Eduardo Freitas: O ‘Big Brother’ do ELMS

Por a 17 Outubro 2014 10:38

Como é que um Diretor de Corrida prepara as corridas do WEC e da ELMS? Há diferenças de preparação entre as duas ou mesmo no seu ‘modus operandis’?

Obviamente que há algumas diferenças: uma é campeonato do Mundo outro é Campeoanto Europeu, portanto até mesmo o nível de responsabilidade é diferente. Contudo, a grande preparação que é feita é relacionada com a análise da segurança e de como estão as coisas e batalhas nos vários campeonatos. Perceber as performances, perceber que circuito se adapta mais ao carro A ou carro B, tentar ver os apontamentos dos anos anteriores em relação ao circuito para saber os problemas que tive. Enfim há toda uma panóplia coisas que têm que ser vistas antes da prova pois o pior que pode acontecer é ser apanhado de surpresa. Quanto melhor se preparar a prova, mais fluida ela decorrerá.

Que tipo de pormenores são importantes ter em conta antes de uma corrida?

A largura de pista é um fator a ter em atenção no Estoril, que tem zonas um pouco mais estreitas que o normal. Na categoria de monomarca como os carros têm todos um performance semelhante não é um problema complexo, mas no caso do ELMS temos três corridas em pista ao mesmo tempo com três níveis de performance bastante diferentes e é um fator a ter em linha de conta porque os LMP2 em todas as voltas ultrapassam carros. Ultrapassam no princípio, no fim, no meio das curvas, no meio das retas, travagem, em todo o lado, inclusive as características do traçado, do circuito, obrigam a ter alguns cuidados em algumas zonas.

Um diretor de corrida há de ter ’1001 coisas’ para fazer que, com certeza, passam ao lado dos espectadores. Que aspetos estão debaixo da sua alçada no desenrolar de uma corrida?

O truque é trabalhar de uma maneira perfeitamente imparcial (tanto a nível de pilotos, carros ou equipas). A primeira prioridade é a segurança dos pilotos e isso é superior a tudo. A segunda prioridade é a parte desportiva e o cumprimento do regulamento. Depois vamos lidando com as coisas à medida que elas acontecem. Portanto, normalmente a primeira hora da corrida traz-nos problemas no momento da partida, que é um momento sempre de alta tensão, depois temos a parte dos primeiros pit stops que podem ou não trazer infrações regulamentares. E depois temos que ter atenção aos pilotos , ois nem todas as equipas ‘jogam’ com os seus melhores pilotos na mesma altura, o que significa que o mesmo carro pode não ter a mesma performance no primeiro stint e no segundo, por exemplo. Quanto mais informação tiver, mais fácil se torna fazer os cálculos e toda a gestão global do evento.

Como é que funciona a sua ligação com o Yannick Dalmas, o seu Driver Adviser no ELMS?

O Yannick Dalmas é um piloto bastante experimentado em carros deste tipo e conhece bem a realidade do que é guiar um protótipo no meio de GTs pois já ganhou quatro vezes Le Mans. Ele dá-me o input de como é que um piloto vê a situação, quando é que o piloto se apercebe que o outro está a ultrapassá-lo ou não ou até que ponto é que o piloto se apercebe que pode estar a cair numa armadilha, ou pode estar a criar uma armadilha para o seu mais direto adversário. No fundo, acaba por funcionar um pouco como consciência, servindo muito como fator de desempate na hora da tomada de decisão. Às vezes vou com ele para a pista para perceber as condições da pista e perceber, in loco, curva a curva, travagem a travagem, o que é que se pode passar ali, sobretudo, com chuva. Ao início ele erame uma ‘peça’ renitente, mas hoje reconheço que faz parte integrante do meu trabalho.

Desde que sai de Lisboa, qual é, tipicamente, um fim de semana seu de corridas no WEC ou ELMS. Quantas horas passa na pista, etc…

Uso muito as viagens de avião para trabalhar. Seleciono apontamentos para preparar briefings, estudar, trabalhar e aperfeiçoar regulamentos com a consciência de que eles são muito dinâmicos e que até hoje nunca ninguém criou um regulamento perfeito.

Portanto, um trabalho que também envolve método…

… Não é metódico. Já está enraizado e a experiência diz-me que os circuitos onde eu, por estar muito à vontade, não faço a devida preparação, normalmente não correm bem. Descobri isso ao fim de quatro anos, percebendo que nunca se devem tomar as coisas por garantidas. Cada circuito acaba por ter que ser visto um pouco como se se tratasse de uma nova prova.

Foi uma das pessoas que mais trabalhou para a prova da ELMS das 4 Horas do Estoril vir para Portugal. Quais foram as principais dificuldades para que esse desígnio se concretizasse?

Tem sido uma experiência nova mas quem está a fazer a prova efetivamente é a ACDME. Da minha parte, nunca me tinha envolvido desta forma porque havia sempre quem o fizesse. Estou a descobrir pormenores de organização curiosos e que têm que ser tratados, alguns deles caricatos para mim, como por exemplo quem é que trata das casas de banho durante o fim de semana da prova, como é que se faz a emissão de bilhetes, coisas desse género. É um trabalho giro que vamos ver se compensa, sendo que isso estará na mão do público. Penso que o que a ACDME poderia fazer com os meios que tem, já fez e fez mais do que o que normalmente é feito em Portugal. Por piada, costumo dizer, que depois de tudo o que está a ser feito, não resultar, só resultará se num orçamento de 350 mil euros for para à porta das bancadas a dar dez euros a quem por lá passe!

Quais as maiores credenciais da prova portuguesa?

O Circuito do Estoril é tecnicamente exigente, tanto para as equipas como para os pilotos pois não é um circuito de apenas velocidade de ponta, pois exige uma afinação de setup com compromissos. Mas Portugal é um país onde toda a gente com quem eu trabalho gosta de vir e sente nostalgia por não vir. E as coisas estão a ser feitas de modo a oferecer uma série de coisas e iniciativas pouco vulgares. Já tive várias incursões na Malásia e conheço o circuito entre o aeroporto e o hotel! Na maior parte dos circuitos é um bocado ir do ponto A ao ponto B, concentração no ponto B e é onde vais trabalhar. Mas não no Estoril. Só para dar um exemplo, estamos a organizar iniciativas para a própria imprensa na sexta feira com as câmaras municipais envolvidas a levarem a imprensa a conhecer os concelhos e isto, por exemplo, tanto quanto sei, nunca foi feito em lado nenhum.

Poderá servir de exemplo para o futuro se correr bem?

Se quem vier ao Estoril tiver uma boa experiência, ficar bem instalada, comer bem e, no fundo, for bem tratada e bem recebida, vai fazer pressão para voltar. Não concebo que um autódromo com a história do do Estoril, aos poucos, tenha cada vez menos provas. Tem que se inverter a situação. Isto é um polo de desenvolvimento económico para o concelho de Cascais e tem que ser mais divulgado, para fazer aquilo que é a sua função, seja a nível técnico, seja a nível de corridas. Não são as corridas que trazem dinheiro ao Estoril, são os testes que essas corridas ‘provocam’. Portanto, tudo isto depois tem efeito a longo prazo.

Voltando um pouco atrás, pode dar uma ideia, sumária, de como foi o seu percurso na FIA?

Começou em 2002. Fui substituir quem, na altura, fazia a direção de prova na altura do campeonato de FIA GT e Europeu de Turismos. Telefonou-me o senhor Jurgen Barts (vencedor de Le Mans, e com quem já tinha tido acesas discussões por causa de questões técnicas de regulamentos) a perguntar se eu estaria disponível para esse desafio. Eu disse-lhe: “Dê-me 10 minutos!”. Achei que era bom demais para ser verdade. Desliguei o telefone, fui à casa de banho, meti a cabeça debaixo de água e pensei: “não pode ser verdade”. Fiquei sentado na sala a olhar para o telefone. O telefone tocou e… era verdade! E então fiz o FIA GT e o Europeu de Turismo. O Europeu de Turismo converteu-se no WTCC em 2005 e aí trabalhei durante cinco anos e fiz 112 corridas. Depois desentenderam-se as ‘comadres’ e o FIA GT foi para um lado e os Turismos para outro e eu segui o caminho

dos Turismos. Em 2010 a FIA entendeu que eu deveria ir dirigir o campeonato do Mundo de GT1 e GT3 que durou dois anos e depois em 2012 quando já só havia GT3, apareceu o Mundial de Endurance que fui então e acabei por herdar o ELMS porque a empresa que organiza os dois é a mesma.

A gestão das corridas das provas do WTCC, com mais acidentes e toques, era mais difícil de fazer do que a do WEC e ELMS?

São corridas e maneiras de dirigir completamente diferentes. Numa prova de seis horas há seis horas para seguir e para decidir e pode-se esperar que o piloto saia do carro para falar com ele. Numa prova do WTCC, o diretor de corrida tem 25 minutos para tomar a decisão, sendo que as decisões muitas vezes acarretam formalidades. Podemos ter 30 monitores à frente mas não temos tempo para tirar partido disso. Se o fizermos estamos a negligenciar a segurança e essa é sempre primordial. São realmente diferentes e dão uma adrenalina diferente, mas gosto muito de ambas.

Nas 24 Horas de Le Mans são necessárias aptidões diferentes para um diretor de corrida?

O mais importante, deve é ter a máquina de café ali ao lado! De resto é igual. A diferença é a duração da prova. A fadiga afeta-me a mim, afeta os pilotos, afeta as equipas. É duro. Pensasse que a corrida começa às 16h e termina às 16h, mas, para nós, não é bem assim. Às 6h da manhã de sábado já estamos no circuito e há sempre algo para fazer. Dá muito gozo, mas requer depois muito tempo para recuperar as energias. Durante as 24 horas, às vezes adormeço. Eu e todos os que estão na torre. Como diretor de corrida, digo, a dada altura, durante meia hora estou ‘off’ e só se houver alguma coisa grave é que me acordam pois as pessoas que estão na direção da corrida até conhecem melhor do que eu o circuito.

Nos circuitos há diferenças grandes. Há alguma coisa que só algum circuito que tenha?

Cada circuito é um circuito e uma solução aplicada no Estoril, pode funcionar às mil maravilhas, mas se aplicada em Jerez, numa situação idêntica, não funcionar. Essa é a parte do desafio. 

Dirigir a ‘Sociedade das Nações’

Eduardo Freitas tem, nas suas responsabilidades de diretor de corrida, de lidar com uma equipa muito diferente e em que os elementos variam de circuito para circuito. Na sala da direção da prova tanto podem estar 30 pessoas como apenas 10, tudo dependendo do circuito, das suas condições e da ‘escola’ de pessoas que está a trabalhar. Conforme explica, “os ingleses, franceses, os alemães e portugueses trabalham de maneira diferente. E essa foi uma guerra que travei no meu primeiro ano de atividade pois queria que toda a gente trabalhasse da mesma maneira que eu trabalhava no Estoril. Não é prático e não funciona assim. Cada país tem a sua língua e o seu ‘modus operandis’ a nível de pistas e todos chegam ao mesmo resultado e isso é que é importante. No fundo, quando chego venho apenas ser o maestro da orquestra que tem que estar oleada e bem afinada. Eu é que tenho que aprender como é que o circuito trabalha e fazer essa análise logo nos treinos livres”.

Gerir pilotos profissionais e amadores não é fácil: “Há dias em que parece que todos tiraram a carta ontem!”

Um dos mai ores problemas no Estoril como em qualquer prova da ELMS é gerir os andamentos de pilotos diferentes. Neste capítulo, Eduardo Freitas tem a lição bem estudada que combina com a sua vasta experiência, explicando que “as dobragens começam normalmente na oitava volta e a partir daí nenhum piloto consegue ter duas voltas iguais, seja isto uma prova de quatro, seis, 12 ou de 24 horas. Há que perceber onde é que pode haver problemas. Há que perceber onde é que estão os pilotos mais fracos e há que tentar pô-los de sobreaviso para eventuais situações e isso é feito através de sistemas de mensagens para os pilotos ou para a sua equipa” (sim, hoje no WEC, pode-se enviar mensagens aos pilotos). Mas é mais fácil gerir o comportamento dos pilotos profissionais ou dos amadores? Freitas, o diretor de corrida do ELMS, é pragmático: “depende da altura e do tipo campeonato. Há alturas em é difícil lidar com os profissionais e outras em que é mais difícil lidar com os amadores, havendo dias em parece que todos tiraram todos a carta ontem! Mas nos dois campeonatos onde estou, já exigimos bastante dos pilotos e há sistemas de graduação. No caso do Mundial de Endurance, já são obrigatórias licenças B internacionais ou seja, já é preciso ter currículo pois os carros que os pilotos vão guiar chegam facilmente aos 350 km/h e há que ter experiência para saber partilhar a pista”.

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