Opinião: A “esperteza” da Audi não descredibiliza a Fórmula E… mas outras coisas sim

Por a 26 Julho 2021 16:00

Em Londres, a Audi fez uma jogada arriscada, que poderia ter dado certo, quando Lucas Di Grassi entrou na via das boxes para ganhar terreno. Uma jogada brilhante para uns, antidesportiva para outros, mas que vai obrigar a FIA a rever as regras.

A Fórmula E continua a crescer e a sua popularidade vai aumentando, mas não podemos deixar de notar na caixa de comentários, que muitos olham de lado para esta competição que consideram demasiado artificial e por vezes até algo amadora e este episódio da Audi poderá aumentar ainda mais essa opinião negativa.

Perto do fim do período de Safety Car provocado pelo incidente entre António Félix da Costa e André Lotterer, Lucas di Grassi, que estava em oitavo, entrou na via das boxes o que surpreendeu a todos, mais ainda quando surgiu na frente do pelotão, pouco depois. O ritmo do Safety Car em pista era muito lento e a Audi percebeu que passando pela via das boxes era mais rápido. O único senão é que o carro tinha de se imobilizar completamente. Di Grassi entrou, parou e saiu na frente do pelotão, mas segundo os sensores da FIA o carro nunca chegou a estar completamente imobilizado, tornando a manobra ilegal. Ora a Audi estava convicta que tinha a razão do seu lado e Di Grassi não cumpriu a penalização imposta pelos comissários, cruzando a linha de meta em primeiro lugar, pouco depois de ter aparecido a mensagem que atribuiu uma bandeira preta ao piloto brasileiro, o que corresponde a uma desclassificação.

Muitos viram isto como mais um sinal que esta competição é uma farsa e que é mal gerida mas, pessoalmente, não vejo isto como algo que descredibiliza a competição. A Fórmula E tem um conjunto de regras que foram definidas pelos responsáveis da competição e da FIA. Essas regras são entregues às equipas que olham para elas e tentam encontrar zonas onde podem ganhar vantagem. A Audi encontrou uma zona do regulamento onde podia ganhar vantagem e jogou esse trunfo em Londres, um circuito que o permitia fazer. A prontidão com que a ideia foi aplicada revela que a Audi já tinha este “truque” na manga há algum tempo e estava à espera de o usar no momento certo.

Se esta interpretação foi permitida foi porque as regras da competição foram feitas sem contar com isso e como tal vão ser revistas. É algo que acontece frequentemente no desporto motorizado e como tal não belisca a legitimidade do campeonato. Outras coisas sim. As cenas que vimos em Valência sim foram um triste espetáculo, assim como a bandeira preta mostrada a Di Grassi para depois aparecer classificado. Se a bandeira preta ainda significar desclassificação, não faz sentido que o brasileiro tenha apenas sido castigado com um Drive Through. A Audi tinha a convicção que não tinha errado e com isso cometeu outra ilegalidade que foi manter o piloto em pista, desrespeitando a ordem dos comissários. Estando em falta no primeiro caso, também está no segundo e deveria ter sofrido as consequências disso. Estas pequenas confusões que vão surgindo regularmente não beneficiam o espetáculo.

Sabemos que a Fórmula E pretende ser diferente e basta olhar para o formato da qualificação para entender isso. Mas o campeonato deixou de ser uma novidade que tenta conquistar fãs. É uma competição estabelecida com pilotos e marcas de topo e os fãs do desporto motorizado querem ver um espetáculo interessante, mas que ao mesmo tempo não seja demasiado artificial. Na Fórmula E vemos por vezes comportamentos e decisões que parecem apenas promover discussão e não o bom espetáculo. E se Fórmula E quer ser um campeonato do mundo, tem de ter padrões que o justifiquem e que são claros noutros campeonatos do mesmo calibre.

Não podemos negar que é interessante ver 10 candidatos ao título para a última jornada, mas desses dez, quantos são verdadeiramente merecedores de estar nessa posição? Se o desporto automóvel deve ser uma meritocracia, no caso da Fórmula E vermos pilotos que deveriam estar na frente largar do fim do pelotão apenas porque o formato leva a isso, começa a ter um sabor cada vez mais amargo, independentemente de termos ou não um português nas contas do título.

Quanto a esperteza da Audi… cada um terá a sua opinião. Muitos defendem que foi um golpe de génio, outros torcem o nariz à falta de fair play da equipa. Pessoalmente estou dividido. Sou um apreciador do jogo do “gato e do rato” entre as equipas e os legisladores, com as equipas a tentarem encontrar vantagem onde outros não a viram. Prefiro ver esse jogo no plano técnico, mas é também interessante quanto passa para o plano desportivo. Mas por outro não consigo deixar de ter a sensação de que o que a Audi fez não é certo. E se por um lado defendo que as equipas devem explorar todas as possibilidades para terem vantagem, continuo a questionar-me se o que a Audi fez não está já para lá disso, sem chegar a uma conclusão clara.

O que mantenho é que não é este episódio que tira prestígio à competição, mas entendo que possa ser a gota de água que foi enchendo com outros pormenores que sim retiram alguma beleza e pureza ao espetáculo.

Por fim fica um pequeno desafio ao leitor. O que acha da “manobra” da Audi? Uma jogada inteligente, ou uma falta de respeito pelo espírito desportivo e pelos adversários?

ERRATA – A classificação da corrida foi alterada com Lucas di Grassi a aparecer desclassificado, ao contrário do que visto nos documentos oficiais lançados pela FIA após a corrida.

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12 Comentários
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Cágado1
3 anos atrás

Este ano tem sido um ano de total descredibilização da Fórmula E. depois dos anos de grande crescimento anteriores. Demasiada agressividade em pista; regulamentos técnicos por vezes mal explicados, que deviam ser mais fáceis de obrigar a não furar; a enorme palhaçada de Valência; a situação de competição artificial dos grupos de qualificação… Vejo a FE desde o seu início, primeiro como uma curiosidade, depois como uma competição interessante, agora, cada vez mais, como uma fonte de irritação. Têm muito a pensar no próximo defeso para continuarem a ser um desporto cativante. Não tenho nada contra o que a Audi… Ler mais »

Homem_do_Leme
Homem_do_Leme
Reply to  Cágado1
3 anos atrás

Completamente de acordo com o que afirma e se é isto que representa o futuro do desporto automóvel estamos muito mal! Para além de tudo o que refere ainda temos a aberração do fanboost! Que raio é aquilo? A FE é supostamente uma competição para medir a capacidade dos pilotos e das equipas, não uma passagem de modelos. Só falta criarem um boost para o piloto mais bem vestido, para o mais bem cheiroso ou para a equipa que usa os carros mais bonitos! Como se não chegasse ainda temos uma organização que nem para gerir condomínios manhosos servia… Para… Ler mais »

addicta
Reply to  Cágado1
3 anos atrás

Completamente de acordo. Curiosidade, interessante e agora uma fonte de irritação. A quantidade de coisas sem sentido que acontecem neste campeonato é enorme

bastos76
bastos76
Reply to  Cágado1
3 anos atrás

De acordo. Se não era proibido, era legal,não uma trapaça, como alguns disseram. Incrível que outros não tenham visto a brecha no regulamento e feito a mesma manobra (incompetentes?). Ruim para o espetáculo são os julgamentos que dependem da interpretação dos comissários de prova. Para falar a verdade, ainda naestou convencido de que o carro não parou. Tanto que disseram que não parou “o suficiente”. O que é “parar o suficiente?”. Fica a dúvida se a interpretação teria sido a mesma caso a Audi estivesse comprometida a permanência no campeonato. A vitória de Di Grassi o colocaria em 3° no… Ler mais »

Pitão
Pitão
Reply to  Cágado1
3 anos atrás

Concordo, o que me leva a dizer, e infelizmente para o nosso Grande Piloto António Félix da Costa, que isto não é uma competição a sério, servirá talvez, para as marcas desenvolverem a mobilidade elétrica, mas aquelas regras todas confusas e que baralham demais, tornam tudo muito artificial.

bastos76
bastos76
Reply to  Cágado1
3 anos atrás

https://www.autosport.pt/velocidade/formula-e/formula-e-filipe-albuquerque-a-jogada-da-audi-foi-genial/

O que dirão agora aqueles que condenaram a tentativa inteligente da Audi de ganhar vantagem DENTRO DO REGULAMENTO?

FormulaTwo+1
3 anos atrás

A isto chama-se passar à frente da fila. Não é a mesma coisa do que chegar à liderança a pulso por mérito! Ou ser “inteligente”. É sim coisa de Xico-Esperto. E tão Xico-Esperto foi di Grassi como a Audi. Mas vindo destes últimos e do grupo VW, a xico-espertice é coisa endémica e recorrente! Para a próxima nem se dêem ao trabalho de arrancar para a corrida – mandem logo o Grassi a pé e a correr ocupar o lugar mais alto do pódio antes dos outros cortarem a meta!

Last edited 3 anos atrás by FormulaTwo+1
gtman
gtman
3 anos atrás

Não se esqueçam que o Senna fez a volta mais rápida em Donnigton 1993 passando pelas boxes. Sambém porquê? Nada o proibia….Aqui parece-me o mesmo.

Pity
Pity
Reply to  gtman
3 anos atrás

Sim, fez lembrar Donnington, mas aí não havia safety car na pista, nem limite de velocidade na via de boxes (ainda). Também nunca cheguei a perceber a razão dessa passagem pelas boxes.

Pity
Pity
3 anos atrás

Pelo texto, parece-me que o Fábio Mendes não tomou conhecimento de que a classificação foi rectificada, com o di Grassi a ser desclassificado de facto.

Não me chateies
Não me chateies
3 anos atrás

O título de circo nunca esteve tão apropriado para uma série como para a fórmula e, mas há coisas no circo para além dos palhaços. A fórmula e então não é um circo é sim uma palhaçada completa com as suas regras estúpidas.

Last edited 3 anos atrás by Não me chateies
peudreot106rallye
3 anos atrás

Coisas como DRS, BOP , grelhas invertidas…

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