Fórmula E: A aurora de uma nova era
Está tudo pronto para o arranque de uma nova era na Fórmula E. Os novos regulamentos técnicos e desportivos entram em cena, na esperança de relançar o campeonato 100%, depois de uma fase de menor fulgor.
De 2018 a 2022, os Gen 2 consolidaram a Fórmula E como um campeonato de topo a nível mundial. Se os Gen 1 permitiram apresentar o campeonato ao mundo e lançar as bases para o sucesso, os Gen 2 foram os responsáveis pelos melhores momentos do campeonato até agora. Foi com eles que a Fórmula E atingiu o estatuto de campeonato do mundo, foi com eles que as corridas se aproximaram do formato convencional, sem as caricatas mudanças de carro a meio da corrida, que em nada abonaram a favor da “causa elétrica”. Os Gen 2 foram um grande passo positivo e um pouco à imagem das bandas de música, foram o segundo álbum bem-sucedido e crucial para a confirmação de uma carreira de sucesso.
Foram quatro épocas de evolução em que vimos quatro campeões diferentes. Jean-Éric Vergne foi o primeiro a festejar o título com os Gen 2, tornando-se no primeiro bicampeão da modalidade, representando a DS Techeetah, equipa que festejou também o título de António Félix da Costa, na difícil época 2019/2020, fustigada pela COVID-19, mas que deu o merecido título ao piloto luso. Seguiu-se a passagem de testemunho, com Nyck de Vries a conquistar o primeiro título mundial de Fórmula E, pela Mercedes, imitado pelo seu colega Stoffel Vandoorne, o último campeão desta segunda geração, na despedida da Mercedes. Quatro campeões diferentes, duas equipas vencedoras do título de construtores. Os Gen 2 serão recordados como fundamentais para o sucesso da competição, mas foi também nesta geração que começamos a assistir ao primeiro abrandamento do crescimento do campeonato. Desde 2021 que assistimos à saída das marcas alemãs da competição, com BMW, Audi e Mercedes a despedirem-se dos elétricos, descontentes com o alcance e com algumas opções regulamentares. Era preciso um recomeço, um baralhar e dar de novo, e a Geração Três não podia vir numa altura melhor.
Nova geração, novas equipas
No final de 2021 foram apresentadas as linhas mestras da nova geração. Sustentabilidade era a palavra de ordem com monolugares mais eficientes, mais potentes, com uma pegada de carbono neutra. Era uma Fórmula E melhor, mais apelativa, mais rápida e, acima de tudo, mais amiga do ambiente que se pretendia. Quanto ao aspeto dos carros, tivemos de esperar mais uns meses. Em maio de 2022, as linhas dos novos monolugares foram mostradas ao mundo no Mónaco e ninguém ficou indiferente. Alguns adoraram, outros odiaram, mas os Gen 3 marcaram pela sua originalidade e o seu caráter. Seguiram-se meses de desenvolvimento intenso e testes, em que as marcas prepararam as suas unidades motrizes e as equipas começaram a conhecer melhor as máquinas com que enfrentarão a próxima época.
Apesar da saída de marcas importantes, outras juntaram-se à competição elétrica, que não sentiu muito o abandono dos gigantes germânicos. Outras equipas reformularam a sua estrutura e mudaram de fornecedores de Unidades Motrizes (UM). Mantiveram-se a Avalanche Andretti (UM Porsche), Nissan (UM Nissan), que comprou a e.DAMS para ter uma equipa própria, Envision (UM Jaguar), Porsche (UM Porsche), Mahindra (UM Mahindra), Jaguar (UM Jaguar) e a NIO (UM NIO) entrando em cena a Maserati (UM Maserati), McLaren (UM Nissan), CUPRA (UM Mahindra) em colaboração com a ABT e a DS juntou-se à Penske (UM DS).
O que muda nos carros?
O Gen3 é o primeiro carro de corrida do mundo concebido e otimizado especificamente para corridas em traçados citadinos. Embora os programas de desenvolvimento aerodinâmico tenham sido fulcrais na busca de mais desempenho nas mais diversas categorias do desporto motorizado, os Gen3 impulsionam a engenharia de software como um novo campo de batalha para a inovação e competição no desporto motorizado. As atualizações de desempenho do Gen3 serão entregues como atualizações de software diretamente ao sistema operacional avançado incorporado no automóvel.
As inovações de conceção, engenharia e produção para o carro de corrida Gen3 incluem:
Desempenho:
- O carro de Fórmula E mais rápido de sempre com uma velocidade superior a 320 km/h.
- O carro de corrida de fórmula mais eficiente de sempre com mais de 40% da energia recuperada em corrida, produzida por travagem regenerativa no eixo dianteiro.
- Cerca de 95% de eficiência energética de um motor elétrico fornecendo até 350 kW de potência (470 CV), em comparação com aproximadamente 40% para um motor de combustão interna.
- Primeiro carro de fórmula de sempre, com motores à frente e atrás. Um novo grupo propulsor dianteiro adiciona 250kW aos 350kW na traseira, mais do dobro da capacidade regenerativa do atual Gen2 para um total de 600 kW.
- O primeiro carro de fórmula que não terá travões hidráulicos traseiros com a adição do grupo propulsor dianteiro e a sua capacidade de regeneração.
Sustentabilidade:
- As baterias Gen3 estão entre as baterias mais avançadas e sustentáveis jamais fabricadas, consistindo em minerais de fonte sustentável, enquanto que as células de bateria serão reutilizadas e recicladas no fim da sua vida útil.
- O linho e a fibra de carbono reciclada foram utilizados pela primeira vez na construção da carroçaria, num carro de fórmula com fibra de carbono reciclada de carros Gen2, reduzindo a quantidade total de fibra de carbono virgem utilizada. Isto irá reduzir a pegada de carbono da produção da carroçaria Gen3 em mais de 10%. Todos os resíduos de fibra de carbono serão reutilizados para novas aplicações através da adoção de um processo inovador por parte da indústria aeronáutica.
- A borracha natural e as fibras recicladas constituirão 26% dos novos pneus Gen3 e todos os pneus serão totalmente reciclados após as corridas, agora fornecidos pela Hankook, que tomou o lugar da Michelin como fornecedora de pneus.
Em resumo, temos carros mais pequenos, mais leves, mais potentes, mais eficazes, pensados especificamente para lutas em traçados citadinos. A relação peso/potência é agora muito mais favorável, o que tornará os carros mais desafiantes de pilotar. O compromisso ambiental mantém-se e a forma como estes carros são pensados e concebidos. Os resultados práticos desta mudança deverão ser conhecidos já no próximo fim de semana, mas esperam-se corridas mais espetaculares, mais lutas, maiores desafios para os pilotos.
Estas mudanças devem-se também à adoção de novas baterias fornecidas pela Williams Advanced Engineering. As baterias são mais leves e se as dos Gen2 pesavam 385kg, as baterias dos Gen3 pesam 284 kg, com uma capacidade de 51 kWh (menos 3 kWh que as baterias anteriores). A redução do peso das baterias foi um passo enorme mas trouxe uma ligeira menor capacidade, que seria compensada pelos abastecimentos a meio da corrida. Como montra dos carregamentos rápidos, a Fórmula E pensou introduzir abastecimentos nas provas, em que os pilotos entram nas boxes e conseguem recarregar as baterias em 30 segundos, com uma capacidade de carga de 600kW, quase o dobro dos pontos de reabastecimento mais rápidos do mundo (350kW). No entanto, a nova tecnologia tem-se revelado desafiante e alguns problemas nas baterias levaram a que os abastecimentos, chamados de “Attack Charge”, sejam introduzidos mais tarde durante esta época (se chegarem a ser introduzidos). É um pequeno revés, mas compreensível face ao passo tecnológico que se está a tentar dar.
Mas este passo traz também dificuldades noutros campos. A maior complexidade dos carros, com a introdução de uma unidade regeneradora no eixo dianteiro, pode significar que um acidente num treino ou qualificação seja terminal, pois as equipa revelaram em Valência que é impossível reconstruir um carro num dia apenas, pelo que acidentes mais violentos poderão resultar no fim da participação do piloto nesse fim de semana. Lucas di Grassi disse que estes carros são mais frágeis e, dada a quantidade de toques que acontecem na Fórmula E, poderemos ter mais pilotos e fãs frustrados.
Os carros não tiveram um nascimento fácil e além dos atrasos nas entregas dos chassis às equipas, além de atrasos em peças sobressalentes, problemas nas baterias, problemas com o potencial de causar uma falha catastrófica no sistema de travagem, os tempos em pista não entusiasmaram, sendo que a melhoria se situa atualmente nos 0.6 seg. Muito pouco para um carro que se esperava muito mais rápido, mas que está ainda a dar os primeiros passos e que poderá ainda evoluir muito, quer ao nível do software, quer até ao nível dos pneus, com a Hankook a ter aparentemente sido conservadora na aposta que fez nas borrachas.
Será assim um começo de época tenso, pois a fiabilidade dos novos sistemas poderá dar dores de cabeça e a nova filosofia dos carros exigirá uma abordagem diferente por parte de todos os envolvidos. No papel as mudanças são espantosas, na prática ainda não chegaram onde se pretende. Será preciso ter paciência, numa altura em que a Fórmula E precisa de resultados positivos.
O que muda nos regulamentos desportivos?
Quanto aos regulamentos desportivos há algumas mudanças significativas, mas, no geral, as linhas mestras mantêm-se. Os dez primeiros pilotos pontuam, seguindo o sistema mais usado em competições FIA (25,18,15,12,10, etc), com três pontos extras para a qualificação e um ponto extra para a volta mais rápida, se o piloto que a fizer terminar no top 10.
Cada fim de semana será constituído por dois treinos livres de 30 minutos. À imagem do que acontece na F1, as equipas terão de colocar pelo menos dois pilotos estreantes no Treino Livre 1 ao longo da época.
A qualificação mantém o mesmo formato do ano passado, com dois grupos de 11 pilotos, com os quatro primeiros de cada grupo a passar para a fase a eliminar. O piloto vencedor do duelo final fica com a pole, enquanto o segundo classificado fica em segundo lugar. Os semifinalistas alinharão em terceiro e quarto lugar, os que ficaram nos quartos de final entre o quinto e o oitavo – de acordo com os seus tempos de volta. Os restantes pilotos que competiram no grupo do pole sitter, irão preencher as posições ímpares na grelha. Os pilotos correspondentes do outro grupo serão classificados nas posições pares da grelha. Assim, se o pole sitter vier do Grupo 1, o quinto piloto no Grupo 1 alinhará em nono lugar na grelha e o quinto piloto no Grupo 2 ocupará o 10º lugar e assim sucessivamente. Na fase de grupos os pilotos usarão o modo de 300 kW de potência e nos duelos será usado o modo de 350kW.
Ao contrário do ano passado, as corridas terão um número de voltas predefinido e não um tempo total. Podem ser adicionadas se o Safety Car entrar em pista e para as interrupções Full Course Yellow, com as voltas totais a serem adicionadas anunciadas três voltas antes do fim da E-Prix.
Com a introdução do Attack Charge ( paragem obrigatória de 30 segundos para desbloquear dois períodos ATTACK MODE com os carros a funcionar a 350 kW depois de um carregamento de 4kW) adiada, o Attack Mode mantém-se, com a potência a passar dos 300, para os 350kW, depois de passar pela zona de ativação. Mas ao contrário do ano passado, em que era a FIA que escolhia o tempo de Attack Mode e o número de ativações, este ano a opção recairá sobre as equipas. Sob o novo sistema, os pilotos terão um máximo de quatro minutos de Attack Mode com uma gama de opções à escolha: 2+2 minutos, 1+3 minutos ou 3+1 minutos.
Quanto à alocação dos pneus, cada piloto não pode utilizar mais do que quatro pneus novos traseiros e quatro pneus novos dianteiros para cada evento. Para uma jornada dupla com duas corridas por fim de semana, os pilotos recebem seis pneus dianteiros e traseiros para utilizar ao longo de todo o fim-de-semana.
O Calendário de 2023
As novidades do também se estendem no calendário, que conta com 16 corridas, em 11 fins de semana. O arranque da época será pela primeira vez no México, seguindo-se Diriyah e as estreias de Hyderabad (Índia), Cidade do Cabo (África do Sul) e São Paulo (Brasil), com Portland a substituir Nova Iorque nos EUA. Londres recebe a última do ano.
Ronda | País | Cidade | Data |
1 | México | Mexico City | 14 janeiro |
2 | Arábia Saudita | Al-Diriyah | 27 janeiro |
3 | Arábia Saudita | Al-Diriyah | 28 janeiro |
4 | Índia | Hyderabad | 11 fevereiro |
5 | África do Sul | Cidade do Cabo | 25 fevereiro |
6 | Brasil | São Paulo | 25 março |
7 | Alemanha | Berlim | 22 abril |
8 | Alemanha | Berlim | 23 abril |
9 | Monaco | Monte Carlo | 6 maio |
10 | Indonésia | Jacarta | 3 junho |
11 | Indonésia | Jacarta | 4 junho |
12 | EUA | Portland | 24 junho |
13 | Itália | Rome | 15 julho |
14 | Itália | Roma | 16 julho |
15 | Reino Unido | Londres | 29 julho |
16 | Reino Unido | Londres | 30 julho |
O que esperar?
É ainda cedo para tirar conclusões. Nos testes de Valência, a Maserati destacou-se sendo a mais rápida no conjunto dos três dias de testes, com a DS e a McLaren a darem também sinais positivos. Mas é muito pouco prudente tirar conclusões dos testes de Valência, numa altura em que as equipas procuram ainda conhecer os carros, como tirar melhor partido deles. Há muito trabalho pela frente, muito a evoluir e as primeiras corridas dificilmente nos darão uma ideia de tudo o que esta nova geração nos pode dar. Os carros estão ainda muito “verdes” e o fator fiabilidade vai contar muito. Apontar favoritos nesta fase é um exercício desnecessário. O grande teste será à Fórmula E no geral e à forma como as equipas evoluíram os carros. Espera-se que o espetáculo melhore, mas só com as primeiras corridas poderemos entender se é esse o caso.
A Eleven não vai transmitir?