Revolução eléctrica à vista para os GT
Apesar de ter sido muito pouco abordado na esfera pública, há um novo conceito de corridas de GT que está a ganhar forma e que poderá mudar a fisionomia da categoria num futuro não muito distante. Chama-se E-GT e, como o nome indica, é a porta de entrada da electrificação na disciplina.
Antes do SARS-COV-2, da COVID-19, da pandemia mundial e da crise económica que se monta monopolizarem a atenção da comunicação social, os temas em voga eram as alterações climáticas, o aquecimento global e a pegada carbónica. Perante uma sociedade que se quer forçosamente mais verde e “amiga do ambiente”, o automobilismo, refém das tendências, tem se adaptado rapidamente para não correr o risco de se tornar mal visto na sociedade.
O Campeonato FIA de Fórmula E, que passará a partir da próxima temporada a ser o primeiro Campeonato do Mundo FIA que se disputará exclusivamente com carros eléctricos, deu o mote da electrificação em curso no nosso desporto. No campo da velocidade, a Jaguar lançou o primeiro troféu monomarca internacional, com o I-Pace eTrophy, enquanto o WSC Group de Marcello Lotti prepara-se para materializar este ano o seu novo conceito eTCR. Com os construtores a dedicarem uma fatia cada vez maior dos seus orçamentos à electrificação, as corridas de GT também não querem, nem podem, ficar para trás.
A Federação Internacional do Automóvel (FIA) e as marcas têm estado a trabalhar, longe dos holofotes, na promoção de uma nova categoria de GT (E-GT) que será para viaturas híbridas ou totalmente eléctricas. As regulamentações finais, que terão já sido apalavradas em sede do Conselho Mundial da FIA, apesar de pouco ou nada ter transpirado cá para fora. No entanto, em linhas gerais, a futura categoria E-GT, nesta primeira fase, será muito possivelmente destinada a equipas de fábrica, com corridas curtas, eventos em separado e carros muito semelhantes aos actuais GT3, com a excepção da motorização.
Esta iniciativa ganhou um novo impulso assim que a Volkswagen anunciou, no final do ano passado, que a partir deste ano as suas actividades oficiais no automobilismo serão todas no campo das motorizações eléctricas, abandonando abruptamente os projectos desportivos que tinha com viaturas de motores a combustão. Esta decisão, que poderá ser seguida por outros construtores a curto e médio prazo, terá motivado a FIA e os agentes envolvidos nas corridas de GT a pegarem neste conceito com mais fulgor, para não correrem o risco de serem ultrapassados.
O primeiro rascunho da futura E-GT dita um carro com performances em pista cerca de um segundo por volta mais lentos que os actuais GT3, com uma velocidade de ponta inferior em recta de 10km/h. Com um máximo de dois MGU instalados, capazes de produzir cerca de 70kW, estes carros de corrida terão um peso aproximado de 1300kg. As corridas, com um formato convencional, estão pensadas para ter nesta fase inicial uma duração de 20 minutos, evitando assim um conflito de interesses com as corridas de GT3, tradicionalmente de “endurance” ou de “sprint” superior a 50 minutos.
Carros de Grande Turismo eléctricos não é uma coisa nova. Marcas como a McLaren, Ferrari, Porsche ou Lotus tentaram lançar para o mercado viaturas desta natureza, mas os resultados foram modestos porque tem sido prematuro adoptar a tecnologia que temos actualmente ao dispor aos já pesados carros de GT. Contudo, esta é uma filosofia que apela às necessidades das marcas, a algumas pelo menos.
Na sua caminhada para providenciar “mobilidade premium com uma pegada carbónica neutra”, a Audi acabou de dizer adeus ao DTM. Audi espera que 40% das suas vendas em 2025 sejam carros eléctricos ou híbridos “plug-in”, por isso não é com surpresa que a marca de Ingolstadt esteja atenta ao que está a ser feito nesta área. “Eu vejo a ideia do E-GT como importante e um campo interessante para o futuro do automobilismo”, afirmou Chris Reinke, o chefe da Audi Sport customer racing, ao AutoSport. “Embora, devido ao nível tecnológico e custos associados, espero que as participações iniciais irão ter lugar via programas de fábrica, comparáveis à actual categoria GTE. No entanto, a médio termo poderá tornar-se igualmente interessante para a competição cliente.”
Certamente com os olhos postos neste conceito estará a Maserati, que devido à pandemia da COVID-19, adiou para Setembro a apresentação do modelo super desportivo MC20 que marcará o regresso oficial às pistas da marca do Tridente. Em que moldes será feito este regresso do construtor do Grupo FCA está guardado no segredo dos Deuses, mas a Maserati está a apostar forte na eletrificação da sua gama de modelos e já em 2021 deverão chegar ao mercado as próximas gerações do GranTurismo e GranCabrio, as quais serão também as primeiras, no seio da marca, a surgir com motorização 100% elétrica. Na teoria, o sucessor do glorioso MC12 encaixa perfeitamente nesta nova classe E-GT.
Igualmente a seguir com curiosidade os progressos que estão a ser feito em sede do Conselho Mundial estão os homens de Affalterbach. A partir de 2021, todos os Mercedes-AMG terão de sair de fábrica electrificados de uma forma ou de outra. Stefan Wendl, o responsável pelo departamento da competição cliente da Mercedes-AMG, reconhece o interesse da marca neste novo conceito. “Claro que estamos interessados em qualquer ideia para futuros programas de corridas. Uma categoria de GT electrificada é também interessante para nós”, disse Wendl, que coordena os programas desportivos nas categorias de GT, ao AutoSport, que deixou também claro que ainda não tem toda a informação de que necessita. “Nesta altura não há decisões tomadas do nosso lado. Estamos a aguardar que cheguem os detalhes técnicos.”
Contudo, nem todos os construtores envolvidos na classe GT3 ofereceram a mesma recepção calorosa. Construtores como a Honda dão as boas vindas à ideia de carros de GT híbridos para corridas de construtores, mas são contra a produção em larga escala, devido aos elevados custos a curto prazo. O modelo NSX vem de fábrica com uma unidade híbrida para a estrada, que depois é removida para as corridas.
Já a BMW, pela voz do Director da BMW Motorsport, Jens Marquardt, tem uma posição surpreendentemente negacionista quanto ao tema. “Claro, que nós temos estado e iremos sempre observar os desenvolvimentos das plataformas existentes e com potencial futuro, assim como campeonatos de automobilismo. A BMW Motorsport faz também parte de vários painéis e comités de automobilismo, em estreita troca de informação com os organismos autorizados, como a FIA. Mas de momento, estamos muito bem posicionados nos nossos compromissos no Campeonato FIA de Fórmula E, DTM e corridas GT, assim como no ‘sim racing’”, esclareceu Marquardt ao AutoSport, para depois referir que “um compromisso com uma categoria electrificada de GT não faz parte dos nossos planos para um futuro próximo.”
Não há uma data prevista que seja do conhecimento público para o lançamento oficial da E-GT, talvez 2025, mas o relógio não pára e a pressão sobre os construtores voltará assim que a pandemia nos deixar. E provavelmente será muito maior que foi até aqui.