F2 ‘cobaia’ da F1: Quando os pneus são um problema, mas não o problema…
Ao equipar os seus monolugares com pneus Pirelli de jante 18” na temporada transata, a Fórmula 2 serviu como cobaia para a Fórmula 1. Esta mudança para um pneu de dimensão maior deu enormes dores de cabeça às equipas, mas desta vez a marca italiana está inocentada.
Com a introdução dos pneus de jante 18” inicialmente prevista para 2021, e depois adiada para 2022, a Pirelli e a FOM decidiram por bem começar a testá-los na F2 na pretérita temporada. A verdade é que não foi a primeira vez que a F2 serviu de laboratório de ensaios para a F1. Contudo, com uma construção diferente, as especificações dos actuais pneus de F2 não são iguais aquelas a utilizar pela F1 por um número de razões enumeradas por Mario Isola: “nível de performance, o facto de não usarem cobertor de pneus, etc”. No entanto, 2020 serviu para a Pirelli “identificar problemas” antes da mudança da categoria rainha do desporto motorizado.
Os quatro pneus e as quatro jantes maiores traduziram-se num peso superior a 30kg nos Dallara F2/18, uma enormidade num monologar que pesa cerca de sete centenas de quilogramas. Ao mesmo tempo, as equipas viram-se obrigadas a trocar, entre outros, os braços de suspensão, o fundo plano e os cubos de rodas. Para que o carro mantivesse performance, e porque introduzir novas asas traria um custo proibitivo, o mapa do motor foi mexido para que o V6 de 3,4 litros turbo da Mecachrome ganhasse mais 20 cavalos, para além do fundo plano ter sido alongado para criar mais “downforce” quando necessário.
Para a Pirelli a temporada passada teve um saldo positivo, “pois do nosso lado não tivemos muitos desafios, pois tivemos um bom programa de testes em 2019 a pensar em 2020, portanto, todos os potenciais problemas foram cobertos e corremos com o que é de facto um produto bem estabelecido”, disse um porta-voz da marca ao AutoSport. “O desafio foi mais para as equipas e pilotos, em adaptarem os seus carros e estilos de condução aos pneus, que obviamente tinham características diferentes dos anteriores”.
A introdução destes novos pneus obrigou as equipas e pilotos a repensarem as suas corridas. Segundo François Sicard, Team Manager da DAMS, “as jantes 18” significaram que as características dos pneus são muito diferentes do passado (ndr: quando eram jante 13”). Não é uma tarefa fácil conseguir colocar os pneus na janela de temperatura correcta e é algo que precisa sempre de ser muito trabalhado”. Por outro lado, como atesta o piloto russo Robert Shwartzman, para os homens do volante o carro da F2, para além de mais reactivo, tornou-se “mais difícil em algumas circunstâncias, quando queres puxar numa curva,o limite é diferente comparado ao que era e há menos tempo para perceber que estás a sobrevirar. Claro, a direcção é mais pesada”.
Para o pessoal técnico das equipas, esta mudança trouxe vários amargos de boca. “Este carro, que anteriormente já não era o mais fiável, não foi construído de raiz para este tamanho de roda”, explicou ao AutoSport um engenheiro da categoria que preferiu manter o anonimato devido à sensibilidade do assunto. “A harmónica do carromudou completamente e as cargas a que está sujeito são muito diferentes das quandorodávamos com pneu de jante 13”. O carro precisa de uma outra manutenção, desaperta-se todo. Agora é preciso fazer muito mais revisões, até a componentes que anteriormente fazíamos apenas após dois ou três eventos. Cubos de roda ou rolamentos, ou o masterswitch, têm de ser revistos prova a prova. Depois, aconteceram ao longo da época problemas em componentes e elementos que eram fiáveis e que de um momento para o outro deixam de funcionar”. O comportamento dos pilotos em pista também passou a ter mais importância, “pois não podem passar por cima dos correctores com muita intensidade, tipo a chicane de Monza ou os correctores do Red Bull Ring. Os pneus de 18 polegadas, como nos carros de GT, têm uma parede lateral que tem menos influência na suspensão, comparando com os pneus de 13, que com uma parede lateral muito maior funcionava como parte da suspensão”.
Na teoria, nem todos os problemas encontrados pelos Dallara F2/18 em 2020 tiveram relacionamento directo com os pneus, basta lembrar o problema que houve com os depósitos de gasolina que não aguentavam a corrosão do novo combustível da Elf. “Todos os anos adicionámos mais metros de fios eléctricos aos carros”, diz o Didier Perrin, o director técnico do campeonato. “Adicionamos o TMPS (o sistema de controlo de pressão de pneus) e também o aviso áudio para os pilotos. Tudo isto é fantástico para a segurança, mas é bastante complexo para as viaturas, porque temos que adicionar colectores, fios e caixas, que são fontes de tantas avarias extra”.
A pandemia de Covid-19 também veio complicar a vida às equipas no espectro técnico. Os monolugares ficaram no Bahrein, desde o primeiro teste de pré-temporada, no final de Fevereiro, até ao dia 3 de Julho sem qualquer tipo de assistência técnica, e foram repatriados por via marítima, em vez de via área. Os carros foram armazenados por vários meses em locais provavelmente húmidos e salgados. Devido às restrições impostas, as equipas só podem usar doze elementos, o que torna mais difícil para (as mesmas) resolver problemas com os monolugares nos circuitos. “As interrupções foram quase todas relacionadas a problemas elétricos, e muitos componentes, juntamente com sal e humidade, voltaram enferrujados e oxidados do Bahrein”, afirmouDidier Perrin.
Como o chassis Dallara F2/18 e o motor Mecachrome V634T vão continuar de serviço até ao final de 2023, numa iniciativa para conter os custos, as equipas terão de se adaptar à nova realidade. Felizmente, a Pirelli não prevê mudar as misturas para a nova temporada. “Os pneus de 18 polegadas dos F2 são do mesmo tamanho que os futuros da F1, mas em muitas formas são diferentes, pois a energia e as cargas que os carros de F1 geram são muito maiores. Todavia, as misturas dos F2 de 2021 serão as mesmas de 2020, pois o carro é o mesmo. As corridas foram boas, portanto não temos necessidade de fazer alterações”, explicou fonte oficial da marca de Milão.
Na corrida de domingo do fim de semana de Sochi, o violento acidente entre Luca Ghiotto e Jack Aitken, causado por um furo quando ambos os carros se tocaram lateralmente a alta velocidade, gerou muito burburinho no paddock, tendo sido colocada em causa a perigosidade dos pneus. A Pirelli desvaloriza o alarido que foi feito na altura. “Obviamente que com um pneu maior, há uma área de superfície maior, portanto uma maior possibilidade para contacto com outros carros e com detritos na pista, mas isto só aconteceu uma vez durante a temporada, apesar dos vários toques, portanto não vemos razão para preocupação”, esclareceu fonte oficial da Pirelli.
Com os fabricantes de pneus a preferirem tamanhos maiores na competição automóvel, por razões comerciais, será este o futuro a longo prazo das corridas de monolugares? “Obviamente que a Pirelli forneceria pneus de 18 polegadas a outras competições como a F3, se exigível, mas por agora ainda não existiram discussões sobre este assunto…”