A difícil conversão do DTM para a Fórmula 1

Por a 21 Dezembro 2013 07:29

Se a Fórmula 1 é tida como a disciplina máxima do desporto automóvel, cujo acesso é muito difícil e cada vez mais restrito, em que os monolugares utilizados empregam o pináculo da tecnologia e requerem dotes de condução bem acima da média, então um piloto que por lá tenha competido uns anos só pode ser considerado dos mais talentosos do planeta. Pelo menos em teoria…

Acontece que, seja por opção, seja por consequência, os ex-pilotos de F1 experimentam muitas vezes a sua sorte noutros campeonatos, como forma a dar uma continuidade à carreira ou de ‘gastarem os últimos cartuchos’ após um trilho longo e ilustre. O Deutsche Tourenwagen Masters (DTM) foi no passado e continua a ser uma dessas opções, numa altura em que o campeonato era um reino de pilotos muito experientes e velhas raposas das pistas.

Hoje, e sobretudo desde a nova era do DTM (de 2000 em diante), a tendência tem vindo a alterar-se, com as marcas a apostarem em pilotos cada vez mais jovens e muitos vindos das fórmulas de promoção. Mas isso não tem impedido ex-pilotos de Fórmula 1 de tentarem a sua sorte, embora com fraco sucesso. Se Bernd Schneider é uma clara exceção – pois não só esteve na F1 por pouco tempo, como começou a correr no DTM ainda novo –, já outros casos mais recentes como Jean Alesi, Mika Hakkinen, Heinz-Harald Frentzen, Ralf Schumacher e David Coulthard e Timo Glock não obtiveram os resultados que se esperariam de pilotos com créditos tão firmados na disciplina máxima, tendo em consideração que os primeiros cinco foram vencedores de Grandes Prémios de F1.

Aerodinâmica como busílis

Com a ajuda de um engenheiro de uma equipa que milita no DTM, e que tem larga experiência com monolugares – que preferiu manter o anonimato –, tentámos descortinar quais são as principais dificuldades com que se deparam os pilotos oriundos da Fórmula 1 na sua adaptação aos carros do DTM, e porque é tão difícil vingarem neste competitivo campeonato.

Segundo o nosso interlocutor, “a base está logo no facto de na Fórmula 1 cada equipa projetar os seus carros e de somente o nosso companheiro ter material equivalente. No DTM, havendo três marcas – Audi, BMW e Mercedes – com os respetivos carros a serem construídos pela mesma entidade, há pelo menos seis a oito pilotos com um carro idêntico ao nosso. Mais: por força do regulamento, há um conjunto de mais de 80 componentes que são partilhados por todos os carros do plantel, de forma a manter os custos controlados, e que vão desde a transmissão a peças de aerodinâmica. Como tal, isto faz com que os andamentos sejam incrivelmente equiparados e perder 2 ou 3 décimos de segundo pode significar a diferença entre um quinto e um 12º lugar na grelha”, começa por elucidar o engenheiro alemão.

Virando a sua explicação para as diferenças de comportamento entre os dois tipos de viatura, comenta que “enquanto um Fórmula 1 é um monolugar com muita potência (acima de 750 cv), baixo peso (cerca de 640 kg) e, acima de tudo, uma enorme carga aerodinâmica, um carro do DTM tem um motor V8 que desenvolve abaixo dos 500 cv, pesa 1100 kg e, embora tenha uma aerodinâmica apurada, praticamente não tem downforce comparativamente a um F1. Ou seja, a relação peso/potência entre ambos é incomparável e, não menos importante, a relação apoio aerodinâmico/potência. Isto leva a que um carro de DTM requeira uma condução ‘superfina’, pois o conjunto chassis/aerodinâmica suplanta em muito a potência, sendo que os pneus Hankook são bastante competentes, apesar de não serem de mistura macia”.

Descodificadas as diferenças entre ambos os carros, o engenheiro virou a sua atenção para as complexas questões da pura condução, que ele próprio identificou como sendo os pontos fracos dos ex-pilotos de F1: “Para já, estão muito habituados a conduzir com fortes cargas (aerodinâmicas), e têm de habituar-se a um carro que escorrega mais em curva e que carrega bastante mais peso. Mas o ponto fulcral é a travagem. Na F1, devido ao downforce, têm de pisar com muita força o pedal de travão, para o aliviar à medida que diminui a velocidade – pois quanto menor a velocidade, menor a carga e as rodas tendem a bloquear.

No DTM, o jogo é completamente outro, e os pilotos têm de saber travar, doseando a força sem bloquear as rodas e sem perder o controlo da traseira devido ao menor apoio da asa traseira”, afirma. O próprio Filipe Albuquerque admite que “essa foi precisamente a minha maior dificuldade quando comecei a correr no DTM com o Audi A4. Com o novo A5, já em 2012, senti menos problemas, pois tem maior carga aerodinâmica, o que ajuda bastante”, conclui.

Para encerrar a sua análise, o engenheiro germânico atira ainda que “como pilotos de F1, também não estão habituados à competição ‘porta-com-porta’ e, como em qualquer categoria de carros de Turismo, o DTM é sem dúvida uma disciplina de contacto”.

Após o insight técnico, quisemos saber a opinião dos quatro pilotos que representaram até hoje as cores nacionais neste difícil campeonato, lançando o repto: “Concordas com o estigma de que um piloto de F1 não pode ser bem-sucedido no DTM?”

Ter tudo para dar certo

Pedro Lamy foi até à data o único português que participou em ambos os campeonatos, correndo pela Lotus e Minardi (entre 1993 e 1996) na F1 e pela Mercedes (2000-2001) no DTM, e é perentório ao afirmar que “não, não concordo. Aliás, considero que qualquer bom piloto de F1 tem tudo para ser bem-sucedido em qualquer disciplina, incluindo o DTM. Naturalmente, depende das condições, como a equipa, o carro e até da própria motivação dele a dada altura”.

Continuando a sua explicação, Lamy é da opinião que “como um monolugar de F1 é muito mais rápido e tem muito mais aderência, o cérebro do piloto processa muito mais depressa tudo o que se passa à sua volta e está habituado a uma condução de precisão, logo tem maior facilidade em se adaptar a outro tipo de carro. Temos o exemplo do Mika Häkkinen, que talvez não tenha tido o melhor carro ou as melhores oportunidades, e embora nunca tenha estado perto de ser campeão, ganhou corridas no DTM. Por outro lado, só porque foi piloto de fórmulas não tem obrigatoriamente que ser mais rápido num carro de DTM”, afirma.

Filipe Albuquerque alinha pelo mesmo pensamento de Lamy ao afirmar que “depende do empenho com que um piloto se propõe a participar no DTM. David Coulthard, por exemplo, não teve bons resultados, mas queria correr, coordenando isso com as funções de comentador da BBC para a F1. E a verdade é que só por ter chegado à F1 não credita um piloto como um fora-de-série”, afiança o piloto da Audi. “Outro exemplo que dou é o do Allan McNish, que tinha tudo para vingar no DTM. Mas chegou lá e nunca conseguiu arrancar aqueles últimos 3/4 décimos de segundo por volta. Um ex-piloto de F1 que chegue ao DTM e subestime a concorrência vai apanhar uma grande desilusão”.

Ni Amorim foi o único português que chegou ao DTM sem ter vindo dos monolugares, tendo talhado a sua carreira nos carros de Turismo. Em 1995, foi piloto da Opel e, pela sua experiência, o piloto do Porto não concorda com este estigma. “Eu não tenho experiência de F1, mas sem dúvida que, das competições com carros de ‘rodas cobertas’, os carros mais difíceis de conduzir são os do DTM. O problema é que os orçamentos na F1 são díspares, enquanto no DTM a maioria das equipas têm orçamentos muito similares, assim como os carros também o são. Como tal, no DTM é muito mais ingrato para um piloto conseguir sobressair face à concorrência”, resume.

Quisemos saber ainda a opinião de Pedro Couceiro, ele que participou apenas numa corrida de DTM/ITC no Estoril, em 1995, ao volante de um Alfa Romeo 155 V6 TI. O piloto lisboeta concentra a sua análise em torno dos timings de carreira: “O problema para muitos ex-pilotos de F1 é que normalmente chegam ao DTM quando estão em fase final de carreira, e têm de lutar contra pilotos mais jovens, com muito sangue na guelra. Não concordo com este estigma, pois para mim quem é bom F1 é bom em qualquer lado”, afirma Couceiro. “Depois, não podemos esquecer que há excelentes pilotos que não chegaram à disciplina máxima, e muitos desses (ou daqueles estiveram lá brevemente) são melhores que outros que militam na F1, e temos os exemplos de Johnny Cecotto, Klaus Ludwig e Bernd Schneider”.

Como termos de comparação que confirma ou desmente as opiniões acima, Timo Glock, ao volante do BMW M3 DTM, em 2013 pontuou apenas duas vezes, curiosamente com uma vitória na última corrida e um terceiro lugar noutra.

Quadro

Piloto J. Alesi M. Hakkinen H.H. Frentzen R. Schumacher D. Coulthard

Nº de GPs de F1 202 165 160 182 247

Nº de vitórias na F1 1 20 3 6 13

Nº corridas de DTM 52 31 32 50 29

Nº de vitórias no DTM 4 3 0 0 0

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