equipas que falam connosco e têm inveja deste ambiente que temos. Foi meu trabalho implementar esta cultura e continua a ser o meu trabalho manter esta cultura. É algo muito bonito, mas nada fácil de conseguir.”

A entrada de Fernando Alonso

Tentar implementar este espírito nem sempre é fácil, pois muitos pilotos chegam habituados a realidades diferentes, em que o foco está 100% no piloto e não na equipa. Fernando Alonso terá sido o caso mais flagrante de um piloto que tinha a fama ( e o proveito) de fazer as suas equipas se focarem completamente nele. Wurz recordou as primeiras conversas com o espanhol e a abertura que mostrou:

“Com Fernando Alonso foi fácil, pois comecei as primeiras conversas com ele para vir para a Toyota, mas disse-lhe no início ́ estamos muito interessados nos teus serviços e por poder contar com alguém do teu calibre, mas tens de entender perfeitamente que vais ser apenas uma parte de seis. Uma parte de algumas centenas de homens e mulheres que trabalham na equipa. É uma mentalidade completamente diferente. ́ ao que ele respondeu ́ vocês guiam-me e vou seguir e executar. ́ e funcionou muito bem.

Wurz é o homem dos sete ofícios, com uma lista extensa de responsabilidades e de projetos em seu nome, que tentamos descortinar:

“Na Toyota sou conselheiro desportivo e embaixador da marca para o WEC. Além de estar nas corridas e nos testes, é minha função cuidar dos pilotos, relações da equipa e por aí em diante. Além disso, tenho também algum contributo a nível técnico e agora com os Hypercars, enfrentamos desafios semelhantes aos que encontramos quando entramos nos LMP1. Como sou uma pessoa muito ligada à parte técnica, sou uma espécie de elo de ligação entre os pilotos e engenheiros e quando os pilotos dão o seu feedback ajudo os engenheiros a perceber o que os pilotos dizem. 

Sou também presidente da GPDA que representa os interesses dos pilotos de F1 na competição, trabalho também para uma televisão austríaca como comentador e para além disso tenho uma empresa que trata de projetar pistas e estamos neste momento a desenhar três grandes pistas e recebemos um pedido para um quarto projeto. Desenhamos muitas pistas de ralicross, infraestruturas de treino para pilotos, para testes, além de infraestruturas de uso militar para forças especiais, embora essas sejam secretas e não podemos publicar. Além de fazermos o desenho dos traçados, tratamos da arquitetura das pistas. É algo que me orgulha muito pois a minha paixão está no design, aspetos visuais e sensações, trazendo o desporto motorizado de uma forma diferente às pessoas, de forma mais próxima do público, quer seja na televisão, quer seja ao vivo.

Daqui por alguns anos veremos pistas feitas de raiz com o nosso trabalho. Já fazemos remodelações de pistas existentes, mas teremos de esperar mais uns anos para termos uma pista nossa no calendário da F1, de forma a poder mostrar um novo caminho e uma nova tendência. O planeamento e construção está a demorar mas estou muito entusiasmado pelo que aí vem.

É de conhecimento público que a Arábia Saudita quer construir uma pista dedicada e que é a empresa de Alex Wurz que está responsável por esse projeto, um palco que deverá acolher a F1 a médio prazo.

“A minha empresa também se especializou em treino de pilotos, quer para a competição, pois fizemos o FIA Young Academy, mas somos o maior fornecedor em educação para a segurança rodoviária. No Azerbaijão todos os taxistas e condutores de autocarros são certificados pela minha empresa e no Egipto todos os condutores de autocarros também são certificados, e treinados. Na Arábia Saudita estamos a tratar de todos os currículos para os exames de condução e estamos a formar os formadores.”

Hypercars são a resposta certa para o Endurance, mas dependem da convergência

Pode-se considerar que os Hypercars são um passo atrás a nível tecnológico, depois dos fantásticos LMP1, que aliavam tecnologia de ponta e performance pura de uma forma única. Mas Wurz não vê isso dessa forma:

“Não creio que seja um passo atrás a nível tecnológico. É uma correção saudável porque já tivemos casos desses no passado. Tive o mesmo no ITC em 1996. Tínhamos tudo, suspensão ativa, tração integral, ABS controlo de tração… tudo o que queríamos, tínhamos naqueles carros, mas era demasiado caro e acabou por não ser sustentável e o campeonato morreu. Tivemos uma tendência semelhante aqui e tivemos que reagir. Diminuímos os custos e instantaneamente as marcas reagiram também e temos de aceitar. Claro que como piloto e como Petrolhead, embora hoje em dia se deva dizer Energyhead, porque não podemos usar combustíveis fósseis da mesma forma, gostaria que os carros fossem tão rápidos quanto os F1, porque isso seria possível com o LMP1, mas o mercado não o permitiu, tivemos de reagir e foi o que fizemos.”

Um dos passos fundamentais para o sucesso do s Hypercars é a aliança entre o ACO e o IMSA, com a proposta dos LMDh. Com Hypercars e LMDh em pista teremos maquinas diferentes, que competem em realidades diferentes, reunidos nas mesmas pistas, com a possibilidade de correr em Daytona e Le Mans, um cenário há muito sonhado. O trabalho é árduo mas Wurz admite que o sucesso desta união é fundamental para o futuro do Endurance:

“Em relação aos LMDh, estou entusiasmado pela possibilidade de termos um pelotão tão grande com tantas marcas. Tenho de falar com os responsáveis dos campeonatos para garantir que  a convergência é feita de forma justa e exequível para que todos possamos então aproveitar as corridas neste campeonato fantástico e na prova rainha que é Le Mans, assim como garantir que os campeonatos cresçam. Mas se falharmos na convergência e começarmos com lutas, levando a que as marcas possam dar um passo atrás, aí falhamos como diretores e como pessoas que trabalham em prol do desporto. Creio que vai ser difícil, muito difícil, mas tem de haver uma forma de o fazer.  Vai ser um processo difícil, que demorará algum tempo e que poderia ser mais fácil se a diferença para os LMP2 fosse maior, porque o BoP vai ter sempre como referência os mais lentos, algo que todos aceitamos. Mas se tivermos de lutar também com os LMP2, torna o processo mais difícil para todos os envolvidos nos Hypercar. Há trabalho de casa para fazer, nada surge de forma perfeita instantaneamente, por isso temos tempo para nos ajustar, mas se conseguirmos encontrar a base certa, os Sportscar têm um futuro fantástico pela frente e espero que todos se lembrem disso. 

Espero que consigamos ter essa base, porque temos a tecnologia e pessoas inteligentes a tratar dessas regras e podemos calcular a performance de forma razoável, por isso as diferenças devem ser poucas inicialmente e deveremos ter bons campeonatos desde o arranque, mas só se todos estiverem em sintonia. O campeonato vai crescer mediante as decisões dos responsáveis. Na mesa das negociações vamos ter o foco na performance, mas também teremos lutas de egos e é por isso que apelo a todos para colocarem o desporto em primeiro lugar e assim teremos uma boa plataforma. Depois sim, lutamos em pista. Se conseguirmos atingir isto, os fãs vão adorar e se conseguirmos um bom compromisso logo no início será entusiasmante para todos.”

Caro leitor, esta é uma mensagem importante.
O Autosport já não existe em versão papel, apenas na versão online.
E por essa razão, não é mais possível o Autosport continuar a disponibilizar todos os seus artigos gratuitamente.
Para que os leitores possam contribuir para a existência e evolução da qualidade do seu site preferido, criámos o Clube Autosport com inúmeras vantagens e descontos que permitirá a cada membro aceder a todos os artigos do site Autosport e ainda recuperar (varias vezes) o custo de ser membro.
Os membros do Clube Autosport receberão um cartão de membro com validade de 1 ano, que apresentarão junto das empresas parceiras como identificação.
Lista de Vantagens:
-Acesso a todos os conteúdos no site Autosport sem ter que ver a publicidade
-Desconto nos combustíveis Repsol
-Acesso a seguros especialmente desenvolvidos pela Vitorinos seguros a preços imbatíveis
-Descontos em oficinas, lojas e serviços auto
-Acesso exclusivo a eventos especialmente organizados para membros
Saiba mais AQUI
Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas VELOCIDADE
últimas Autosport
velocidade
últimas Automais
velocidade
Ativar notificações? Sim Não, obrigado