O estranho caso da Fórmula Renault
Por Sérgio Fonseca
A Fórmula Renault tem sido na última década o primeiro ‘verdadeiro’ degrau na escadaria de acesso à F1, e um ponto de passagem quase obrigatório por onde passaram muitos futuros campeões – Alain Prost, Kimi Raikkonen ou Lewis Hamilton, ‘nasceram’ ali – mas a FIA insiste em ostracizar a competição de marca francesa.
Se há três décadas a Fórmula Ford era a disciplina de referência para aqueles que davam os primeiros passos nos automóveis após o karting, esse espaço foi ocupado nas duas últimas pela Fórmula Renault. A fórmula de promoção de pilotos da marca francesa, que foi criada em 1971, tornou-se um berço de campeões e uma escolinha obrigatória. Hoje, na sua última encarnação, a Fórmula Renault ainda conserva o seu alto prestígio, mas a Federação Internacional do Automóvel (FIA) estranhamente não lhe reconhece o mérito.
Durante décadas, enquanto os Formula Renault 2.0/03 e o 2.0/08 estiveram em actividade, para além da Fórmula Renault Eurocup, houve mais de uma dezena de campeonatos nacionais em actividade e até Portugal chegou a ter o seu mini-campeonato. Com a introdução do malfadado Formula Renault 2.0/10, que teve a particularidade de não ter sido construído pela italiana Tatuus, mas sim pela francesa Barazi-Epsilon, começaram a diminuir os nacionais. Quando a Renault Sport Technologies apostou novamente num produto do construtor italiano, só já restava o europeu e a “Northern European Cup”.
No final da temporada de 2018 o Formula Renault 2.0/13 já estava desatualizado. Não porque a sua performance em pista ou tecnologia estivessem ultrapassadas, mas sim porque este nasceu sem Halo e a Renault Sport Technologies sempre quis que os seus carros cumprissem com todas as últimas regulamentações de segurança da FIA. Ao mesmo tempo, com a necessidade de criar uma categoria entre a F4 e a F3, a FIA patrocinou o lançamento de uma “F3 light”, que por causa dos direitos do uso da nomenclatura “F3” rapidamente virou “Formula Regional”. O continente asiático acolheu o primeiro campeonato regional, seguindo-se os EUA. Para a Europa, a FIA abriu um concurso para o promotor, e a Renault candidatou-se. Esta seria uma oportunidade perfeita para encaixar a sua Eurocup na pirâmide da FIA. Contudo, os franceses não foram à guerra sozinhos.
A federação italiana (Automobile Club d’Italia) também se candidatou em parceria com a WSK Promotion, que há décadas organiza as mais fortes competições mundiais de karting. Com alguma surpresa, até porque a FIA de Jean Todt mantém uma matriz muito francesa, o promotor transalpino levou a melhor para estupefação dos homens de Les Ulis. Os gauleses pediram explicações à FIA, mas terão recebido uma mão cheia de nada. Com o orgulho ferido, os franceses que já tinha enterrado a Formula Renault Eurocup, foram buscar o chassis Tatuus F3 T-318, igual aquele que dá corpo ao Formula Regional European Championship (FRE), instalaram o seu motor 1.8 litros turbo e ressuscitaram o seu campeonato.
Mesmo numa era em que os campeonatos de monolugares perderam na sua generalidade quórum, obviamente que os prémios, o prestigio da competição e um calendário recheado de circuitos de Fórmula 1, voltou a atrair muitos “jovens lobos”, mais que a sua rival europeia. Em 2019, a Formula Renault Eurocup teve uma média de 18 pilotos por evento, reuniu 8 equipas e passou por 10 circuitos de Fórmula 1. A FRE teve uma média inferior a 15 pilotos por evento, reuniu 5 equipas e passou por 5 circuitos de F1. Veredicto da FIA: a Formula Renault Eurocup desceu um escalão na tabela de atribuição das pontuações para a super-licença.
A Formula Renault Eurocup passou para o registo pontual de 15, 12, 10, 7, 5, 3, 2, 1, contra o anterior patamar de 18, 14, 12, 10, 6, 4, 3, 2, 1 em que agora se encontra a FRE. A Formula Renault Eurocup foi colocada no mesmo patamar na W Series, uma competição meramente recreativa, e da Euromula Formula Open e Super Formula Light (ex-Campeonato do Japão de Fórmula 3), que usam um chassis de Fórmula 3 que não é reconhecido como tal pela FIA.
A federação tem quatro critérios na atribuição destas tabelas de pontuação, são eles: as normas de segurança dos circuitos por onde passa o campeonato, a notoriedade do mesmo, o respeito pelos regulamentos FIA e a promoção dos jovens pilotos aos escalões superiores. Benoît Nogier, director comercial da Renault Sport Racing, explica que “enviamos uma carta à FIA com todos os detalhes sobre os critérios exigidos respeitantes à nossa competição. Queríamos compreender, porque não queremos imaginar que a FIA se comporta como um promotor.”
Era esperada uma resposta no dia 6 de Março, aquando do último Conselho Mundial da FIA, mas de lá não saiu qualquer decisão favorável à Renault. A introdução destas pontuações para a obtenção da superlicença apareceram após a subida meteórica de Max Verstappen. Muito dificilmente, um piloto aproveitará os pontos da Formula Renault Eurocup, ou da FRE, porque a probabilidade de agarrar um lugar na F1 após passagens curtas de um ano na F3 e na F2 é muito pequena. Os pontos expiram aos fim de três temporadas.
Não será por atribuir um número inferior de pontos para a superlicença que a Eurocup irá perder pilotos para a FRE, até porque os números da pré-temporada são bastante mais favoráveis aos franceses. A preocupação da Renault é mesmo a incompreensão face a falta de transparência do órgão decisório, cuja a ambiguidade é uma preocupação para qualquer promotor. Pior só mesmo o facto da competição que revelou os talentos de Alain Prost, Kimi Raikkonen ou Lewis Hamilton poder mesmo descer ainda mais um patamar no próximo ano, ficando ao mesmo nível dos vários campeonatos nacionais de F4. Isso sim, poderia condenar inexplicavelmente à morte uma fórmula de promoção que celebra 50 anos em 2021…