Opinião: Festa estragada em Vila Real não é sentença final

Por a 1 Julho 2023 10:27

Infelizmente um dos eventos mais esperados do ano acabou por sofrer uma baixa de peso. O 52º Circuito Internacional de Vila Real não vai receber a prova de endurance “6h de Vila Real”, cabeça de cartaz. A justificação é muito simples: não foi possível reunir uma grelha com números que justificassem a presença da prova no evento.

Claro que não era a notícia que queríamos dar, mas os rumores do cancelamento começavam a ganhar força e foram confirmados numa reunião que aconteceu ontem à noite, em Vila Real. Como se esperava as reações não se fizeram esperar e foram da tristeza ao regozijo.

Vila Real é um evento importante no panorama nacional. Atualmente, temos apenas duas pistas que recebem competições: Estoril e Algarve. Curiosamente, é no norte onde podemos encontrar mais equipas sediadas e onde a paixão pelo desporto motorizado se faz notar com mais intensidade. Sem Braga, ainda entregue a disputas que apenas fazem mal à estrutura e ao desporto, sobra Vila Real que, uma vez por ano, se transforma num traçado único, de exigência elevada, onde apenas os melhores conseguem vencer. Nesta altura, troçar de Vila Real é troçar do estado do nosso desporto. Quem “achar piada” ao facto de termos apenas dois traçados que normalmente estão vazios de público e que o único evento capaz de mobilizar multidões sofreu um rude golpe, por certo não entende o momento que o desporto atravessa.

Há também a questão de quem organiza. Desde que a hipótese DTM caiu, havia duas filosofias para este ano: ou não fazer o evento, ou tentar encontrar uma solução, que seria sempre de recurso, com os riscos que isso implicava. A cautela ditaria que não fazer nada era a melhor opção. Vila Real chegou a um nível em que não pode falhar como outras organizações. Foi esse nível que almejou desde o início e foi esse nível que conseguiu atingir por mérito próprio, sem favores nem facilidades. Isso traz obrigações e exigência superior. Mas optou-se por uma solução que, no papel, faria algum sentido. No entanto, a execução tardia da opção Creventic, que terá tentado tudo para dar uma boa festa em Vila Real, acabou por se revelar infeliz. Seria sempre difícil, em maio, com orçamentos fechados e todos os calendários definidos, encontrar equipas que quisessem enfrentar um traçado citadino exigente, onde os acidentes acabam quase sempre dar prejuízo. O facto de ser uma prova extra do campeonato também não ajudou. O AutoSport sabe que houve outras opções em cima da mesa e que acabaram por não avançar, mas havermos de questionar quem de direito e tentar esclarecer o que aconteceu.

Muitos estarão a apontar o dedo à organização. Uns, porque este cancelamento é confrangedor, outros porque a aposta inicial deveria ter sido sempre com base nas competições nacionais, outros porque preferiam opções diferentes. O role de argumentos é diverso e cada um tem o direito de pensar pela sua cabeça.

Que o cancelamento é confrangedor, mais ainda a 15 dias do evento, ninguém duvida. A aposta exclusiva nas competições nacionais já foi feita no passado, com um fim de semana apenas dedicado às corridas portuguesas, com o resultado que se conhece. Ressalvando que era o segundo fim de semana de corrida desse ano e que a “novidade” se tinha evaporado, a quantidade de pessoas presentes foi menor. Não podemos cair na ingenuidade de pensar que as competições nacionais vão atrair tanta gente como um produto novo. O CPV apresenta uma nova pujança (o que se louva), mas é uma história recente. Esta é uma oportunidade para ver a quantidade de pessoas que estarão em Vila Real este ano. Aí, poderemos ter uma ideia do que é Vila Real com e sem competições internacionais. Ninguém mais do que o AutoSport tem defendido a qualidade do que se faz por cá, mas não podemos tapar o sol com a peneira e dizer que temos um produto verdadeiramente apelativo. Essa é outra questão que terá de ser respondida: como tornar as corridas nacionais mais apelativas?

Quanto à escolha de outras opções… tendo em conta os azares que foram batendo à porta da organização, não era fácil encontrar soluções que reunissem unanimidade. O que parece algo injusto é que depois de sete anos de sucessos consecutivos, se aponte o dedo à equipa que conseguiu levar o WTCC e depois do WTCR à capital transmontana. É uma equipa que conta com muitos envolvidos direta e indiretamente, que merecem tolerância por um ano menos conseguido, tendo tentado tudo para dar um espetáculo digno do circuito, após terem dado o que se tornou na melhor jornada de uma competição mundial com carimbo FIA. Há a necessidade de assumir as responsabilidades, mas depois de muito trabalho bem-feito, há crédito para gastar.

Este cancelamento deve servir para iniciar debates importantes: O que se quer para o futuro do circuito? Como esse futuro pode ser atingindo e acima de tudo se todos os interessados continuam unidos em prol de um bem maior? Vila Real é importante para o desporto motorizado nacional, mas quem manda tem de pensar mais adiante e entender o que pode ser mudado e melhorado. E já vimos que há pessoas talentosas e capazes de organizar grandes provas. Mas também importante é entender o que queremos do nosso desporto motorizado? O que ele pode dar agora e o que pode dar no futuro? Se estamos contentes com o cenário atual, ou se queremos mais? Vivemos iludidos que o desporto motorizado galga uma onda positiva, mas essa onda apenas é visível do lado de algumas (poucas) competições grandes. No resto das “praias” o cenário não é tão animador e é necessário um trabalho de fundo para que haja futuro. Talvez esta desilusão possa trazer todos os interessados à terra, desde FPAK, a promotores, a equipas e pilotos. Há muito a melhorar, há muito a fazer. E, em vez de se apontar o dedo, é tempo de arregaçar mangas, com união e por um bem coletivo.

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