A Era do Grupo C: Idade de Ouro
Numa altura em que as 24 Horas de Le Mans estão a pouco mais de uma semana, recordamos o fantástico passado do Mundial de Endurance, uma autêntica Idade de Ouro…
Ao contrário da Fórmula 1, a história do Mundial de Endurance foi marcada por numerosos altos e baixos desde a sua origem, em 1953, chegando mesmo o campeonato a ser extinto entre 1993 a 2011. Embora muitos se questionem de um eventual monopólio da Toyota na super-temporada de 2018/2019, é inegável que, pelo menos entre 2012 e 2017, com o advento dos motores híbridos, se assistiu a uma era de inigualável competitividade. Mas os anos do Grupo C não lhe ficaram propriamente atrás…
Na verdade, pode mesmo dizer-se que os melhores anos do Mundial de Endurance decorreram na última década, precisamente porque a crescente fiabilidade dos carros e o apogeu da tecnologia híbrida permitiam que se assistisse a provas de seis horas e até às 24 Horas de Le Mans disputadas ao mais alto ritmo, enquanto todos os regulamentos anteriores tinham sempre preterido a velocidade a favor da resistência das viaturas.
Corridas decididas ao segundo, lutas em pista ao estilo da Fórmula 1, e carros a dar o máximo durante uma prova inteira são, efetivamente, produto do enorme avanço tecnológico do século XXI. Mas a velha componente de resistência tinha o seu encanto também, e entre 1953 e a atualidade por várias vezes se assistiu a períodos em que tanto pilotos como máquinas fizeram o WSC/WEC ter uma popularidade igual à da Fórmula 1.
Infelizmente, este campeonato também ficou deveras marcado pela instabilidade regulamentar que o caracterizou desde o início, daí que não raras vezes, a seguir a épocas de grande prestígio, sucediam-se outras em que o campeonato decaía significativamente.
O regulamento do Grupo C surge, precisamente, de um longo e agonizante período de decadência do WSC desde meados da década de 70, com vários acertos regulamentares e a divisão do campeonato em dois a contribuir para um quase total monopólio da Porsche e corridas cada vez menos interessantes. Ao mesmo tempo, começava a tornar-se regra os pilotos de Fórmula 1 concentrarem-se na classe rainha, deste modo deixando o plantel do WSC entregue a nomes muito menos conceituados e a pilotos que não conseguiam vingar na F1.
Até 1981, o WSC autorizava vários tipos de GT’s, embora as classes principais fossem os modelos especiais de Grupo 5 (como o Porsche 935) e os protótipos de Grupo 6 (de cockpit aberto, como o Porsche 936). No entanto, esta fórmula estava a dar as últimas e os campeonatos tornavam-se cada vez menos interessantes, por isso, durante o grande processo de reformas que a FISA redigiu para implementar em 1982, decidiu-se por criar uma categoria totalmente nova para dar maior impulso ao WSC – o Grupo C – na sequência da substituição da antiga denominação em números do velho Anexo J para as letras: Grupos A, B, C e N. Na verdade, o Grupo C foi criado a partir dos conceitos da categoria GTP, introduzida pelo Automobile Club de l’Ouest em meados dos Anos 70, que não colocava restrições aos motores, mas sim ao consumo, e dos Grupo 6.
Deste modo, a FISA obrigava os novos protótipos a um peso mínimo de 800 Kg e a uma capacidade máxima de 100 litros, o que, sendo as provas de 1000 quilómetros (à exceção de Le Mans) e com apenas 5 reabastecimentos permitidos, limitava o consumo máximo aos 600 litros de gasolina, obrigando as equipas a uma gestão muito cuidadosa do combustível, consequentemente limitando o andamento durante a prova – algo que não acontece com a regulamentação atual devido ao avanço tecnológico – e invalidando o investimento em motores turbo de grande capacidade, como vinha a acontecer nos anos anteriores.
Os motores tinham também de vir de um construtor que tivesse os carros homologados no Grupo A ou no Grupo B, sendo que este último, apesar de maioritariamente destinado a substituir os velhos Grupo 4 nos ralis, iria também substituir os GT na Endurance. Infelizmente, nunca se investiu como devia ser na promoção desta categoria no WSC, e rapidamente este campeonato se tornou praticamente exclusivo a Protótipos.
O regulamento do Grupo C, além de ter sido formalmente implantado no WSC em 1982, foi também usado em várias categorias, como no DRM (substituindo os Grupo 5 especiais), nos campeonatos Interserie e Thundersports (embora com várias nuances) e no Campeonato Japonês de Sport-Protótipos.
Já no campeonato IMSA, os Grupo C também se tornaram a categoria dominante entre 1982 e meados da década de 90, no entanto, nunca correram sob este nome mas sim como GTP, já que os norte-americanos preferiram optar por uma fórmula sem restrições de consumo e com ligeiras alterações a nível do chassis. Mesmo assim, não deixava de existir uma certa paridade entre os dois campeonatos e, com as devidas adaptações, o campeonato IMSA atraiu os mesmos construtores do seu congénere do lado de cá do Atlântico, vivendo também ele uma idade de ouro.
1982-1985 – Sob o signo da Porsche
Tal como no WRC, 1982 foi um ano de transição para os novos regulamentos e, embora apenas os Grupo C e B pudessem pontuar para o Mundial de Construtores, o título de pilotos autorizaria, além destes grupos, os velhos Grupo 6 e Grupo 5, os GT de Grupo 4 e 3, Turismos de Grupo 2, e as categorias GTX, GTO e GTU da IMSA. Mais uma vez, a Porsche investiu forte na manutenção da sua primazia no Mundial de Endurance e apresentou o fabuloso Porsche 956, cuja equipa de fábrica era patrocinada pela tabaqueira Rothmans, tornando-a num dos patrocínios mais icónicos da história do desporto automóvel.
Outra marca que criava um modelo de raiz, apostando na Endurance pela primeira vez desde o final dos anos 60 era a Ford, com o C100 desenhado por Tony Southgate, e a pequena Rondeau apresentava o novo M382, usando motores Ford Cosworth. De resto, o outro grande construtor envolvido, a Lancia – que tinha brilhado em anos anteriores no Grupo 5, mantinha-se temporariamente fiel ao Grupo 6 com o LC1, apostando apenas no Mundial de Pilotos. Rapidamente se percebeu que o Mundial seria deveras equilibrado, com uma grande luta entre a Porsche e a Lancia, a Rondeau a jogar o papel de outsider, enquanto a Ford sofria com inúmeros problemas de juventude no seu carro.
Após uma luta ao longo de toda a temporada, Jacky Ickx conseguiu vencer o campeonato ao volante de um Porsche de fábrica, batendo por pouco Riccardo Patrese em Lancia e o seu colega de equipa na Porsche, Derek Bell. Porém, nos Construtores, sem a Lancia, e com a Ford e outros pequenos construtores muito longe do ritmo ideal, deu-se uma luta bastante interessante entre os todo-poderosos Porsche e a pequena Rondeau, que acabaria decidida de uma forma algo polémica… Na verdade, a Rondeau julgava ter conseguido surpreender e ganhar o campeonato, o que seria um feito inédito para uma equipa de tal dimensão, mas “esqueceu-se” de ler devidamente os regulamentos e perdeu o título graças à pontuação máxima obtida pela Porsche nos 1000 Km de Nürburgring, graças à vitória de um Porsche 930 no Grupo B. Ainda houve alguma contestação, mas totalmente infundada, já que os regulamentos estavam lá, e a Porsche lá trouxe a primeira taça para casa.
1983 marcou o fim do período de transição, mas também o aparecimento de uma nova classe, os Grupo C Junior, futuros C2. Na verdade, a transição para o Grupo C fez disparar os custos e a maioria dos pequenos construtores não tinha capacidade de investir na criação de um desses carros, por isso a FISA decidiu atuar e, em 1983, criou esta categoria, cuja base regulamentar era um peso mínimo de 700 Kg, uma capacidade máxima de 55 litros de combustível, o que perfazia um consumo de 330 litros por cada prova. Era de esperar que os pilotos privados e pequenos construtores que aderissem a esta fórmula usassem pequenos motores de 2L aspirados (tinham também que ser motores provenientes de construtores que tivessem modelos homologados em Grupo B ou Grupo A), mas a verdade é que rapidamente se viu uma enorme multiplicidade de soluções, como os pequenos turbo dos Alba, e os Austin-Rover e Cosworth que equiparam grande parte das equipas inglesas e francesas. De salientar que o Grupo C Junior/C2 tinha o seu próprio título de construtores.
De resto, apenas os Grupo C e os Grupo B estavam autorizados a participar, eliminando assim a miscelânea de modelos presentes no ano anterior. A Lancia apresentava o seu novo modelo, um Grupo C puro com motor derivado da Ferrari, o LC2 mas, embora se destacasse pela excecional velocidade em qualificação, eram raras as vezes em que os Lancia não eram atraiçoados por problemas mecânicos durante a prova.
A Ford, depois de um ano mau, optou por cancelar o investimento nos Sport-Protótipos para se dedicar, de novo, a 100% aos ralis, com o futuro RS200, enquanto a Rondeau “acertava ao lado” na concepção aerodinâmica do seu novo modelo e entrava rapidamente em decadência, abandonando temporariamente a competição (infelizmente, com a morte do fundador Jean Rondeau em 1985, a marca terminaria de imediato os seus dias) no final do ano.
Assim, o grande interesse da época foi a luta que as diversas equipas privadas que se haviam equipado com os Porsche 956 – Kremer, Joest, Fitzpatrick, Richard Lloyd, Brun e Obermaier – e a Lancia podiam dar aos Porsche oficiais. De facto, os Lancia não estiveram à altura em corrida, e a Porsche venceu as sete provas do campeonato, embora se assistisse a uma interessante réplica essencialmente por parte da Joest e da Richard Lloyd Racing. Quanto ao título de pilotos, foi uma luta exclusiva aos pilotos oficiais e, mais uma vez, era Jacky Ickx que trazia para casa a coroa de campeão, enquanto no Grupo C Junior a Alba-Giannini dominava o campeonato.
1984 foi, na verdade, mais do mesmo. A grande inovação foi o alargamento do campeonato de sete para onze provas, e o fim do efémero Campeonato Europeu de Sport, criado em 1983 e seguido as mesmas regras (e partilhando algumas provas) com o seu congénere Mundial embora, mais uma vez, nem todas as provas contassem para o título de Construtores. Quanto às marcas presentes, apenas a Porsche e a Lancia investiam na categoria principal, e de longe os homens de Zuffenhausen tinham todas as condições de levar a melhor, não só porque o novo Lancia LC2-84 apresentava ainda demasiados problemas na componente de “resistência”, como o número de Porsche 956 inscritos era esmagador.
No entanto, o domínio da equipa oficial repetiu-se, jogando-se o título entre os seus quatro pilotos – Mass, Bell, Ickx e o jovem e ultra-rápido Bellof, que no ano anterior havia conseguido o record absoluto da última versão do velho Nürburgring. Se, para muitos, a agressividade excessiva de Bellof era um enormíssimo handicap num campeonato de endurance, 1983 já havia demonstrado que o jovem alemão estava lá para ganhar e tinha talento de sobra para o conseguir, e 1984 foi a grande confirmação do piloto germânico, que venceu seis provas para bater Mass e Ickx na luta pelo título! Quanto aos Construtores, escusado será dizer que a vitória foi para a Porsche, com mais do dobro dos pontos da Lancia, enquanto o Grupo C2 continuou em crescendo, assistindo-se a uma interessantíssima luta entre os Mazda, Tiga-Ford e Alba-Giannini, mas esta última conseguiu prevalecer pelo segundo ano consecutivo. Já no que concerne às equipas, os privados tiveram grandes dificuldades em contrariar a equipa oficial, na verdade só o fazendo em duas ocasiões, mas desta vez com maior relevo porque Le Mans caiu nas mãos da Joest Racing, cujo carro foi pilotado por Ludwig/Pescarolo.
Para apimentar o campeonato, a FISA substituiu o título de Construtores por um campeonato de Equipas, o que permitiria “diferenciar” os homens da Porsche, que continuavam a ser dominantes, agora com a versão B do Porsche 956, que foi rapidamente substituída por parte da equipa de fábrica pelo Porsche 962C, mais tarde disponível para os privados.
De salientar a nova evolução do Lancia LC2, que continuou a estabelecer padrões de rapidez em qualificação e no início das corridas, mas cuja resistência continuou a dar problemas, se bem que os resultados melhoraram significativamente, não eram ainda ameaça para a Porsche, e o regresso da Jaguar, em meados da época, com o XJR-6 preparado pela TWR, depois de esta equipa ter dominado absolutamente o ETC de 1984. Desta vez, a Rothmans Porsche não mexeu nas suas duplas de pilotos ao longo da época – Bell/Stuck e Ickx/Mass correram sempre juntos – sendo de salientar a saída de Bellof para a Brun Motorsport.
Muito se disse que, invejoso do sucesso retumbante de Bellof na equipa de fábrica, Ickx terá levado á saída do jovem alemão, mas isso são outras histórias. Certo é que a equipa de fábrica voltou a dominar, no geral, o campeonato com enorme à vontade, com Bell/Stuck a baterem Ickx/Mass na luta pelo título, enquanto a Rothmans Porsche assegurava o Campeonato de Equipas. No entanto, mais uma vez Le Mans fugiu aos homens da equipa de fábrica, sendo conquistada de novo pela Joest, desta vez com a tripa Ludwig/Barilla/”John Winter”. Infelizmente, o campeonato ficaria também marcado pela tragédia, primeiro em Mosport com a morte de Manfred Winkelhock ao volante de um dos carros da Kremer, e depois pela de Stefan Bellof em Spa.
É uma história por demais conhecida que Bellof, desejoso de bater Ickx no próprio terreno, tentou fazer uma ultrapassagem impossível em Eau Rouge ao piloto belga e ambos bateram, colidindo com violência contra as barreiras no topo do Raidillon, causando morte imediata ao jovem alemão que, dizia-se, estava em negociações com a Ferrari para o Mundial de F1 de 1986.
De destacar também a vitória em Fuji do March 85G-Nissan da Hoshino Racing, já que a maioria das equipas europeias optou por boicotar a prova devido às condições dantescas. No Grupo C2, tanto a Alba-Carma FF como a Mazda ficaram, detsa vez, muito longe da luta pelas vitórias, que foi essencialmente travada pelos Spice/Tiga e pelos Ecosse, ambas equipadas com motores Cosworth, com vitória para a primeira.
1986-1988 – A Jaguar toma a liderança
1986 assistiu a mais mudanças no Campeonato, já que deixou de incluir apenas provas de 1000Km, apostando também em provas tipo “sprint” para atrair mais atenções por parte do público. Ao todo, disputaram-se três destas provas, em Monza, Norisring e Jerez de la Frontera.
Ao mesmo tempo, Ickx anunciava a retirada definitiva das competições de circuito para se dedicar em exclusivo ao Todo-Terreno. E, pela primeira vez, o domínio dos Porsche 962C e 956B foi ativamente contestado, através dos Jaguar XJR-6 com a decoração Silk Cut.
A Lancia apresentou (ainda) mais uma versão do seu LC2, mas estava claro que o modelo nunca iria ser suficientemente competitivo para a Porsche. Na verdade, um dos grandes problemas da Lancia foi a divisão de recursos constante entre o WRC – primeiro com o 037 e depois com o Delta S4 – e o WSC, sempre com predomínio para os ralis, por isso, com os Grupo B no auge e a necessidade de preparar os futuros Grupo S (infelizmente, todos sabemos como isto acabou), a marca de Turim optou por cancelar o seu envolvimento no WSC ainda na primeira metade da época, deixando a Jaguar como o único opositor suficientemente capaz de lutar com a Porsche, não só em qualificação, mas também em corrida. De salientar o regresso da Sauber, que após várias tentativas com os seus pequenos protótipos, recebia algum apoio da Mercedes e o patrocínio dos perfumes Kouros para construir um novo carro, com propulsores de Estugarda, o Sauber C8 que, se bem que denotando inúmeros problemas de juventude, não deixou de conseguir algumas performances muito interessantes, nomeadamente nos 1000 Km de Nürburgring quando, debaixo de uma chuva torrencial, Pescarolo/Thackwell deram à marca de Hinwill a sua primeira vitória no campeonato.
A época foi marcada por um equilíbrio muito maior entre as formações privadas e a equipa oficial, que só alinhou com um carro para Bell/Stuck. Ainda assim, Bell/Stuck/Holbert venceram as 24 Horas de Le Mans e os dois pilotos da equipa terminaram o campeonato empatados, mas Derek Bell foi o vencedor, já que em Norisring – a única prova em que os pilotos competiam individualmente – o inglês se superiorizou ao alemão. No título de Equipas a vitória foi para a Brun Motorsport, que foi das equipas mais consistentes ao longo do ano, e a Jaguar, se bem que apenas com uma vitória através da dupla Cheever/Warwick, deixou a sua marca e uma séria ameaça à Porsche para 1987. Já no Grupo C2, a luta entre Spice e Ecosse repetiu-se, desta vez com a intromissão dos Gebhardt da ADA, mas a Ecosse conseguiu vencer à justa.
A Porsche perdeu o patrocínio da Rothmans no final de 1986, sendo substituído pela Shell, mas a formação de Zuffenhausen estava consciente que o seu 962C, na verdade uma evolução do 956, acusava já o peso da idade, e a crise financeira que assolava a marca – é difícil imaginar uma marca como a Porsche em crise, mas aconteceu – fez com que, após Le Mans, a equipa oficial resolvesse abandonar o campeonato com efeito imediato.
Restavam ainda as numerosíssimas equipas privadas, mas o novíssimo Jaguar XJR-8 era “o adversário” necessário para alterar o paradigma do WSC. Na verdade, com uma equipa de enorme qualidade, constituída por pilotos como Raul Boesel, Jan Lammers, Andy Wallace e Eddie Cheever, a Jaguar estava na crista da onda, e dominou o campeonato, vencendo 8 das dez provas e vencendo com grande margem o Campeonato de Construtores, já que as diferentes equipas da Porsche roubaram pontos umas às outras. No entanto, nos pilotos, a dupla oficial da Porsche Bell/Stuck – que depois de Le Mans alinhou pela Joest – evidenciou uma enorme regularidade o que, aliada à vitória nas 24 Horas de Le Mans (juntamente com Holbert) permitiram-lhes disputar taco-a-taco com os “Big Cats” o título até ás últimas rondas, mas o campeão acabou mesmo por ser o brasileiro Raul Boesel. Já no Grupo C2 Spice e Ecosse lutaram pelo terceiro ano consecutivo, desta vez completamente sozinhas, e foi a formação de Gordon Spice que recuperou o título conseguido em 1985. De salientar que, pela primeira vez, o Grupo C2 contou com um Campeonato de Pilotos individual, vencido pela dupla Fermin Velez/Gordon Spice, na frente dos rivais da Ecosse, David Leslie/Ray Mallock. Quanto aos GT, o fim dos Grupo B era a machadada final na categoria, e até ao início dos anos 90 os populares carros daquela categoria cingiram-se aos nacionais e à IMSA.
1988 trouxe novo ano de domínio Jaguar, desta vez com o XJR-9, um dos mais icónicos protótipos da marca britânica. Os Porsche 962C, especialmente nas mãos da Joest e Brun, continuavam a poder lutar pela vitória ocasional, mas a grande opositora à Jaguar foi a Sauber-Mercedes.
Depois de uma época desastrosa, a parceria entre a equipa suiça e o construtor alemão voltou com toda a força, com um envolvimento muitíssimo maior da Mercedes – na verdade, foi o início do regresso da equipa de Estugarda à alta competição, depois da tragédia de Le Mans em 1955 – e a equipa entrou bem na época ao vencer em Jerez.
De destacar que, a partir de 1988, as provas de 1000 Km perderam rapidamente terreno e foram sendo substituídas no calendário por provas de sprint, tudo para agradar ao público, já que as seis horas de prova com limites de consumo podiam tornar as corridas mais enfadonhas. No entanto, apesar da vitória inicial da Sauber nos 800 Km de Jerez, a Jaguar não tardou a assegurar o seu domínio, em particular através da dupla Cheever/Brundle, vencendo finalmente Le Mans – pela primeira vez desde 1957 – através da tripla Lammers/Dumfries/Wallace.
A segunda metade da época foi marcada por um duelo muito mais acirrado entre Jaguar e Sauber-Mercedes, mas a vantagem acumulada na primeira parte da época foi mais do que suficiente para que a Jaguar conseguisse vencer, confortavelmente, o título de Construtores, e Martin Brundle assegurasse o Campeonato de Pilotos. Quanto ao Grupo C2, a retirada da Ecosse deixou o campeonato entregue à Spice, que venceu com larga margem nos Construtores e nos Pilotos, através da dupla Spice/Bellm.
Época de ouro
Os anos do Grupo C das corridas de endurance durante os anos 80 foram um bom escape para quem queria mais do que sprints de hora e meia. Design variados e grandes construtores como a Porsche, Lancia, Toyota e Jaguar ajudaram a aumentar o interesse, mas a verdade é que tal como sucede hoje em dia, os protótipos têm tido altos e baixos. Antes, recordámos a história até 1988, agora prolongá-la até aos ‘dias do fim’.
O ano de 1982 arrancou com a nova regulamentação do Grupo C, e os primeiros anos foram de quase completo domínio da Porsche. Quem não se recorda dos míticos protótipos patrocinados pela tabaqueira Rothmans. Em 1983 surgiu uma nova classe, os Grupo C Junior, futuros C2. O campeonato cresceu em 1984, a Porsche mantinha-se no topo, mas chegado o ano de 1986, houve uma mudança de paradigma, com a Jaguar a chegar à liderança, num domínio que se estendeu até 1988.
Agora, é a vez de recordar os anos seguintes, começando com o triénio de 1989-1991, que ficou marcado pelo apogeu dos Construtores.
Apesar de, em nenhum ano, ter havido uma luta acirrada pelos títulos entre marcas, se bem que 1988 foi dos melhores anos nesse aspeto, a era Grupo C tinha, definitivamente, conquistado tanto os adeptos como os Construtores, e quase que igualava em popularidade com a Fórmula 1! E, em 1989, além dos Sauber, Jaguar e Porsche, assistia-se ao regresso da Aston Martin e à chegada dos japoneses da Toyota e Nissan (a Mazda já lá andava há algum tempo, correndo sozinha na categoria GTP, e não tardaria a chegar também à categoria principal). Tudo indicava que se teria uma época extremamente disputada, mas a verdade é que o sucessor do XJR-9, o Jaguar XJR-11, se revelou um autêntico “barrete” e a única oposição (pontual) ao passeio dos Sauber C9-Mercedes foi dos velhinhos Porsche 962C, em particular a dupla da Joest Wollek/Jelinski, que conseguiram mesmo ser os únicos além dos Sauber a conquistar uma vitória, na ronda de Dijon. Se os Toyota e Aston Martin evidenciaram que as equipas ainda tinham muito que lhe dar para chegar ao topo – a passagem da Aston Martin, vencedora do WSC e de LeMans em 1959 foi, como com o projeto Nimrod em 1982/1983, deveras efémera – já a Nissan apresentou resultados extremamente positivos, especialmente graças à sua grande rapidez em qualificação. Quanto aos pilotos, o campeonato foi disputado entre os quatro pilotos da Sauber-Mercedes, com Jean-Louis Schlesser, o futuro ás do deserto, a vencer, na frente de Jochen Mass, Mauro Baldi e Kenny Acheson. Quanto ao Grupo C2, estava em queda de popularidade, já que muitas das pequenas equipas estavam a tentar “dar o salto” e outras, com os títulos atingidos e com os custos cada vez mais elevados, optavam por abandonar o campeonato. Deste modo, a luta foi entre duas equipas privadas, ambas usando modelos Spice-Ford, a Chamberlain e a Mako, com o título a ir à justa para a primeira graças aos pontos amealhados na primeira fase da época, vencendo também a nível de pilotos com Fermin Velez e Nick Adams.
Infelizmente, quando tudo parecia que a fórmula desse certo, ã FISA decidiu mexer nos regulamentos, tal como aconteceu com o ETC em 1987… Muito se disse que havia ali “mãozinha” de Bernie Ecclestone, que não podia permitir que o WSC ameaçasse a “sua” Fórmula 1, e começou a delinear-se uma nova fórmula, que tinha como objetivo a utilização de motores atmosféricos de 3.5 litros, ou seja, motores com a mesma capacidade da Fórmula 1, o que, em teoria, iria atrair mais construtores. Esta categoria iria, em teoria, substituir o Grupo C2, abolido no final de 1989. Para 1990, uma das mudanças que teve efeito imediato foi o fim das restrições ao uso de combustível, considerados redundantes agora que o WSC se disputava integralmente em provas de 480 Km, a fim de conquistar ainda mais público.
A “corrida ao armamento” para os novos motores acabou por eliminar gradualmente os antigos concorrentes do Grupo C2, e isso foi já bem visível em 1990, porque os novos motores eram muito mais caros, restando assim concorrer ao Ford Cosworth DFR que não era o modelo mais fiável para provas de resistência. A luta pelo título em 1990 seria, de novo, dominada pela Mercedes, que assumia finalmente o título de construtor, embora fosse a Sauber a continuar a gerir as operações. O novo Mercedes C11 foi, de longe, o melhor carro, já que o XJR-11 continuou a não corresponder às expectativas, vencendo apenas uma prova. Os Nissan demonstravam cada vez mais consistência, mas, embora fossem muito rápidos, não aliavam ainda a fiabilidade à velocidade de ponta brutal, enquanto a Toyota e Mazda estavam ainda anum processo de evolução mais lento. Quanto aos veneráveis Porsche 962C, continuavam a ser uma arma consistente e segura para andar pelos pontos, mas já não davam para lutar pelas vitórias.
Assim, a Mercedes venceu com grande vantagem o Mundial de Construtores, enquanto o duo Schlesser/Baldi partilhou a vitória nos Pilotos. No entanto, as 24 Horas de Le Mans ficavam de fora do campeonato – uma medida recorrente quando as mudanças regulamentares ameaçavam mexer na qualidade da corrida – mantendo o regulamento antigo mas, pela primeira vez, introduzindo as chicanes em Hunaudières, já que os carros atingiam regularmente os 400 Km/h em Mulsanne, uma velocidade que se tornava cada vez mais alta, cujo record ficaria para sempre nos 407 Km/h, obtido em qualificação em 1988 pelo WM-Peugeot pilotado por Roger Dorchy. A Mercedes optou por não se inscrever, e a Jaguar aproveitou para usar uma versão do XJR-11 equipada com os antigos motores V12, o XJR-12, e rapidamente a marca britânica assumiu o domínio da prova, à medida que os Porsche perdiam (naturalmente) tempo e os Nissan e Toyota eram afetados por problemas de fiabilidade. A equipa conseguiria, assim, uma dobradinha, com a tripla Nielsen/Cobb/Brundle a vencer, na frente de Lammers/Wallace/Konrad.
As novas regras entraram em vigor a tempo inteiro na temporada de 1991, e não podia deixar de se falar num sucesso a nível do número de construtores – além da Mercedes e Jaguar, e dos velhinhos Porsche, a Peugeot fazia a sua aparição como Construtor pela primeira vez no WSC (marca de Sochaux já tinha fornecido motores a pequenas equipas, destacando-se a parceria com a WR durante a década de 80), mantinham-se Nissan, Toyota e Mazda (as duas primeiras maioritariamente focadas em Le Mans e no campeonato japonês, cujos regulamentos eram iguais ao WSC), e a Spice-Cosworth, inscrita pela Euro Racing, também continuava presente, assim como os Cougar-Porsche de Yves Courage. Mas, aproveitando a paridade de motores com a F1, tanto a Brun como Franz Konrad construíam os seus próprios chassis, com motores Judd e Lamborghini, respetivamente, embora ambos os carros fossem um falhanço. Pode parecer irónico, mas a nível de luta pelos dois títulos entre marcas, 1991 foi um dos anos mais animados, com Peugeot e Jaguar a dividir a maioria das vitórias, ocasionalmente com a intromissão dos Mercedes C11 e C291 (na verdade, este último modelo não foi particularmente bem-sucedido, o que impediu a marca de Estugarda de lutar ativamente pela revalidação do título). No entanto, o XJR-14 era, claramente, o melhor dos três e a Jaguar reconquistou o título de Marcas, vencendo três das oito provas, na frente da Peugeot (que também conquistou três vitórias), Mercedes e Mazda, com uma vitória cada uma. Aliás, a vitória da Mazda em Le Mans foi a única vitória até hoje de um construtor japonês, pese os investimentos muito maiores da Toyota e da Nissan!! Quanto aos pilotos, a luta foi bastante acirrada entre os Jaguar e os Peugeot mas, tal como nos Construtores, a Jaguar prevaleceu, com Teo Fabi a bater o seu colega de equipa Derek Warwick e a dupla da Peugeot Baldi/Dalmas. De salientar a presença de três jovens promessas alemãs, inscritas no programa de talentos da Mercedes, e que viriam a dar que falar na F1 e nos GT’s nos anos subsequentes – Karl Wendlinger, Heinz-Harald Frentzen, e um tal de Michael Schumacher. Merece, no entanto, particular destaque mencionar a edição de 1991 das 24 Horas de LeMans.
A ACO aceitou voltar ao campeonato, mas quando se foi a ver, o número mínimo de inscritos estava muito aquém do necessário, fruto da “destruição regulamentar” das equipas privadas. Deste modo, a FISA teve de ceder e aceitar a presença dos velhos Grupo C1 e C2 na prova, embora reservando os dez primeiros lugares na grelha para os 3.5 L. Sucede que tanto Mercedes como Jaguar perceberam que os novos carros não eram competitivos e apostaram nos modelos anteriores – precisamente o C11 e o XJR-12 – enquanto a Mazda, com os seus espetaculares Mazda 787B de motor Wankel rotativo, tinha um carro que nunca se havia revelado particularmente fiável ao longo do campeonato, mas fruto do seu motor e de estar inscrito na velha classe C2, conseguia aproveitar uma lacuna no regulamento que lhes permitia correr com um peso mínimo de 830 Kg, em vez dos 1000 Kg exigidos aos restantes. Deste modo, surpreendentemente, a Mazda conseguiu aliar regularidade e resistência à velocidade e surpreendeu tudo e todos, vencendo Le Mans com a tripla Gachot/Herbert/Weidler, na frente de três Jaguar XJR-12!
1992 – Os dias do fim
No final daquela que seria a sua época mais equilibrada, o WSC estava à beira do fim, pro falta de um número suficiente de inscritos. A classe C2 foi abolida de vez, por isso apenas seriam permitidos motores atmosféricos de 3.5L, divididos em duas categorias – uma para os Construtores e outra para equipas privadas, que alinhassem com motores Cosworth DFR. Deste modo, Mazda e Porsche tinham que desenhar carros inteiramente novos e, por parte da Porsche, ainda a recuperar da crise financeira, o projeto baseado no motor 2512 V12 não foi avante, principalmente depois da desastrosa utilização deste motor nos Footwork/Arrows na Fórmula 1!!! Quanto à Mazda, que se dedicava desde o início da década de 80 ao WSC para publicitar os seus motores rotativos, perdia o benefício do seu uso, mas optava por continuar a competir – para se manter na competição, comprava os chassis Jaguar XJR-14, adaptava-os e aplicava um motor Judd, desta forma poupando muito dinheiro no processo, embora o carro nunca se tornasse suficiente competitivo para lutar com os melhores. Mas, além da Porsche, abundavam as saídas. A Nissan nunca se dedicara suficientemente à fórmula 3.5L e deixava de vez a competição. A Mercedes contava com o C291 e planeava uma evolução – o C292 – mas sucessivos problemas na construção do novo motor, aliado aos custos cada vez mais significativos e ao interesse crescente em entrar na F1 com a Sauber, optava por deixar o campeonato, enquanto a Jaguar, mesmo tendo sido campeã, estava desiludida com o rumo do campeonato e a TWR optava por partir para outras aventuras, deixando definitivamente o WSC. Quanto às restantes pequenas equipas, o fim dos Porsche 962C deixava-as de fora. A Brun, cujo modelo com motor Judd fora um fiasco, abandonava a competição, assim como a Konrad, depois da aventura falhada com a Lamborghini.
A Courage não tinha dinheiro para avançar com os seus Cougar, e concentrava-se apenas em Le Mans, enquanto a Euro Racing ainda se sustentava, ao trocar os velhinhos Spice pelo Lola T92/10, com motores Judd, enquanto a Chamberlain continuava a representar a Spice como equipa de fábrica, embora o carro estivesse extremamente ultrapassado. Deste modo, restavam como Construtores apenas a Peugeot e a Toyota, e foi muito por insistência da marca francesa, que tinha construído um carro em 1991 e queria pelo menos mais um ano de vida para o seu 905 que muito insistiu na manutenção do campeonato. O calendário apresentado teria dez provas, de 500 Km, 1000 Km e as 24h de Le Mans, mas a crise levou a FISA a reduzir o calendário para seis provas, mantendo-se Le Mans, que aceitava manter alguns dos carros anteriores para não ficar totalmente desfalcada de pilotos. Na verdade, a temporada de 1992 meteu dó, com grelhas a rondar os dez/doze carros e um domínio quase total da Peugeot, seguido da Toyota (que venceu apenas uma prova) e das restantes. Entre os privados, o dinamismo era quase nulo, por isso o campeonato estava condenado a uma morte certa no final de 1992, a não ser que acontecesse um milagre. Como seria de esperar, a Toyota ainda não estava ao nível dos Peugeot e a marca de Sochaux venceu com boa margem o Mundial de Construtores, e a dupla Dalmas/Warwick o título de Pilotos, na frente dos seus colegas de equipa Alliot/Baldi. Quanto a Le Mans, a vitória coube à tripla Dalmas/Warwick/Blundell.
O tão esperado milagre não ocorreu. Os privados não tinham dinheiro nem grande interesse na nova fórmula, o regresso da BRM às competições com o modelo P351 foi um falhanço, mas falava-se num regresso da Nissan. No entanto, os custos do projeto levaram o construtor nipónico a abandonar a ideia e, sem um número de inscritos minimamente aceitável – nunca ninguém apareceu com Jaguar privados, e o projeto Konrad-Lamborghini era definitivamente “encostado à box”, não fazia sentido continuar com um campeonato moribundo, e no final da época foi anunciado o seu fim.
Tal como com o ETC, as mudanças regulamentares e a falta de controlo de custos levou ao fim de dois campeonatos míticos, deixando a primazia na Fórmula 1. Os anos 90 foram anos de predominância dos monolugares, já que o campeonato IMSA entrou em decadência, só revivendo com a ALMS em 1999, os Sport-Protótipos ficaram confinados a LeMans (que manteve até 1994 as regras do Grupo C, com algumas modificações, no ativo), o Campeonato Japonês de Sport-Protótipos extinguiu-se em 1992.
O futuro da resistência ficaria nos GT, primeiro com o campeonato BPR e depois com os FIA-GT, enquanto se tentaram reviver campeonatos de Protótipos com o ISRS, posteriormente SWRC, mas estes nunca tiveram grande expressão. Só com a estabilização das regras através do ACO, que apoiou também os campeonatos ALMS e ELMS é que um campeonato completo com Protótipos e GT começou a florescer, vendo a luz em 2010 a International Le Mans Cup, que deu origem ao WEC em 2012. Agora vem aí nova e prometedora era…
Guilherme Ribeiro
Fotos arquivo AutoSport