“O Circuito de Vila Real, faz-me lembrar a Sofia Loren! Que curvas…!”
Dissipados os ventos negros que varreram a mundo entre 1939 e 1945, a sociedade voltou gradualmente ao normal, e o automobilismo não deixou de ser excepção. Logo em 1948 os entusiastas vila-realenses quiseram organizar a sua prova, mas tal não foi ainda viável, mas um ano depois as condições já estavam reunidas e, embora já sem Aureliano Barrigas (falecido em 1948), o programa foi em frente, num contexto exclusivamente nacional, que produziu excelentes corridas. No entanto, a necessidade de obras na ponte metálica sobre o Corgo e o prolongamento destas além do esperado tornavam impossível a sua utilização em 1950. Para não perder as corridas, a organização decidiu desviar o traçado para a antiga ponte granítica de Santa Margarida, “forçando” os pilotos a regressar à meta através da íngreme e sinuosa secção do Bairro dos Ferreiros, naquele que foi o traçado de vila Real com maior perímetro (cerca de 7.370 Km). Tal não impediu um retumbante sucesso e um regresso de alguns destacados nomes internacionais, dos quais sairia o vencedor – Piero Carini em OSCA. Com as obras resolvidas e a pista alargada em alguns pontos (e também articulada com o Circuito da Boavista, disputado algumas semanas antes), Vila Real voltou ao seu traçado habitual e a uma boa participação internacional, assistindo-se à primeira vitória da Ferrari através de Giovanni Bracco em 1951, e na época seguinte, novo triunfo de Casimiro de Oliveira, também ao volante de um carro da Scuderia. Contudo, era evidente que o circuito precisava de muitos melhoramentos, porque as velocidades atingidas começavam a torna-lo demasiado perigoso, nomeadamente o seu alargamento e a melhoria do tapete de asfalto. Os elevadíssimos encargos associados a este empreendimento levariam a um hiato de seis anos.
Quando os automóveis regressaram à cidade em 1958, encontraram um circuito ligeiramente diferente no traçado e em geral mais largo, mas cuja essência permanecia inalterada. Além da construção da nova ponte da Timpeira, a construção da nova estrada marginal sobre o Corgo permitia evitar as zonas sinuosas e em paralelo do centro da cidade, deslocando a linha da meta para a nova recta que se seguia à direita apertada após a ponte metálica, celebrizada como a curva da salsicharia, reduzindo ligeiramente o percurso para 6.925 Km. O programa foi alargado, destacando-se a corrida de Sport com uma clara vocação internacional, recebendo uma equipa semi-oficial da Maserati – com Moss, Behra, Godia Sales e Maria Teresa de Filippis – e alguns Ferrari, nos quais se destacava Schell, além de um excelente parque automóvel nacional. Os Maserati dominaram completamente a prova, com Moss a bater Behra e Godia; e ficou conhecido o comentário de Marcello Giambertone (Secretário-Geral da União de Pilotos Internacionais) a’O Volante, fazendo uma comparação bastante… curiosa: “O Circuito de Vila Real, tal como agora está, é excelente. Faz-me lembrar a Sofia Loren! Que curvas…!”
Curiosamente, o sucesso retumbante desta edição levou a novo hiato, já que os encargos financeiros foram demasiado elevados e o ACP viria mesmo a abandonar a organização de provas internacionais depois do III Grande Prémio de Portugal em F1, disputado na Boavista em 1960. Foram feitas várias tentativas de regresso, mas só em 1966, beneficiando de um novo boom das competições internacionais em Portugal, impulsionado por Cascais, e que Vila Real voltou a ter o seu circuito, agora já sob a égide de uma Comissão de Organização Permanente. As principais provas eram as de GT e Turismo, que iriam atrair alguns convidados internacionais, nomeadamente John Miles, que viria a vencer ambas as provas, mas também a Fórmula 3, que já tinha ganho enorme popularidade em Cascais [ver caixa]. Entravamos na era de ouro das corridas em Vila Real, já que a internacionalização crescente vinha complementar o fantástico parque automóvel existente em Portugal e o virtuosismo dos seus condutores, também ela uma geração de ouro com homens como Nicha Cabral, António Peixinho, Carlos Santos, Ernesto Neves, os irmãos Sá Nogueira, Carlos Gaspar, Manuel Lopes Gião, José Lampreia, Manuel Nogueira Pinto e o veterano Joaquim Filipe Nogueira, entre outros.
Em 1967 chegaram os Sport-Protótipos, que imediatamente deram nas vistas com o domínio de Mike de’Udy na prova consagrada aos Sport e GT, ao volante de um Lola T70 MkIII, e o sucesso desta prova fez com que no programa de 1968 se tornassem no “prato forte” do circuito de Vila Real. Como estes automóveis eram bem mais onerosos do que os GT e Turismos, a Comissão Organizadora investiu bastante em trazer o máximo de concorrentes estrangeiros para abrilhantar a prova, assistindo-se a nova vitória do Lola de de’Udy. Ambicionando projectar cada vez mais Vila Real no cenário internacional, a organização convidou o presidente da comissão de circuitos da FIA no sentido de saber a sua opinião. Este mostrou-se contra a utilização da pista para monolugares de escalão superior à F3, mas foi favorável a uma possível integração nos campeonatos de Sport-Protótipos, o que motivou a equipa organizativa a abandonar definitivamente os fórmulas em 1969. Assim, para a XVIII edição da prova, além das provas nacionais de Fórmula V e Turismos, o grande empenho dirigiu-se para uma prova de 6 horas aberta aos carros dos grupos 3 a 6, destinada a candidatar-se a integrar o Mundial de Marcas, o que obrigou a um enormíssimo investimento em infraestruturas e prémios. Esta foi, durante muitos anos, a prova mais longa alguma vez realizada em Portugal, e traduziu-se por um sucesso junto dos pilotos e público, culminando com uma grande luta até à última hora entre de Udy/Gardner (Lola T70 MkIII) e Piper/Craft (Porsche 908), favorável a estes últimos. Contudo, a candidatura não foi em frente, e os encargos continuavam a disparar, daí que a organização optou por uma solução mais razoável para 1970 – o grande investimento continuou dirigido a um aprova internacional de resistência, mas de apenas 500Km, metade da distância da época anterior. Mesmo com um parque automóvel interessante e bons pilotos, a prova não foi tão emocionante devido ao desgaste provocado pelo enorme calor, sendo vencida pelo Lola T70 MkIIIB de Teddy Pilette/Taf Gosselin – ajudados, segundo consta, por uma mistura de vinho tinto e açúcar colocada no radiador à falta de fluído de refrigeração adequado….
Por acaso a mim lembra -me mais a rua do Chiado. Estreito, e não se pode ultrapassar.