Steve Soper: “Não acho que a tecnologia retire o mérito dos pilotos”

Antigamente é que era! Uma expressão usada em vários contextos e no motorsport não é excessão. Muitos olham para o passado como a época de ouro do desporto, em que os grandes talentos se impunham e as máquinas eram apenas uma extensão do seu talento, ao contrário dos dias de hoje, em que as máquinas “facilitam” todo o trabalho. Será mesmo assim? Steve Soper diz que não.
O mundo das corridas é de evolução constante. A cada ano as máquinas vão ficando melhor, mais apuradas, mais capazes. A velocidade é tal que as ajudas à condução deixam de ser apenas ajudas… são ferramentas que previnem acidentes. Sim, os controlos de tração e os ABS não existiam no passado e os pilotos conseguiam correr. Mas a velocidade era a mesma?
O caso da F1 é o mais sintomático. A tecnologia parece ter tornado os pilotos num acessório dispensável. Mas depois vem a conversa de quem é o melhor piloto. Então é o piloto ou a máquina que faz a diferença? Ou os que dizem que os tempos passados eram melhores, recusam-se a ver que há mais semelhanças do que diferenças. O que mudou radicalmente foram os carros. Mais rápidos, mais seguros, talvez menos espetaculares, por serem tão eficientes.
Found this old one. JJ Lehto and I in 97 having won at Spa with #BMW #Schnitzer #FIAGt #McLarenF1GTR @BMWMotorsport pic.twitter.com/6rWxR0T5In
— Steve Soper (@SoperSteve) October 15, 2015
Steve Soper, um dos grandes nomes dos anos 80 e 90, considera que essa conversa não faz sentido. Que as corridas eram boas, continuam boas, que a tecnologia é um grande ponto de interesse:
“Eu gosto da evolução porque gosto da tecnologia. Às vezes perguntam-me ‘qual era o melhor, o M3 ou o E36’. Mas a cada ano os carros evoluem e cada nova evolução é melhor. Gosto muito do lado técnico, dos dados e um amigo meu tem um M3 e temos usado telemetria em testes para melhorar o carro. E esses dados ajudam muito mais do que eu dizer ‘não me parece que tenhas estado bem nesta curva’.
Não tenho qualquer problema com a evolução e a tecnologia, mesmo na F1, estou mortinho por chegar a casa e ver a corrida de mais logo. Mas muitas pessoas não gostam.
Se formos para uma competição completamente elétrica, aí não tenho tanta certeza, apesar de a Fórmula E ser excelente. As corridas, o nível dos pilotos e das provas é fantástico. Mas o som não é apelativo. Ainda tenho algum contacto com a BMW e eles dizem que foram obrigados a fazer isto pelo governo. Se pudessem gastar o dinheiro no desenvolvimento de motores térmicos em vez das baterias, teríamos motores muito mais eficientes. Creio que as corridas, no geral, são boas, no próximo ano serão boas, daqui por dez anos… não sei”.
At Monza today celebrating 100 years of BMW! #BMW #Monza pic.twitter.com/dGGxDgVOHM
— Steve Soper (@SoperSteve) September 25, 2016
“Não acho que a tecnologia retire o mérito dos pilotos”
Quanto ao mérito dos pilotos atuais, Soper não tem dúvidas que os carros novos exigem muito dos pilotos, pela velocidade a que tudo acontece:
“Não acho que a tecnologia retire o mérito dos pilotos. Pilotei um destes (GT4) há alguns anos e são muito rápidos. Tudo bem que têm ABS e controlo de tração, mas não têm pneus aquecidos. E, por exemplo, travar onde é suposto para aproveitar toda a capacidade do carro exige muito do piloto. Mais ainda, pilotar estes carros ajuda a evoluir os pilotos. Por exemplo, o Luís [Pedro Liberal] tornou-se muito melhor piloto nos carros históricos desde que começou a pilotar os GT4. Nos históricos, tudo acontece de forma mais lenta, por isso ele consegue controlar melhor tudo o que acontece”.
Been practicing all week for @BRDCSilverstone #RACE4NHS at Monza, sometimes until 1am- but guess what!? I’m still 3 seconds off the pace😤😂. We are getting close to our 10k goal, don’t forget to donate and tune in tonight at 7pm 🏁 pic.twitter.com/XUpYGZn0Uh
— Steve Soper (@SoperSteve) May 21, 2020
1997 – vencer Macau sem testes, graças à experiência numa categoria mais rápida
Soper não diz isso apenas para defender os pilotos da atualidade. Ele próprio sentiu isso em 1997 quando foi a Macau para correr num carro menos evoluído do que estava a usar durante a época:
“Em 1996 mudei-me para os sportscars e tive dificuldades em adaptar-me. Felizmente tinha um colega de equipa chamado JJ Letho, que me ajudou muito e com uns dias de testes e análise de telemetria encontrei a minha velocidade num carro com apoio aerodinâmico e travões de carbono. Durante 15 meses pilotei apenas o McLaren [F1 GTR], mas no final de 1997, a BMW ligou-me com um convite de Macau para fazer a corrida.
Eu gosto muito de Macau, mas já não pilotava um Carro de Turismo há mais de um ano. Perguntei qual seria a equipa e responderam-me ‘Bigazzi’ e quando perguntei quem seria o meu colega de equipa disseram-me ‘Winkelhock’ [Joachim Winkelhock]. E ele era muito rápido em Macau. F***-se! Ok, mas tenho de ir, é um excelente fim de semana e recebo mais algum dinheiro.
Era o BMW 320i do Johnny Cecotto, por isso era um bom carro. Nesse ano, o ‘Jo’ [Joachim Winkelhock], por quem tenho o maior dos respeitos, ficou sempre atrás de mim em todas as sessões. Ele ficava a olhar para a telemetria e não conseguia entender como é que conseguia ganhar quatro décimas na curva Mandarim. E consegui fazê-lo porque o McLaren ensinou-me a ser mais suave e como tudo acontecia um pouco mais devagar, conseguia gerir tudo muito melhor. Claro que continuava a exigir muito foco, mas em vez de exigir 10/10 de concentração, podia fazer com 8/10 de concentração”.
Steve Soper mostrou de forma simples que os novos carros não exigem menos do que os antigos. Exigem coisas diferentes, e como são tão rápidos fazem com que os pilotos sejam melhores para lidar com a velocidade a que tudo acontece. O talento tem de estar lá. Essa é uma condição inegociável para ter sucesso e chegar longe. Os carros continuam a ser apenas a extensão do talento dos pilotos. Apenas ajudam mais porque sem isso, seria quase impossível lidar com as velocidades da atualidade.
Fala quem sabe. Infelizmente o que não falta são Samurais do teclado que zurzem com os comentários que antigamente (que era precisamente na altura em que eles assistiam aos eventos…que coincidência) é que era bom. Confundimos nostalgia (que eu tambem tenho) com a necessidade de deitar o que é novo a baixo para enfatizarmos aquela que foi a “nossa realidade”