Lancia LC2: O mais bonito dos Grupos C

Por a 15 Dezembro 2024 12:03

O LC2 marcou a tentativa da Lancia bater o pé à forte armada da Porsche no Mundial de Resistência, mas apesar de muito rápido, o carro era também muito frágil. Resultados à parte, decorado com as míticas cores da Martini, o LC2 é um dos mais bonitos Grupos C de sempre

GRUPO C: A era do Grupo C produziu carros verdadeiramente memoráveis, como por exemplo o Porsche 956 ou, mais tarde, o Jaguar XJR-14, mas também o Lancia LC2, um carro que foi sempre bastante mais de agradável à vista do que verdadeiramente competitivo em pista. A memorável decoração da Martini e o facto do carro ser guiado por um lote de bons pilotos italianos, ajudou muito a criar um onda positiva que nunca foi concretizada em resultados.

lancia-lc2_grupo-c-foto-rob-dunckley-flickr-commonsCuriosamente, a velocidade pura nunca foi o problema, pois por exemplo, Piercarlo Ghinzani colocou o carro na pole position dos 1000 km de Monza de 1983, naquela que era a sua primeira corrida, e logo com um segundo de avanço face à concorrência. Só que no que verdadeiramente interessava, terminar as corridas de 1000 km na frente, é que foi coisa que raramente aconteceu, especialmente nas provas principais do Mundial.No ano de 1982 as grelhas do Mundial de Resistência eram parcas, com poucos Construtores e a Lancia era uma das poucas marcas presentes numa competição quase decrépita. Aproveitando uma zona cinzenta dos regulamentos em que a FISA sempre foi pródiga, o Lancia LC1, uma sport-protótipo de Grupo 6 e antecessor do LC2, assegurou o título Mundial de Endurance, através de Riccardo Patrese, que bateu Jacky Ickx e o seu competitivo Porsche. Contudo, no final desse ano a FIA não permitiu que o mesmo carro italiano transitasse para o ano seguinte, e por isso Cesare Fiorio e os responsáveis da Lancia, muito mais interessados no seu programa de ralis, tiveram de abrir os cordões à bolsa e investir na construção e desenvolvimento do LC2. Ainda assim, comparando o investimento que a Porsche fazia na altura com o da Lancia, a relação resultados/investimento até que acabou por nem ser má, já que o dinheiro gasto pelos alemães era muitíssimo superior.

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Lancia-Ferrari

Para a construção do carro foi feita uma parceria entre a Ferrari e a Lancia, com o V8 de Maranello a equipar o LC2. O propulsor era baseado no propulsor do 308 de estrada (com algumas modificações para competição), mas foi precisamente este o principal problema no que à fiabilidade do carro dizia respeito. Ao V8 de 2,6 litros, 620 cv e dois turbos KKK nunca faltou potência, basta olhar para os resultados em qualificação, mas a fiabilidade era pouco menos que desesperante, causando três abandonos em 1984 (1000 km de Monza, 1000 km de Silverstone e 24 Horas de Le Mans). No ano seguinte, as coisas melhoraram a esse nível, mas o melhor que a Lancia conseguiu foram dois quartos lugares nos 1000 km de Hockenheim e 1000 km de Spa.

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O carro foi apresentado à imprensa no início de 1983, e dois meses depois competiu pela primeira vez, nos 1000 km de Monza, com Piercalo Ghinzani e Teo Fabi a dividirem o volante do LC2. Os treinos correram às mil maravilhas, com a equipa italiana a brilhar, levantando-se de imediato vozes que o carro só poderia estar ilegal. Na corrida, Ghinzani partiu na frente mas só por lá esteve durante 23 voltas, já que um furo na roda traseira esquerda do LC2 assim o determinou. A outra equipa, composta por Michele Alboreto e Riccardo Patrese, terminou apenas na nona posição depois de inúmeras paragens nas boxes para verificar os pneus Pirelli. Com tantos problemas, os italianos trocaram a Pirelli pela Dunlop na corrida seguinte em Silverstone. O problema foi que depois de tanto tempo a testar com os Pirelli, a troca repentina de fornecedor de borrachas causou diversos problemas à equipa, pois o equilíbrio geral do carro ressentiu-se muito, embora tenha acabado por ser o motor a causar os abandonos dos dois carros oficiais em Silverstone. No Nürburgring, outra novidade, pois foi a vez do diferencial dar problemas, e nas 24 Horas de Le Mans foi a pressão do combustível e o turbo a causarem os abandonos. Finalmente, nos 1000 km de Spa, os três Lancia chegaram ao fim, em sexto, sétimo e 11º. Pouco depois, o mesmo sucedeu nos 1000 km de Brands Hatch, com Riccardo Patrese e Michele Alboreto a terminarem em quarto. A tão ansiada vitória estava cada vez mais perto e com a ausência dos Porsche oficiais em Imola, o Lancia LC2 finalmente venceu por intermédio de Teo Fabi e Hans Heyer, batendo os Porsche da Joest e da Fitzpatrick. Mas foi sol de pouca dura, já que a prova seguinte em Fuji foi mais um desastre, mas para atenuar um pouco as coisas, a Lancia terminou o ano com um segundo lugar na África do Sul. Em resumo, um ano de estreia pobre.

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Em 1984, mais do mesmo, com os LC2 novamente muito rápidos, algo que foi ajudado pelo facto do motor V8 da Ferrari ter passado de 2,6 para 3 litros. Tiveram alguns meios sucessos, com Paolo Barilla e Mauro Baldi a terminar em terceiro e quarto nas corridas de Monza e Silvertone, com prestações entre cortadas por problemas com o motor. Barilla e Alessandro Nannini obtiveram um pódio no Nürburgring e Bob Wollek foi o mais rápido nos treinos das 24 Horas de Le Mans. Contudo, problema com a caixa de velocidades do LC2 impediram a equipa de ir mais longe que o oitavo lugar na edição desse ano da grande maratona. Pouco depois, a Lancia venceu os 1000 km de Kyalami, mas a verdade é que o fizeram praticamente sem adversários, numa dobradinha da equipa, com Patrese e Nannini a vencer na frente de Barilla e Wollek, com o terceiro classificado a surgir apenas a… 40 voltas, um Nissan Skyline de uma equipa local.

Para o ano de 1985 as modificações incluíram a passagem para os pneus Michelin, mas para azar da equipa a fiabilidade, ou falta dela, manteve-se inalterada. Riccardo Patrese fez algo que já não era novidade com o LC2. Foi o mais rápido nos treinos nas três primeiras corridas da época, mas nunca conseguiu materializar em resultados essa situação. Nem em Monza, circuito em que a equipa Lancia tinha mais hipóteses de vencer, as coisas correram a contento, já que a corrida foi interrompida prematuramente na sequência de um acidente grave, e já não foi reiniciada. Nessa altura, na liderança estava um dos Porsche dos irmãos Kremer. A terceira e última vitória de um Lancia LC2 face aos Porsche de fábrica deu-se em Spa, uma corrida tragicamente marcada pela morte de Stefan Bellof. A vitória foi para Baldi, Wollek e Patrese.

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Budget era para os ralis

Ironicamente, se a última vitória do LC2 se deu na sequência de uma morte de um piloto, em 1986, o projeto do Lancia LC2 ficou, também ele, marcado por uma tragédia quando o jovem piloto italiano de ensaios, Giacomo Maggi, morreu aos comandos do carro, depois de se despistar na pista de ensaios da Fiat, em La Mandria, quando preparava as 200 Milhas de Norisring. Nesta altura, a cúpula da marca já tinha decidido desacelerar o projeto e a equipa já não participou nas 24 Horas de Le Mans. Desde a morte do jovem italiano, o Lancia LC2 continuou nas pistas até 1991, mas somente com equipas privados, das quais a mais insistente era a Mussato Action Car de Gianni Mussato.

A morte de Maggi acabou apenas por ser apenas um pretexto, mas a verdade é que o dinheiro escasseava, pois todos os recursos eram necessários para a aquisição da Alfa Romeo e da Maserati. A Lancia tinha olhos quase e só para os ralis, e nem mesmo com o fim dos Grupos B nos ralis isso mudou. Ironicamente, foi a morte de Henri Toivonen e Sergio Cresto no Rali da Córsega em 1986 que condenou definitivamente o Lancia LC2, já que com a mudança das regras nos ralis, a marca de Turim teve que se concentrar única e exclusivamente no desenvolvimento do seu novo Grupo A para 1987, o Lancia Delta HF 4WD. O experiência da Ferrari com o motor usado no LC2 acabou por servir de inspiração para a criação do bloco 034, usado pela Alfa Romeo na sua breve aventura na Indycar.

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Desta forma, o Lancia LC2 acaba por ser recordado muito mais pela sua estética e fragilidade mecânica, do que pelos sucessos que obteve, muito escassos. Resta saber o que poderia ter acontecido se a Lancia tem reservado uma pequena parte do seu enorme budget dos ralis para este projeto, o que poderia ter acontecido. No total, foram produzidos sete chassis do LC2 pela Lancia, e mais dois para privados. Hoje em dia, o carro participa em inúmeras corridas históricas, sendo também visto no Festival de Goodwood.

lancia-lc2_grupo-c-foto-oalfonso-flickr-commonsPILOTOS

Riccardo Patrese (Itália)

Teo Fabi (Itália)

Alessandro Nannini (Itália)

Paolo Barilla (Itália)

Mauro Baldi (Itália)

Pierluigi Martini (Itália)

Andrea de Cesaris (Itália)

Bruno Giacomelli (Itália)

Hans Heyer (Alemanha)

Bob Wollek (França)

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Chassis-Motor-Ano-Grupo-Primeiro dono-Último dono

LC2-0001 Ferrari 1983 C1 Lancia Martini Coleção Blackhawk (até 2000 )

LC2-0002 Ferrari 1983 C1 Lancia Martini Bruce Canepa (até 2004) Carro de fábrica até 1985.

LC2-0003 Ferrari 1983 C1 Lancia Martini Mussato (1986), Dollop Racing (1988), Benton (até2004) Carro de fábrica até 1985. Depois do acidente de Zeltweg 86 foi reconstruído como 0003B. correu nos históricos pela Benton (até 2004)

LC2-0004 Ferrari 1983 C1 Scuderia Mirabella

LC2-0005 Ferrari 1984 C1 Lancia Martini

LC2-0006 Ferrari 1984 C1 Lancia Martini 1984 com o Jolly Club, em 1986 foi carro oficial para peças

LC2-0007 Ferrari 1985 C1 Lancia Martini Richard Bryan (até 2004). Correu nos Históricos por Richard Bryan (até 2004)

LC2-0008 Ferrari 1989 C1 Gianni Mussato Construído sem assistência da Lancia.

LC2-0009 Ferrari 1991 C1 Gianni Mussato/Veneto Equipe Construído sem assistência da Lancia.


Lancia LC2

Grupo C

Construtor Lancia (com Abarth e Dallara)

Designer Gian Paolo Dallara

Especificações Técnicas

Chassis Monocoque em alumínio

Suspensão da frente Triângulos duplos, conjunto mola/amortecedor

Suspensão traseira Triângulos duplos, conjunto mola/amortecedor

Motor Ferrari 308C 2599 cc/3014 cc V8. Duplo Turbo

Transmissão Hewland (Abarth-desde 1984) Cx. Manual de 5-Velocidades

Pneus Pirelli, Dunlop e Michelin

Resultados

Estreia 1983, 1000 km de Monza

51 Corridas

3 Vitórias

13 Pole position

11 Voltas mais rápidas

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2 Comentários
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can-am
can-am
8 anos atrás

Bater a Porsche na resistência é e foi sempre tarefa muito dificil.. As mecânicas italianas, da Lância como da Alfa etc, sempre pecaram pela falta de resistência e só conseguiam mesmo ganhar quando não tinham concorrentes que os obrigassem a “puxar”. Veja-se o caso das baleias voadoras Alfas 33 TT 12 que ganharam o mundial em 75 correndo sem adversários. (eram carros bons de aerodinâmica mas algo pesados e com chassis pouco rígidos, além de terem mecânicas complicadas). O caso deste Lãncia LC 2 foi idêntico. ( e do LC1 igual que era um spider aberto). Só quando a Jaguar… Ler mais »

Cágado1
11 dias atrás

Gostos não se discutem, mas o Porsche era muito mais bonito. Aliás, cá para mim, só o Ford C100 era mais feio.

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