Entrevista a Ricardo Gomes: “Este é um projeto que queria muito que fosse inovador e diferenciador”

Por a 3 Junho 2020 15:56

Depois da estreia do Tesla P100D de Ricardo Gomes na Rampa Porca de Murça, aproveitámos para fazer um primeiro balanço do inovador projeto.,

Ricardo Gomes estreou na Rampa Porca de Murça aquela que é uma das grandes novidades do ano ‘motorizado’ em Portugal, o Tesla P100D EGT, o primeiro GT de competição totalmente elétrico do mundo. Pouco depois, o mundo ‘fechou’ às mãos da Covid-19, e quase três meses depois já foi possível tirar o carro da garagem e tentar resolver os problemas que surgiram um Murça, com um teste na pista de Braga. Oportunidade perfeita para “dois dedos de conversa”.

Tiveram alguns problemas com o carro em Murça. Tal como nos disseste na altura, o carro estava a ativar o ESP (sistema eletrónico de controlo de estabilidade), o que retirava potência ao motor sempre que viravas o volante. Conseguiram resolver? Imagino a complexidade dos sistemas eletrónicos do carro…

Bem na verdade conseguimos otimizar bastante o carro neste teste que realizámos em Braga. O problema de ativação do ESP não ficou ainda totalmente solucionado, apesar do carro se apresentar já muito mais competitivo. Temos uma equipa multidisciplinar composta por engenheiros de várias nacionalidades que estão a trabalhar no desenvolvimento de uma solução para isso neste momento.

Testaremos de novo nos próximos dias para perceber se já é possível contar com o carro a 100%.

Estás num processo de descoberta e aprendizagem do Tesla P1000 EGT. O que te surpreendeu mais em todo este processo, até aqui?

A diferente abordagem que sob o ponto de vista de condução nos é exigida enquanto pilotos de uma viatura destas, é talvez o fator mais surpreendente. Temos de ter uma capacidade de adaptação rápida a este carro e mudar a nossa forma de interação e abordagem na condução. É, claro está, um processo de aprendizagem contínua. Quando achamos que efetivamente estamos a ser rápidos e atingimos um patamar limite o carro surpreende-nos e dá ainda mais! É extraordinário este processo de conquistas permanentes.

Os adeptos “puros e duros” parecem renitentes em aderir aos elétricos. Pessoalmente, penso que é uma batalha que vão perder. O que queres dizer a quem prefere “ficar no passado” ao invés de “abrir a mente a coisas novas”?

Essa é uma discussão que tem que ser analisada quase do ponto de vista sociológico, diria ….(risos), todos nós somos apaixonados pelo desporto automóvel e motorizado e somos, de forma mais ou menos evidente saudosistas dos sons dos motores a combustão, do cheiro da gasolina, do ferodo queimado e da borracha. Eu adoro! Contudo não posso negar as potencialidades, a performance, e tudo aquilo que o futuro das energias alternativas nos reservam a este nível, sobretudo na competição de alta performance.

Se o fizermos corremos sérios riscos de sermos ultrapassados e quando tal se tornar algo inevitável, por mais dia menos dia isso vai acabar por acontecer, não teremos know-how, conhecimento, nem horas de desenvolvimento suficientes para nos posicionarmos na linha da frente.

Explica-nos quais são os pontos fortes e menos fortes do carro?

O carro tem grandes potencialidades, sobretudo ao nível da disponibilidade de potência. É tudo muito imediato. A lógica do interruptor que liga ou desliga a luz é o melhor paralelismo que poderemos encontrar para explicar facilmente este fenómeno. Por isso temos o tudo ou nada. O que em competição, desde que bem gerido, torna-se uma vantagem. Quanto ao ponto menos positivo será, na minha opinião, o peso que o carro apresenta, que é um fator de diminuição da performance, sobretudo na relação peso/potência. O carro pesa cerca de 1800 Kg, 1000 dos quais no grupo de alimentação das baterias.

Até que ponto já tiveste que mudar o estilo de condução para guiar este carro?

Muito. É talvez o maior desafio e a maior dificuldade pelo facto de não ser semelhante a nada que tenhamos referência. A adaptação ao carro não é só à potência do mesmo, ao doseamento do acelerador, à forma como ele coloca a potência no solo, é muito mais do que isso.

É a necessária adaptação a todo o conjunto. Ao comportamento da carroçaria, às forças ‘G’ que nos impõe, etc…

Já te vimos divertir-te muito nos Clássicos, como comparas estes dois mundos, o teu ‘clássico’ e este Tesla?

São mundos muito díspares. A mecânica pura e dura e o futuro que começa a chegar. Ambos dão imenso prazer.

Quantos anos achas que vão passar até que os adeptos deixem de falar do “som dos carros”. Se calhar, mais uma geração…

Talvez mais uma ou duas gerações. O som dos motores é algo que nasce com o gosto que cada um nós tem desde que se lembra de ver corridas. Habituamos-nos a ver corridas com o roncar dos motores. Este é um fator que não se ‘desliga’ facilmente da competição automóvel. Até mesmo para quem está ao volante, como eu, é por vezes estranho aquela ausência. É mais um sentido com o qual não podemos contar.

É outras das adaptações necessárias.

Achas que este teu projeto do Tesla é um bom exemplo que, por vezes, “pensar fora da caixa” é a melhor maneira de chamar a atenção para a competição automóvel?

Sim. Este é um projeto que antes de mais queria muito que fosse inovador e diferenciador para o automobilismo em Portugal.

Esse objetivo esta cumprido. Avançamos agora para o “next step”, que é dar desenvolvimento e maior performance ao carro. Este é um projeto que deve ser entendido a médio/longo prazo.

Sei que há procedimentos específicos nas provas para o teu carro. Queres explicar como tudo se processa e porquê tem de ser assim?

Sim. Os procedimentos de segurança no carro são muito simples e o carro é operado de uma forma muito elementar. Temos todo o equipamento de segurança garantido, na nossa assistência, e estamos a munir cada clube organizador com um kit de ação no carro, caso o mesmo sofra algum tipo de acidente. O carro, tal como na Fórmula E, ou nos E-kart, funciona por sistema de luzes. Existem 3 tipos de luzes, verde, amarela e vermelha, todas estas visíveis do interior e do exterior da viatura.

Em caso de acidente, caso a luz esteja verde o carro pode ser intervencionado e tocado sem qualquer problema, em caso de luz amarela ou vermelha são necessários equipamentos (como tapete anti-estático, por exemplo), para o operar ou retirar o piloto do seu interior.

Este equipamento está acondicionado na viatura de segurança que cada clube organizador tem em cada prova. Esse carro é o último a subir, numa espécie de fecho de pista, logo após a minha subida. Refira-se que em Murça se optou, por este mesmo motivo, por colocar o Tesla a fazer a sua subida um último, mesmo após os protótipos.

As Rampas, a exemplo do resto das competições, podem recomeçar mais ou menos a curto prazo. Quando esperas poder estar a competir novamente?

Espero sinceramente que o campeonato reúna todas as condições para retomamos as provas entre finais de junho e inícios de julho. Se tal assim ocorrer penso que conseguiremos com o esforço de todo minimizar este interregno ao qual todos nos vimos obrigados.

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