Porque o declínio da classe GTE pode prejudicar a saudável GT3…

Por a 23 Dezembro 2020 09:23

A classe GTE das corridas de resistência – GT Le Mans nos Estados Unidos da América – vive um momento enorme de incerteza e se cair, por efeito dominó, pode prejudicar a agora sadia classe FIA GT3.

Confinada a cinco construtores apenas, sendo que dois, a Chevrolet e a BMW, têm apenas presença no outro lado de Atlântico e não comercializam as suas viaturas, a classe GTE/GTLM tem a sua sobrevivência a nível oficial tremida. Com a retirada oficial da Porsche do IMSA Sportscar Championship, a categoria está reduzida a quatro carros de fábrica nos Estados Unidos da América e no Campeonato do Mundo FIA de Endurance (WEC), na categoria principal destinada às equipas de fábrica, a GTE-Pro, os seis carros vistos na temporada 2019/2020 não estão garantidos para 2021, principalmente devido ao futuro nublado que tem o esforço de combate da Aston Martin.

Apesar das três marcas que dispõem de carros clientes não terem motivos para se queixarem das vendas, como demonstram os números de viaturas da categoria GTE-Am do FIA WEC e do European Le Mans Series, há dúvidas se esta faz sentido após a debandada dos construtores e a ameaça que representa o topo da pirâmide dos protótipos na forma da classe LMDh, com orçamentos altamente competitivos. “Todos os que seguem o desporto de perto sabem quão alto é o nível da classe GTE/GTLM. É tão alto como a DPi ou LMP, mas não estás a correr pela vitória à geral, não é bem a mesma coisa”, diz Laurens Vanthoor, um dos pilotos dispensados pela Porsche nos EUA.

A razão mais óbvia para o declínio da classe GTE é o seu elevado custo. Com vinte milhões de euros por temporada, as marcas poderão investir em construir carros que lhes oferecerem triunfos à geral. Segundo as contas do ACO, os LMDh deverão custar cerca de 1 milhão de euros, excluindo o motor. Os actuais DPi da Acura, Cadillac e Mazda custarão hoje entre 700 e 750 mil euros, quando a versão anterior do Porsche 911 RSR custava a módica quantia de 991 mil euros (sem IVA).

Com um novo ciclo de homologações previsto para 2022, as dúvidas adensam-se sobre o futuro da categoria. Com a evolução que os actuais GT3 têm sofrido nos últimos anos, bem para lá do limite da sua essência mais básica, provavelmente hoje os GTE deixaram de fazer sentido. Quem quiser fazer as contas chegará à conclusão que o delta dos custos entre a categoria GTE e os das GT3 e GT4 é enorme.

Para Stéphane Ratel, esta variação deve-se ao facto da FIA e o ACO terem aberto as portas quem não pertenciam ao universo das corridas de GT. “Para bateres o Ford GT, que era de facto um protótipo, com um Porsche ou um Corvette, tens de mudar o conceito do veículo. Para isso constróis um 911 ou um Corvette de motor central para bater este Ford. Isto custa dinheiro. Do outro lado da balança, um BMW M8, que não encaixa no conceito da ideia da classe GTE, foi homologado. E depois os custos sobem em flecha porque os construtores não participam no automobilismo para perder. É sempre a mesma história”. A verdade é que a Ford tentou por várias vezes homologar o GT na classe GT3 e debateu-se sempre com a forte oposição da SRO.

Se a classe GTE sumir do mapa, pois não houve categoria alguma das corridas de GT que tenha permanecido intacta nos últimos vinte e cinco anos, a IMSA e o FIA WEC terão deencontrar uma alternativa e aquela que aparece mais à mão é a classe GT3. O DTM seguiu exactamente o mesmo caminho. “Se tal acontecer, ficarei honrado porque todos mudaram para a minha classe GT3. O problema é menos a categoria, mas sim o formato e o conceito”, reconhece Ratel, que, no entanto, deixa um forte aviso à navegação: “Por agora, estive sempre em posição de proteger a classe GT3 com o meu poder no mercado, evitando por exemplo que alguns carros ultrapassassem os limites das corridas que eu organizo. Se agora aparecer um campeonato, que é historicamente concentrado nos construtores, que adapte a categoria GT3 para os seus propósitos, a classe estará morta em três anos, no mínimo. Estou 100% certo disso, porque eles não mais terão força de proteger a classe”.

Por outro lado, os custos da classe GT3 estão em alta e o novo ciclo de homologações poderá ainda mais acentuar essa tendência. Piorará, se existir pressão, fruto das necessidades, das grandes marcas. “Se os construtores não quiserem saber do volume de vendas num ciclo de homologação, os carros vão ficar demasiado caros para os privados, pois os construtores irão usar as liberdades técnicas e os carros vão aproximar-se dos protótipos”, admite Ratel. “E se um começa a fazer isso, os outros vão atrás ou então desistem”.

Não é por acaso que a SRO Motorsports tem andado à vista de todos a elaborar um “plano B”, apesar de o estar a fazer a um ritmo muito mais lento do que esperava, para a eventualidade de a tradição se manter e as altas instâncias do desporto motorizado consigam desconstruir todo o trabalho feito até aqui. Chama-se GT2 e será certamente assunto para uma outra oportunidade. 

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