Porque não salvam os japoneses o DTM?
Durante anos, o DTM procurou encontrar um regulamento comum com o campeonato japonês Super GT, uma solução que na teoria lhe daria garantias para o futuro. Contudo, numa altura em que o DTM mais precisava dos construtores nipónicos, num ano em que os “três gigantes” têm carros novos, estes não parecem minimamente interessados. Será tudo uma questão de cifrões? Vamos descobrir.
Em poucas palavras, Kengo Moritoh, o recatado engenheiro do histórico Team LeMans, explica as singularidades do campeonato nipónico, o maior do continente asiático: “O Super GT sempre foi um campeonato, agora essencialmente na categoria GT500, onde os construtores procuram explorar várias áreas de engenharia. Serve para os departamentos os membros do departamento de pesquisa e desenvolvimento experimentarem novas soluções, mas também para estreitarem os laços com os diversos fornecedores, desde pneus, a suspensões, sistemas de travagem, etc”.
Apesar dos acordos estabelecidos, há obviamente ainda diferenças entre os dois campeonatos, com o europeu a utilizar um fornecedor único de pneus, enquanto que o japonês é a única competição internacional de proa cujo uso de pneus é livre. Esta matéria dos pneus é de real importância, como sublinha Duarte Alves, o engenheiro português de uma das equipas da Nissan na classe GT300: “Os Super GT competem com pneus confidenciais, construídos à medida dos carros de cada marca. Este é um campeonato onde existe uma verdadeira competição entre marcas de pneus, o que não acontece no DTM. Pelo que vi, os japoneses tiveram muita dificuldade em adaptar-se aos pneus cliente da Hankook (usados pelo DTM) nas corridas de exibição do ano passado”.
O peso do investimento dos construtores de pneus no Super GT é significativo. Em 2012, a Michelin terá gasto mais de 5 milhões de dólares norte-americanos só com um dos Nissan GT-R da categoria principal, e não é por acaso. “Sessenta por cento da competitividade neste campeonato depende do comportamento dos pneus”, realça André Couto, que melhor que ninguém pode opinar sobre o assunto. O piloto português, ao longo da sua carreira de mais de duas décadas no país do sol nascente, trabalhou de perto com a Bridgestone, Dunlop e Yokohama.
Partes da suspensão como os braços, estabilizadores e mangas de eixo são comuns aos dois campeonatos, mas foram pensados para os carros do DTM, que tem aderência baixa, o que causou enormes dores de cabeça aos nipónicos, que no defeso tiveram de arranjar alternativas para que os seus carros aguentassem o “high grip” gerado pelos pneus confidenciais. O ECU da Bosch utilizado no DTM é agora obrigatório para todos, o que também gerou alguns problemas à Toyota. A Honda ameaçou deixar o Super GT se tivesse de usar um motor frontal, mas seguindo a mesma linha de esforço dos seus compatriotas, resignou-se e desenhou um NSX com motor dianteiro que se estreará este ano. Os japoneses foram pioneiros no que respeita à introdução dos motores de dois litros e quatro cilindros, mas guardam junto ao peito as suas criações e não as querem ver nas mãos de terceiros.
As sucessivas negas
Quando Gerhard Berger, pela ITR, e Masaaki Bandoh, pela GTA, assinaram o memorando de entendimento entre os dois campeonatos, foram várias as tentativas para trazer os carros orientais para o ocidente. Todas elas sem sucesso. A Honda terá sido a primeira a ser chamada a colaborar com o DTM. Berger terá pedido ajuda ao Dr Helmut Marko, o influente conselheiro desportivo da Red Bull, para colocar de pé o projecto da R-Motorsport. Os quatro Aston Martin Vantage DTM deveriam ter sido motorizados pela marca nipónica, parceira da Red Bull na Fórmula 1, isto se a Honda no Japão não se tivesse recusado a enviar os seus motores para a Europa, o que obrigou a HWA a utilizar nos carros ingleses o motor construído inicialmente para a Mercedes-AMG.
Em 2008, a Toyota, através da Lexus, esteve enamorada pelo DTM. O IS F Racing Concept foi apresentado no Salão Automóvel de Tóquio para “medir a temperatura”. A entrada do então maior construtor mundial não terá recebido as boas vindas da Audi, pois a Toyota queria alterar a regulamentação de lastros num ano em que a Audi iria introduzir o novo A4. Mais tarde, no final de 2018, a Emil Frey Racing, a equipa suíça que inscreveu os Lexus RC F GT3 no Blancpain GT Endurance Series e no International GT Open, tentou convencer a Lexus Gazoo Racing, via TRD no Japão, não só a ceder um (ou mais) Lexus LC 500 GT500 do campeonato japonês Super GT, mas também a fornecer unidade(s) já de acordo com a regulamentação da Class 1. Contudo, a bem financiada estrutura de Lorenz Frey também levou uma nega.
A Konrad Motorsport, uma equipa com vasta experiência nas provas de endurance, esteve em negociações com a Nissan para alinhar com dois Nissan GT-R Nismo GT500 adaptados à regulamentação Class 1 em 2019. Durante o fim-de-semana da corrida do DTM em Zandvoort, há dois anos, Franz Konrad reuniu discretamente com Berger e com responsáveis da marca nipónica. Inicialmente, os responsáveis da Nissan não terão desgostado da ideia, mas na “hora H” fecharam a porta aos ex-pilotos austríacos. Konrad acredita que a rejeição se deveu à diferença que ainda existia entre os carros do campeonato Super GT e os do DTM e a dúvidas como um Balanço de Performance (BoP) seria implementado.
Alves, que tal como Couto reside no antigo território ultramarino português de Macau, refere a importância das percepções: “O DTM ainda é visto como um campeonato alemão para marcas germânicas. Será difícil um construtor japonês entrar num campeonato só de construtores germânicos que requer um grande investimento financeiro e técnico, ainda por cima fora do país.” Para Alves, será difícil os três gigantes nipónicos algum dia embarcarem no DTM, “a não ser que o DTM seja um campeonato verdadeiramente “customer racing”, como acontece com os GT3, onde equipas privadas possam entrar com os carros japoneses”.
As justificações dos japoneses para se colocarem de lado:
Honda – A presença no Campeonato do Mundo de Fórmula 1 aglutina praticamente todo o esforço desportivo internacional da marca. A Honda reconhece que uma investida no DTM, nos moldes actuais, teria um custo a rondar os 50 milhões de euros, valores por agora indisponíveis. Por outro lado, a marca está a estudar a construção de um LMDh para poder competir nas provas de endurance (WEC e IMSA).
Nissan – A prioridade desportiva a nível mundial da marca é o Campeonato FIA de Fórmula E. O campeonato Super GT é visto como um programa desportivo para consumo interno que não tem necessariamente que ter réplica internacional.
Toyota – A marca não fecha automaticamente a porta ao DTM, mas neste momento tem grande parte dos seus recursos aplicados no Campeonato do Mundo de Ralis (WRC) e na construção do seu novo hipercarro para o Campeonato do Mundo FIA de Endurance (WEC).