Dieter Quester: O Senhor BMW

Por a 9 Setembro 2024 11:22

Poucos pilotos terão uma carreira tão longa e versátil como o austríaco Dieter Quester. Algo esquecido perante os seus famosos conterrâneos Niki Lauda, Jochen Rindt e Gerhard Berger, este austríaco foi um dos melhores pilotos de turismos da história, e destacou-se em quase todas as disciplinas desportivas por onde passou. E, com 77 anos, ainda participa ocasionalmente em provas!

Nascido em Viena a 30 de maio de 1939, Dieter Questercedo manifestou um grande interesse pela velocidade e pelos desportos motorizados, habituando-se desde a infância a frequentar as corridas locais organizadas numa Áustria devastada pela II Guerra Mundial. No entanto, apesar do interesse pelos automóveis, a carreira do jovem Quester começou… nos barcos offshore!!! Talvez por influência do seu pai, que tinha corrido frequentemente nos anos 30, Dieter começou a pilotar na adolescência, conquistando o título europeu em 1958 e 1962, mas não demorou a dedicar-se às pistas, correndo maioritariamente nas 2 rodas com algum sucesso até 1965. À data, não existiam pistas permanentes na Áustria, por isso a maior parte das corridas eram disputadas em aeródromos – como Zeltweg e Tulln-Langenlebarn, mas a popularidade das rampas também era muito alta, e foi neste cenário que Quester se estreou nas quatro rodas. No entanto, só depois do seu casamento com Julianna, filha do antigo piloto Alex vonFalkenhausen – entretanto convertido num dos principais quadros da BMW – é que Quester se dedicou de vez aos automóveis.

Certamente que a relação familiar possibilitou a sua aproximação à marca de Munique, mas o talento de Dieter ficou patente nas provas que disputou com um BMW 1800 usado no final de 1965, e em 1966 venceu o Campeonato Austríaco de Condutores, colocando-o de vez na órbita da equipa oficial da BMW, correndo tanto no Europeu de Montanha – com um Lola T110-BMW – como no cada vez mais popular Europeu de Turismos. Os resultados apareceram em ambas as categorias, mas de facto foi no ETC que Quester mais deixou a sua marca, quando em 1968 conquistou o título na Divisão 3, ao volante de um BMW 2002 oficial, vencendo em Aspern, Belgrado e Nürburgring, vindo a repetir o título em 1969 com cinco vitórias – Belgrado, Brno, BrandsHatch, Jarama e na rampa de Marchairuz. Ao mesmo tempo, Dieter afirmava a sua versatilidade com as primeiras vitórias nos monolugares (ver caixa), mas também com presenças cada vez mais regulares em provas de endurance, nomeadamente no Mundial de Marcas e no Europeu de Sport-2 Litros. Mas, na viragem para a década de 70, Quester já era um sinónimo de BMW.

A marca bávara estava a desenvolver o BMW 3.0 CSL “Batmobile” que, a partir de 1973, se tornaria num dos maisicónicos carros de Turismo e Endurance da história. Pelo meio a marca ficou confinada o modelo 2800 CS, que Quester usou ocasionalmente em 1971 e 1972 com alguns sucessos, enquanto desenvolvia as outras vertentes da sua carreira e procedia aos testes do novo modelo. A chegada do modelo às pistas em 1973 marcou o início de dois anos de ouro no ETC, que ficaram para a posteridade pela luta que opôs a BMW à Ford, e nas quais Quester teve um papel determinante, vencendo três provas em 1973, entre as quais as suas primeiras 24 Horas de Spa, juntamente com Toine Hezemans. Esta geração de carros de turismo também estava a popularizar-se no WEC, e a dupla Quester/Hezemans terminou em 11º e primeiro nos carros de turismo nas 24 Horas de LeMans. Porém, em 1974, Dieter optou por se dedicar às suas ambições nos monolugares e interrompeu temporariamente este ciclo vitorioso (ver caixa).

As Silhuetas tornavam-se cada vez mais comuns no WEC e não tardou a que a BMW fosse a única equipa a dar alguma réplica à Porsche neste campeonato. Depois de participações pontuais em diversos campeonatos em 1975, Quester fez parte da equipa Schnitzer no WEC em 1976, vencendo os 1000 Km de Nürburgring e as 6 h de Zeltweg. Na temporada seguinte, regressou ao ETC com a Alpina para uma campanha verdadeiramente triunfal, conquistando o seu terceiro campeonato com cinco vitórias – Salzburgring, Nüburgring, Zandvoort, Silverstone e Zolder. No ano seguinte, estava de volta ao WEC para pilotar um BMW 320 para a Faltz Essen, mas os Porsche eram definitivamente superiores e a marca tinha já preparada uma nova aventura, o campeonato Procar. Depois de alterações regulamentares quanto aos exemplares necessários para homologação do novo BMW M1 de Grupo 5, a marca decidiu criar um troféu monomarca a acompanhar as rondas europeias do Mundial de F1, misturando alguns dos pilotos mais experimentados, jovens talentos “da casa” e estrelas consagradas de turismo e protótipos. Naturalmente que Quester foi um dos escolhidos, mas tanto em 1979 como em 1980 nunca conseguiu estar na luta pelas vitórias.

Há que salientar que, salvo algumas épocas no ETC e na F2, Dieter Quester nunca teve um programa completo numa dada disciplina, correndo pela fábrica ou em equipas-satélite nos diversos campeonatos em que a BMW estava envolvida – em 1981 encontramos no seu extenso programa o WEC, IMSA, ETC, rampas e o popular campeonato alemão DRM. Aliás, a temporada de 1982 foi essencialmente passada a competir no DRM e DRT com o BMW M1, com bastante sucesso, mas numa das suas ocasionais participações no ETC venceu pela segunda vez as 24 h de Spa. A entrada em vigor do Grupo C e o fim do programa M1 voltou de vez a BMW para os turismos mais convencionais (além do programa da F1), por isso em 1983 Quester voltou à Schnitzer para disputar o ETC ao volante de um BMW 635 Csi. Sem ser o carro mais rápido, o modelo alemão era sem sombra de dúvidas o mais versátil e fiável e com vitórias em Monza e no Nürburgring Dieter conquistou a sua quarta coroa no Europeu de Turismos.

Porém, no ano seguinte, aquela que seria a dupla-maravilha de qualquer equipa de turismos – Quester/Stuck – não conseguiu grandes resultados, muito por culpa da crescente competitividade da oposição, principalmente os Jaguar e Rover, o mesmo acontecendo em 1985 (embora com o austríaco acompanhado por outros pilotos). No entanto, em 1986 a BMW voltou a ser uma força a ter em conta e Quester adicionou mais duas provas ao seu palmarés, nomeadamente a segunda vitória nas 24 h de Spa. Aliás, a clássica belga era a sua prova fetiche e não raras vezes Dieter terminava no pódio e contribuía para ajudar a salvar a época da BMW, já que a fiabilidade era o factor determinante. Com a malfadada divisão dos turismos em ETCC e WTCC em 1987, Quester dedicou-se maioritariamente ao primeiro, tendo um papel fulcral na vitória de WinfriedVogt nesse campeonato, já com o BMW M3. Quanto à outra grande clássica, as 24 Horas de LeMans, o austríaco participou 14 vezes mas nunca teve grande sorte e também foram raras as vezes em que teve equipamento competitivo para lutar pela geral (como mencionado anteriormente, quando os turismos eram presença habitual nas provas do WEC e em LeMans, Quester era um candidato habitual à vitória na classe e chegou a fazê-lo em La Sarthe), dizendo numa entrevista que a sua melhor hipótese terá sido em 1986, quando alinhou ao volante de um dos Sauber C8-Mercedes apoiado pela Kouros, ao lado de Christian Danner e do multivencedor Henri Pescarolo, e estavam na luta pelo pódio quando um tubo de óleo rebentou após a passagem por cima de detritos.

A divisão dos turismos acabou efetivamente com o popular campeonato de Grupo A, embora o ETC ainda se disputasse em 1988, ano em que Quester venceu pela terceira vez as 24 h de Spa. No entanto, a sua prioridade nessa temporada já era o DTM que, com o BTCC, encontrou no vazio de um campeonato europeu/mundial da disciplina para conquistar relevância mundial nos turismos. Porém, é fácil esquecermo-nos perante tal quantidade de feitos e um calendário tão completo que Dieter Quester estava já com 50 anos e que, por muito talentoso que fosse e que estivesse em excelente condução física, era impossível acompanhar a velocidade dos mais jovens, principalmente num período que assistiu à eclosão de algumas das maiores lendas dos turismos dos últimos 25 anos. Pilotando quase sempre BMW M3’s para equipas privadas ou satélite também não ajudava, dado o elevadíssimo grau de competitividade do campeonato, e à medida que o modelo ia também ele envelhecendo, os resultados começaram nitidamente a escassear e no final de 1991 Quester optou por fazer uma pausa e competir apenas em rondas selecionadas em vários lugares da Europa, assim como as suas ocasionais presenças na Endurance.

Voltando às origens, Quester conquistou ainda o título austríaco de turismos em 1994, 28 anos após o primeiro sucesso, e passou a ser uma presença mais constante do lado de lá do Atlântico, obtendo vários pódios e algumas vitórias ocasionais na classe GTS-2 do IMSA com o BMW M3. Embora continuasse a correr em provas de Grupo N e até em campeonatos de turismos na Europa, era claro que a resistência se adaptava mais à capacidade física do veteraníssimo piloto, ao invés das provas curtas e muito acirradas que caracterizam os turismos desde o fim da versão de resistência do ETC em 1988; daí o regresso à ribalta internacional ter sido no campeonato FIA-GT em 2000. De facto, este programa nos GT’s marcou a primeira temporada desde 1966 – salvo as ditas aparições pontuais – que Quester não correu maioritariamente com a BMW!!! De facto, Dieter foi, juntamente com Gerhard Berger, um dos primeiros pilotos a ser patrocinados pela RedBull – quando a marca de bebidas energéticas pouco mais era do que uma ilustre desconhecida –e essa ligação permitiu-lhe competir ao volante de um Porsche 996 GT3-R, não só no campeonato FIA-GT como também no ALMS e ELMS. Provando que “velhos são os trapos”, Quester foi um dos mais consistentes na categoria e, mesmo não tendo feito todo o campeonato, foi sexto na classe N-GT do FIA-GT com uma vitória e vários pódios, ao lado de Luca Riccitelli. O ano seguinte foi ainda melhor, e o austríaco foi quarto, vencendo duas provas à classe – uma das quais precisamente as 24 h de Spa, que a partir dessa temporada passaram a ser a prova-rainha dos GT.

Após um ano menos bom com a RWS, e já contando 63 anos, Quester deixou de vez os programas completos, mas continuou sempre a competir ocasionalmente em provas de endurance, nomeadamente em Daytona – aonde nunca venceu à classe. Mantendo a sua ligação à RedBull e à conceituada equipa austríaca de GT’s e turismos DullerMotorsport, associação essa que já vinha também dos anos 90, Dieter regressou à esfera da BMW e alinhou ocasionalmente em provas de diversos campeonatos nacionais, assim como nas principais provas de GT mais voltadas para os gentleman drivers. Assim venceu em 2006 as 24 h do Dubai e em 2007 as de Silverstone, obtendo ainda outros resultados de relevo, ao mesmo tempo que iniciou uma prolífica atividade nas provas de históricos. Questionado sobre a sua retirada, Quester disse muitas vezes não pensar propriamente no momento de parar de vez, e embora já não corra como “profissional” há algum tempo e tenha diminuído as participações nos históricos, não se pode dizer que Quester se tenha dedicado, com 77 anos, a uma vida tranquila de reformado, mantendo o papel de embaixador da BMW e da própria RedBull, enquanto permanece ligado à gestão da DullerMotorsport.

Olhando para a carreira – isto se ele não decidir regressar, como o aclamado veteraníssimo americano dos stock-carsHershellMcGriff (que correu pela última vez, segundo uma breve pesquisa, aos 84 anos, e já disse que gostava de disputar uma prova aos 90) – os resultados de Dieter Quester são um pouco enganadores, já que o facto de nunca se ter dedicado com continuidade a um ou outro campeonato e a sua enormíssima versatilidade dispersaram o enorme talento do piloto numa miríade de resultados isolados. Mas se houve categoria em que ele fosse de uma classe aparte, sem dúvida seriam os turismos, e os quatro títulos no ETC mais as cerca de vinte vitórias obtidas ao longo de mais de 20 anos e diversos regulamentos justificam que o austríaco seja uma lenda nesta área. E, para os amantes da estatística, permaneçam atentos… poucas carreiras foram tão longas, e Quester ainda não anunciou a reforma….

Quester e os Monolougares

No meio da sua enorme versatilidade, Quester também experimentou os monolugares e sonhou com uma eventual carreira na F1. De facto, a sua estreia neste tipo de carros ocorreu nas rampas e em provas locais de Formula V, disputando em 1967 algumas rondas do campeonato europeu, mas com a sua promoção à equipa de fábrica no ETC o seu foco desviou-se definitivamente para aquele campeonato. Porém, foi a própria BMW a relançar a carreira de Dieter nos monolugares quando, em 1969, decidiu começar um programa completo de F2, incluindo chassis e motor.

Inicialmente a equipa correu com os seus motores num chassis Lola T102, só estreando o novíssimo BMW 269 a meio da temporada, sendo os carros pilotados maioritariamente por Quester, Gerhard Mitter e HubertHahne. No entanto, a fiabilidade foi um problema constante durante toda a época e nas poucas provas que disputou – de assinalar que em 1969 estava a caminho do seu segundo título no ETC – nunca concluiu uma prova. Foi também nesta temporada que se estreou na F1, já que os organizadores do G.P. da Alemanha decidiram permitir a inscrição de carros de F2 (extra-campeonato) para aumentar a grelha – 1969 foi das temporadas de F1 com uma média de pilotos à partida mais baixa de sempre – e a BMW alinhou os seus três pilotos de fábrica. O carro até andou bem nos treinos mas, numa das sessões de qualificação, uma das rodas do BMW de Mitter soltou-se e o piloto despistou-se, falecendo de imediato, o que motivou a marca bávara a retirar os restantes carros do evento.

A fiabilidade melhorou na temporada seguinte, mas os resultados continuaram a escassear, e nem a introdução do BMW 270 proporcionou o salto qualitativo tão desejado, levando a formação de Munique a focar-se unicamente na construção de motores, iniciando assim o caminho para se tornar na força dominante na F2 até ao início da década de 80, mas os melhores resultados obtidos durante o ano foram graças ao piloto austríaco, que venceu mesmo a última prova da época em Hockenheim, terminado em quarto lugar no campeonato de F2. No final do ano, venceu o G.P. de Macau (disputado como Formula Libre) com o BMW 269. Agora Quester estava bem mais motivado para uma eventual chegada à F1, e no final da época chegou a acordo com a BMW para receber os motores da equipa, alinhando com um March 712M patrocinado pela Eiffeland Caravans. Depois de um início difícil, Dieter foi segundo em Jarama (atrás de Fittipaldi, que era já um piloto com vitórias na F1, portante não pontuava na F2), Rouen e nas duas rondas de Vallelunga, entre outros resultados interessantes, terminando a época no terceiro lugar do campeonato, batido apenas por Peterson e Reutemann.

Este resultado não atraiu particular atenção pelas equipas de F1, daí que em 1972 Quester voltou aos turismos e protótipos, alinhando apenas na ronda de F2 no Österreichring com um Surtees oficial. Depois de mais uma época triunfal nos turismos em 1973, e com pouco ou nada a provar naquela categoria, Dieter decidiu dedicar-se totalmente aos monolugares em 1974. Para tal tentou arranjar um volante competitivo na F2 que lhe permitisse ganhar o campeonato, mas o melhor que conseguiu foi um acordo com a equipa de Bob Harper com um March 742-BMW. Infelizmente, nem Quester nem David Purley conseguiram ser competitivos com aquela combinação, e só a mudança para o Chevron B27 melhorou ligeiramente os resultados da equipa, mas o austríaco nunca conseguiu andar pelos lugares pontuáveis.

A oportunidade surgiu finalmente na sua prova caseira, o G.P. da Áustria de 1974, patrocinado por um dos seus sponsorspessoais – Memphis International – o que lhe assegurou um lugar num dos Surtees TS16-Cosworth oficiais, ao lado de Kinnunen, Derek Bell e Jabouille!Na qualificação, Quester foi o mais rápido dos Surtees, ficando a 3.48 segundos do seu compatriota e polemanNiki Lauda, acabando por ser o único da equipa a qualificar-se! Mas na prova pouco havia a fazer para disfarçar a falta de competitividade dos Surtees e Quester optou por seguir ao seu ritmo e tentar chegar ao fim, conseguindo terminar no nono posto.

O seu contracto inicial iria abranger também os Grandes Prémios de Itália e dos EUA, mas alegadamente Quester terá comentado numa entrevista que a equipa tinha muito poucos mecânicos para sustentar quatro carros – o plano inicial era inscrever apenas dois – e tal não terá agradado a John Surtees, que o substituiu pelo compatriota HelmuthKoinigg, que viria a morrer tragicamente em WatkinsGlen. Depois de ter conseguido pelo menos cumprir o seu sonho, Quester rapidamente compreendeu que seria muito difícil arranjar financiamento para um carro competitivo, por isso optou por voltar à BMW com os resultados que todos sabemos.

Por Guillherme Ribeiro

FOTOS BMW e Arquivo Autosport

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