A história (resumida) das Indy 500: uma das mais antigas do mundo
As 500 Milhas de Indianapolis são uma das provas automobilísticas mais antigas do mundo, e certamente a mais antiga realizada no mesmo circuito, desde 1911. Interrompida apenas pelas guerras mundiais, a corrida tornou-se parte do imaginário coletivo do americano comum e um desafio para americanos e estrangeiros…
Seria preciso um livro (ou uma coleção de livros) para contar todas as histórias que fizeram parte
das 500 Milhas de Indianapolis. A capital do estado de Indiana foi fundada em 1827 e rapidamente
tornou-se um centro estratégico para a indústria pesada norte-americana. Quando o automóvel foi inventado, era natural que também esta cidade contribuísse para o seu desenvolvimento, fazendo-o através da competição, algo que rapidamente se espalhava pelo continente como uma atração para o público e como laboratório no mundo real para a indústria.
Carl G. Fisher, um empresário local, construiu a pista de Indianapolis em 1909, usando 3,2 milhões de tijolos para fazer o pavimento, e montou a primeira edição das 500 Milhas em 1911. Um ‘olheiro’ notório para as oportunidades de negócio, fez a prova distinguir-se pelo prémio em dinheiro, garantindo uma grande grelha capaz de fazer o público passar uma tarde a ver o espetáculo. O sucesso foi maior que esperado, pois além dos vários construtores americanos, nos primeiros anos
também marcas estrangeiras como a Fiat, Peugeot e Mercedes se interessaram pela prova. Foi em 1913 que uma edição teve o seu primeiro vencedor estrangeiro, o francês Jules Goux, ao volante de um Peugeot. Após a Primeira Guerra Mundial, as 500 Milhas já tinham tomado o lugar dos extintos
Troféu Vanderbilt e Grande Prémio Americano como prova mais importante nos Estados Unidos. No entanto, com um grande número de pilotos locais e uma indústria independente, a presença europeia
tornou-se desnecessária para o sucesso do evento. Mesmo assim, de 1920 a 1929, as 500 Milhas foram disputadas com os mesmos regulamentos técnicos das corridas europeias de Grande Prémio, com diminuições progressivas do tamanho dos motores de 3 para 2 e 1,5 litros.
Durante esta fase, Harry Arminius Miller tornou-se o primeiro construtor a estabelecer um domínio técnico na pista, começando com a vitória de Jimmy Murphy em 1922, com um Duesenberg equipado com motor Miller. Este foi o primeiro a construir monolugares de competição, desenvolvendo também motores sobrealimentados e experimentando a tração dianteira como forma de baixar o centro de gravidade dos carros.
Em 1927, Carl G. Fisher vendeu a pista e os terrenos a outro empresário, Eddie Rickenbacker, famoso como aviador da Força Aérea na Primeira Guerra Mundial, e o primeiro a instalar um sistema de travagem para quatro rodas em automóveis de estrada. Um homem extremamente prático, Rickenbacker não gostava da imitação do modelo de competição europeu, e procurou tornar as 500 Milhas relevantes para a indústria automóvel americana.
Assim, em 1930, justificando-se com o crash bolsista de 1929, forçou todos os construtores a usar motores derivados de série, com cilindrada até 6 litros, proibindo os compressores, e tornou também obrigatórios os mecânicos de corrida. Durante esta fase, Harry Miller foi à falência, e o seu diretor de produção e antigo mecânico, Fred Offenhauser, comprou a fábrica.
Offenhauser deixou de ir às pistas, mas o seu empregado Leo Goosen desenvolveu um novo motor que se tornaria obrigatório para ganhar corridas após a Segunda Guerra Mundial.
Os europeus regressaram em 1939, com a Maserati a ganhar a edição duas vezes, pelo que, depois da Segunda Guerra, apesar de não ser uma corrida de Fórmula 1, as 500 Milhas foram incluídas no calendário do Mundial de 1950 a 1960. Apesar disso, muitos pilotos, inclusive vencedores da prova, nem sabiam que a corrida estava incluída no calendário internacional, até porque os americanos não iam correr à Europa, e apenas a participação da Ferrari em 1952 é a única incursão europeia digna
de registo durante este período. A marca italiana regressou em 1956, mas não se qualificou.
Rickenbacker havia perdido o interesse na pista e vendeu-a a Tony Hulman em 1946, cuja família ainda hoje é proprietária da pista, através do neto deste, Tony George. Os motores Offenhauser, ou
Offy, como eram conhecidos pelo público, passaram a dominar, vencendo todas as edições consecutivamente de 1947 a 1964.
O Offy de quatro cilindros tinha 4,5 litros (4,2 a partir de 1956) e já conseguia debitar perto de 400 cv. Alguns construtores, como a Kurtis Kraft de Frank Kurtis, ou Eddie Kuzma, começaram a deitar o Offy sobre o lado esquerdo para tornar o carro mais eficiente a curvar, ganhando várias edições de 1950 a 1955, uma inovação copiada por AJ Watson e George Salih, que passaram a ser os construtores preferidos nos anos seguintes. Pelo caminho, o desastre de Le Mans levou o principal automóvel clube americano, o AAA, a abandonar a competição automóvel. Hulman ajudou a fundar o United States Auto Club (USAC), que em 1956 passou a controlar todas as corridas relacionadas com os Champ Cars (como eram conhecidos na altura), desde os ‘big cars’ de Indianapolis aos roadsters e midgets das ovais de terra. Foi preciso esperar pela saída do calendário da F1 (os carros de Indy eram anacronismos comparados com as novas direções técnicas) para os construtores europeus regressarem. Jack Brabham surpreendeu ao conseguir um oitavo lugar em 1961 com um Cooper-Climax, e Colin Chapman, a convite de Dan Gurney (um americano mais à vontade nas pistas europeias que nas ovais), começou a desenvolver o Lotus 34 para a edição de 1962.
Para Chapman, a sua vitória era inevitável, pois os carros americanos eram pesados com os seus motores dianteiros e túneis de transmissão, e pouco eficientes em termos aerodinâmicos. O triunfo finalmente surgiu em 1965, com Jim Clark, o primeiro europeu a ganhar a corrida desde Dario Resta em 1916. O Lotus 34 também estava equipado com um motor Ford de dupla árvore de cames, quebrando o domínio da Offenhauser.
Os anos seguintes foram marcados pelo intercâmbio tecnológico, e os construtores americanos, como a Coyote Cars de AJ Foyt, a Eagle de Dan Gurney ou a Hawk de Clint Brawner começaram a copiar as soluções americanas. Em 1968, o turbocompressor tornou-se obrigatório para ganhar corridas (continuando assim até mudanças regulamentares em 1997), com a Ford e a Offenhauser a entrarem em ‘guerra’. A Lotus deu lugar à McLaren como construtor europeu principal (Teddy Mayer, sócio
e sucessor de Bruce McLaren à frente da equipa, estabeleceu uma surcursal nos Estados Unidos logo nos anos iniciais da marca), fazendo frente a Gurney e a Foyt. Mas no final dos anos 70, donos de equipa Roger Penske e Jim Hall (antigos clientes da McLaren e da Lola) começaram a construir os seus próprios chassis… só que faziam-no na Inglaterra e traziam-nos de volta para o seu país. Hall construiu o primeiro carro de efeito de solo a ganhar a Indy 500, o Chaparral 2K pilotado por Johnny Rutherford, que foi desenhado por um então novato John Barnard.
Em 1978, a CART, associação de equipas, forçou a USAC a ceder o controlo do campeonato americano, mas a família Hulman continuava a gerir as 500 Milhas através do clube. O início da década de 80 ainda viu as duas entidades entrarem em conflito, mas como os carros eram os mesmos, chegaram a acordo, ainda que a Indy 500 passasse a dar o mesmo número de pontos que todas as outras corridas. Continuava, no entanto, a ser a única a ter 33 carros à partida (e mais de
50 inscritos a participarem nos treinos) e a oferecer prémios monetários mais elevados que qualquer outra. Durante os anos 80, Roger Penske passou a dominar as corridas, contribuindo para o seu
palmarés atual de 16 triunfos, mais que qualquer outro dono de equipa.
Foi também neste período que os pilotos europeus e sul-americanos, pouco interessados na década anterior, começaram a regressar, e Emerson Fittipaldi e Arie Luyendyk venceram as edições de 1989 e 1990. Em 1991, Rick Mears, piloto da Penske, tornou-se o terceiro a vencer a prova por quatro vezes, juntando-se a Al Unser Sr. e a AJ Foyt.
A chegada de Nigel Mansell em 1993, acabado de vencer o Mundial de F1, gerou interesse mundial na IndyCar e nas corridas americanas. Mas se o público pôde ficar a conhecer novos nomes (e a saber o que se tinha passado com os ‘desaparecidos’ Mario Andretti e Eddie Cheever), foram os europeus e sul-americanos, alguns armados com livros de cheques em vez de talento para pilotar, que forçaram os americanos para fora de pistas. Com muitos pilotos americanos regulares descontentes com esta invasão, Mari Hulman George e o seu filho Tony George tinham a desculpa perfeita para uma jogada política.
Em 1996, George retirou a Indy 500 do calendário da IndyCar World Series e fundou a Indy Racing League. O conflito foi parar aos tribunais e levou a uma moratória no uso do nome ‘Indy’ nos campeonatos. As equipas da CART ainda tentaram fazer finca-pé, mas em breve começou a debandada geral de regresso a Indianapolis.
Ironicamente, as equipas pequenas voltaram a desaparecer sobre o jugo de Roger Penske e de Chip Ganassi, e após a entrada no novo milénio, eram raros os vencedores norte-americanos. Buddy Rice venceu em 2004 e Sam Hornish Jr. em 2006, sendo necessário esperar até 2014 para ver Ryan Hunter-Reay vencer.
Os pilotos americanos tinham perdido o interesse, passando para a NASCAR, mais atrativa financeiramente, mas embora tenha perdido algum fulgor, a Indy 500 continua a ser a corrida americana mais famosa em todo o mundo.
Só é pena o autosport não dar notícias da Indycar.
Excelente artigo!!!!