Félix da Costa: “Sei que quando os adversários me vêem nos espelhos não gostam”
Entrevista a António Félix da Costa
Vai começar a nova temporada de Fórmula E. Quais são as tuas expetativas?
AFC: É complicado dizer. Sei que não vai ser um ano fácil. Aliás, vimos de um ano complicado com a Andretti. Já sabíamos que ia ser assim. Está a acontecer uma transição grande na equipa com a entrada da BMW em 2016/2017. Esta temporada está a envolver-se um pouco mais. Mas, de facto, a BMW só vai entrar em grande na próxima época. Por isso, toda esta transição com a não está a ser fácil entre a equipa alemã e a equipa americana. Já sabia quando entrei na equipa que ia ser assim. O plano a longo prazo é muito bom e se calhar agora temos de sofrer um bocadinho. A Fórmula E cresceu muito. A competitividade entre as equipas é elevada. Todos melhoraram muito. As equipas estão com orçamentos muito altos. Quem não fizer bem o trabalho irá sofrer um bocado. As corridas são tão diferentes com esta gestão de energia, das baterias, toda a estratégia que envolve os circuitos citadinos. É muito fácil errar. Mesmo não estando tão competitivo, acredito que há sempre hipóteses, janelas de oportunidades para se fazerem bons resultados.
Objetivos pessoais. O que se pode esperar?
AFC: Se conseguirmos marcar pontos numa base regular já seria uma época positiva. Principalmente, depois da época passada em que não estivemos à altura. Não só porque o carro não era bom, mas também pelo nível em que operámos como equipa. Foi um nível fraco. Acho que nesse aspeto melhorámos bastante. Vamos ver se o carro nos ajuda e conseguimos estar mais próximo das equipas da frente.
Quais são as principais diferenças entre a Fórmula 1 e a Fórmula E?
AFC: A maior diferença é que na Fórmula E, o carro é totalmente elétrico. A própria Fórmula 1 já está a caminhar nessa direção. Já são motores híbridos em que os cerca de 200 cavalos de potência do motor já vêm do motor elétrico. A Fórmula E é toda elétrica. Essa é realmente a maior diferença. A filosofia do campeonato é diferente. Usamos menos aerodinâmica, usamos pneus de estrada, corremos só no centro das cidades. Todo o conceito da Fórmula E é diferente.
O que é o “Fan Boost”?
AFC: Algo com que os fãs podem ajudar ou influenciar diretamente o resultado da corrida, ou a maneira como a corrida se desenvolve. É uma votação que decorre na semana antes da corrida. Os três pilotos mais votados ganham 6 segundos de potência extra. Pode influenciar uma ultrapassagem, uma defesa de posição e dá uma ajuda muito boa.
Como é que os portugueses podem votar em ti?
AFC: Indo ao site da Fórmula E ou à aplicação. É muito fácil. Algo que o campeonato usa e divulga muito. No Twitter, no Instagram. Basta usar o #fanboost com #AntonioFelixdaCosta num post do Instagram ou do Facebook ou num twitt ou na página da Fórmula E. Conta tudo. Se no final for dos mais votados vai ajudar-me a chegar à frente.
Acreditas que ter um português na Fórmula E vai atrair mais público para a modalidade?
AFC: Eu acho que sim. Somos um país pequeno. Claro que chamará mais à atenção quando começarmos a andar na frente. Os resultados são o meio de comunicação mais forte. Acima de tudo. Trabalho para andar na frente. Sinto que há muita gente que apoia, principalmente nos maus momentos. Vou trabalhar para andar na frente, como o fiz na primeira e na segunda temporadas. Com esta nova equipa e este novo projeto com a BMW, temos de trabalhar para andar na frente e talvez quem sabe trazer uma corrida para Portugal. Isso seria a cereja no topo do bolo.
A Fórmula E é uma disciplina que tem um nível de espetadores com a idade mais baixa das grandes competições internacionais (24-25 anos de média) enquanto a Fórmula 1 tem uma média mais alta (53 a 55 anos). Porque achas que isso acontece?
AFC: A Fórmula E é um conceito totalmente diferente da Fórmula 1 na forma como o campeonato é construído. Os fãs da Fórmula 1 não são o fã da Fórmula E. É uma coisa distinta. Talvez 10 a 15 por cento sejam as mesmas pessoas. A grande diferença é corremos nos centros das cidades. É um campeonato “eco friendly”. Não fazemos barulho, não temos poluição. Basicamente, as pessoas não têm de se deslocar para ir às corridas. As corridas é que se deslocam para chegar às pessoas. Depois todo o evento durante o dia é quase como um festival. Temos zonas para crianças, para adultos, é muito mais fácil o adepto ou fã chegar mais perto do carro e do piloto. Acho que chama muito mais o fã a vir ver uma corrida de Fórmula E, principalmente os mais novos. É mais fácil vir ver uma corrida de Fórmula E. À medida em que o mundo vai mudando e caminhamos para esta nova fase de carros elétricos, a Fórmula E vai crescer com isso.
Quando te sentas num Fórmula E e depois mudas para um BMW, o que é que muda no teu “mindset”?
AFC: Tudo! Muda tudo! O Fórmula E é um carro tão diferente de qualquer outro carro. Temos pneus de estrada, que usamos quer esteja a chover ou seco. Isso é uma jogada de marketing do campeonato para mostrar que somos um campeonato “eco friendly”. Depois temos um carro totalmente elétrico. A distribuição do peso do carro, neste momento, é muito na traseira devido ao peso das baterias. O próprio estilo de condução, também por estarmos em circuitos citadinos, tem de mudar. Os GT da BMW (M6 ou M8), um num DTM, são verdadeiros protótipos que se guiam mais como um carro de corridas convencional. Os Fórmula E são tão diferentes. Uma pequena vantagem que tenho é de nunca guiar só um carro numa temporada. Acabo por guiar, no minino, três ou quatro diferentes e acabo por me adaptar rapidamente aos estilos diferentes de condução.
Vamos ouvir falar muito no de duas palavras ao longo da temporada: “Lift & Coast”. Podes explicar o que significam?
AFC: Para chegarmos ao final de uma corrida de Fórmula E não podemos ir sempre a fundo. Temos uma corrida de cerca 45 a 55 minutos e temos dois carros para utilizar nessa corrida. A forma mais rápida seria dividir a corrida a meio, mas nem sempre é assim e entra em jogo alguma estratégia. Basicamente para chegar ao final da corrida, como não posso ir a fundo, faço “lift & coast” antes de cada travagem. Ou seja, levanto o pé do acelerador (o “lift”) e de seguida o carro anda um pouco sem resistência, sem travar, simplesmente a rolar, ou seja, está em “coast”. Há várias estratégias de “lift & coast”. É aí que as estratégias das equipas, graças ao software de management de energia, podem fazer a diferença. Basicamente o “lift & cost” é isso: levantar o pé antes da travagem e esses 50, 60, 70, 80 metros que fazemos sem recorrer ao acelerador, no fim de meia hora fazem uma grande diferença na energia que poupámos para chegar ao final da corrida.
Quem foi a pessoa que te influenciou a seguir a carreira de piloto?
AFC: Foram as pessoas: os meus dois irmãos mais velhos Duarte e João. Eles já corriam e quando era miúdo ia ver as corridas deles. Se calhar foi aí que ganhei o “bichinho”. Mais do que isso, ajudaram-me muito. Depois houve o Michael Schumacher e Ayrton Senna. Era ainda muito miúdo. Depois, mais à frente, quando estive muito envolvido com a Fórmula 1 aprendi imenso com o Sebastian Vettel. A maneira como trabalho, hoje em dia, foi muito influenciada por ele.
Já passaste por outras categorias. Atualmente estás na Fórmula E. Se não estivesses, o que gostarias de fazer?
AFC: Sinceramente acho que quando se deu a não entrada na Formula 1 e aconteceu a entrada na DTM, fui muito feliz ali e eu via-me a ficar muitos anos. Depois de ter ficado 3 anos, e tomar outro rumo na minha carreira, foi a decisão acertada. Renovei contrato com a BMW. Acho que o que se segue será muito bom. Tenho um objetivo de carreira: gostava de ganhar algumas corridas importantes, especialmente de resistência, como são as 24 Horas de Spa, Daytona, Le Mans ou Nurburgring-Nordschleife. Mas também correr na IndyCar, é um sonho que gostava muito de concretizar. Estando envolvido na Fórmula E, um dos objetivos passa por lutar pelo campeonato. Neste momento, estamos a angariar as armas para que isso seja possível e no dia que achar que tenho essas armas, essas condições, obviamente vou lutar.
Quando não estás a pilotar, praticas outros desportos?
AFC: Sim. Treino muito. Acho que o “mindset” que tive na preparação para a Fórmula 1 manteve-se. Tenho treinadores e fisioterapeutas que continuam a acompanhar-me e tenho grande prazer em treinar e manter-me em forma. Por isso, o meu dia a dia passa muito por aí. Depois fazer surf, jogar futebol, ténis, várias coisas…gosto de juntar vários desportos e não ser só bom nas corridas. Dá-me prazer em fazer bem.
País ou local ideal para fazer férias?
AFC: Portugal! Eu passo tanto tempo fora. Este ano já vou com mais de 100 voos. Quando volto a casa é mesmo o sitio onde quero estar.
Momento ou corrida marcante da carreira?
AFC: Tenho alguns. Momentos bons, claramente a vitória em Macau, as duas até. A primeiro veio numa altura em que estava num “hype” grande, tudo corria bem, e complementar essa fase da minha carreira com uma vitória em Macau foi realmente muito forte. A segunda vitória em Macau talvez ainda mais, porque não estava à espera. Ninguém concordou com a minha segunda ida a Macau e foi realmente muito bom. Depois momentos que marcaram… corridas importantes como as 24 Horas de Nurburgring no ano passado – fomos o melhor BMW até seis horas do fim. Toda essa preparação marcou-me muito. A primeira vitória no DTM. E claramente ter andado com os quatro carros campeões do mundo de Fórmula 1 que a Red Bull tem. Sem dúvida, memórias que vão ficar.
Qual é o teu circuito favorito?
AFC: Tenho dois: Nordschleife, em Nürburgring, e o de Macau. São dois circuitos tão distintos mas, ao mesmo tempo, com características tão parecidas, ao nível de perigo, do empenho do piloto. Só há uma forma de ser rápido: não é bem ter um parafuso a menos, mas pelo menos um pouco desapertado tem de estar. E se não for assim, é impossível ser rápido nesses circuitos.
Como é que te preparas antes de uma corrida?
AFC: Nunca é só o momento antes. Nós vimos de semanas de preparação. Essa meia-hora antes passa por alongamentos, aquecimentos, fazer sempre a mesma rotina. Sou muito tranquilo. Não me fecho. Não fico sozinho. Oiço um bocado de música. Estou à conversa com os meus engenheiros ou mecânicos, porque sei que é importante motivá-los e eles querem o mesmo que eu. É importante conversar e estar perto de pessoas que naquele momento estão a trabalhar para o mesmo. Assim a nossa motivação e “mindset” cresce em conjunto.
És supersticioso? Tens pequenos rituais antes da corrida?
AFC: Não. A única coisa é que entro no carro sempre pelo lado esquerdo. No DTM não tinha outra hipótese, nem nos GTs. Na Fórmula E, às vezes não é possível. Quando fazemos a troca de carro, obriga-me a saltar pelo lado direito. Mas não sou supersticioso. O que vier, veio.
O que não pode faltar na tua mala?
AFC: Roupa. Sempre que perco a mala é um filme gigante. Nada de especial. Uma coisa simples. Um par de boxers para cada dia e está feito.
Há muita adrenalina após uma corrida. É fácil voltar ao normal?
AFC: É importante, quer se ganhe ou perca, voltar à rotina rapidamente. Na maior parte das segundas-feiras a seguir às corridas, volto ao ginásio, voltou a treinar, como se não fosse nada, seja uma vitória importante, menos importante, uma derrota que nos custe um pouco mais. O importante é voltar à rotina e não ficar a pensar tanto no bom ou no mau resultado. É importante, mesmo nos maus, usarmos essa energia para nos voltar a motivar.
Andas rápido na estrada? Tens o pé pesado no acelerador?
AFC: Não! Hoje em dia, se puder andar ao lado ou atrás no carro, ainda melhor. Tenho a sorte de largar toda a minha adrenalina nos circuitos e quando chego à estrada quero é andar devagar.
A tua família e amigos consideram-te uma pessoa acelerada ou calma?
AFC: Sou um bocado acelerado a nível de horários. Ao longo destes anos todos com a BMW, tornei-me um bocadinho alemão. Tenho o dia contado, sou pontual, gosto de fazer as coisas bem, tenho quase um itinerário para o dia. Quando vejo alguns atletas de outras modalidades, por exemplo do surf, é completamente o oposto. Não têm horas para nada; é o que for. Vejo uma grande diferença. Acho até que quem está mal sou eu. Não estou muito adequado ao estilo de vida dos meus amigos e da família. Tornei-me assim. Foi uma forma que encontrei de ser metódico e fazer as coisas à minha maneira.
Objetivos pessoais e profissionais para 2018.
AFC: Para já o meu ano está para ser confirmado. Espero que seja muito em breve. Sei que a BMW quer confirmar o programa completo de todos os pilotos ainda antes do Natal. Acho que estão a finalizar tudo isso. Tenho confiança que irei ter um programa muito preenchido. Foi para isso que andei a trabalhar. Não escondo que estar presente no WEC (Campeonato do Mundo de Resistência, ndr), com o M8 GTE, será o meu objetivo para 2018. Estive muito envolvido nos testes com esse novo carro. Se isso puder acontecer e conciliar os dois campeonatos, a Fórmula E e o WEC, seria ótimo. Estar no WEC com um carro novo e ganhar Le Mans é um objetivo e um grande feito. Deus queira que se venha a confirmar ser esse o meu programa.
Como gostarias de ser recordado como piloto?
AFC: Como um lutador. Acho que nunca baixo os braços. Já consegui várias reviravoltas. Quando tudo estava mal, consegui sair por cima. É um bocado essa a imagem que tento passar. Sei que quando os adversários me veem nos espelhos não gostam. Isso é um bom sinal. Sou um piloto agressivo, às vezes até demais. A mensagem importante a passar é que mesmo vindo de país pequeno como o nosso, nada é impossível. Estive muito perto da F1. Se visse alguém nessa posição, gostava de ajudar a que isso fosse possível. Mesmo vindo de um país pequeno, se trabalharmos e formos bem-sucedidos, podemos alcançar os melhores do mundo.
Fonte: Eurosport
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