Correr na Arrábida foi um privilégio conseguido por muitos dos grandes pilotos nacionais de velocidade e montanha, até ao início deste século, mas depois de mais de uma década que os motores e a competição não se ouviram serra acima neste local mítico, em 2017 o Clube de Motorismo de Setúbal concretizou o sonho de muitos que também querem… correr no paraíso. Este ano celebra-se o 40º aniversário da Rampa da Arrábida.
Depois de muita luta, o Clube de Motorismo de Setúbal, formado em 2016 por um punhado de entusiastas do distrito da capital do Sado, conseguiu reunir todos os apoios necessários e ultrapassar todas as barreiras naturalmente colocadas pelos legítimos defensores da natureza, conseguindo finalmente as necessárias autorizações para voltar a realizar aquela que é por todos designada como a prova rainha na montanha.
Desde 2006 que a Rampa da Arrábida não se realizava. Os organizadores, ligados então, à Secção de Motorismo do Vitória Futebol Clube, puseram mãos à obra e contra tudo e todos, conseguiram organizar a 25ª edição da prova, mas não conseguiram prosseguir.
Na edição de 2006, a luta foi entre o jovem Pedro Salvador e o veterano Mário Silva, com vantagem para o primeiro e, no final, a tradicional “sardinhada” colocava um ponto final na Secção de Motorismo do VFC, assim como na Rampa. Na altura, o responsável máximo pela organização, era António Polido, com quem conversámos da corrida que era a sua paixão: “ Foi com muita mágoa que deixámos de organizar a prova. Por diversas vezes avisei os responsáveis pela Câmara, que estava a ficar sem recursos e possibilidades para organizar a Rampa. Ninguém nos apoiava, nem mesmo em termos logísticos e tudo era feito através de amizades pessoais, que ano após ano viabilizavam a realização da prova, sempre com todas as condições de apoio e segurança, exigidos pela Federação.”
António Polido já tinha estado na base da fundação de um outro clube, o GPAP – Grupo de Promoção Automobilística de Portalegre – que organizou durante anos na estrada do monte Paleiros a Rampa de Portalegre, mas por razões profissionais, foi colocado em Setúbal, começando desde logo a tentar realizar prova idêntica na Arrábida. “Ao ver aquele cenário e as condições da Rampa, com um traçado belíssimo e as condições que tinha, decidi ir falar com o Sr. César Torres, para solicitar a aprovação do Clube. Fomos bem recebidos e juntámos mais uma Secção, ao Vitória Futebol Clube, desta vez a de Motorismo. E começamos a fazer a Rampa da Arrábida em 1982, primeiro apenas para iniciados – quando ainda havia campeonatos de iniciados – e mistura de provas em circuito e rampas – realizando 25 edições até 2006, algumas delas com uma participação enorme, pois para além dos campeonatos nacionais, também corriam os troféus, Renault, BMW, Citroen, Toyota, etc.”
TUDO COMEÇOU NOS ANOS 50
Há registos de passagens de competição pelo percurso da Rampa, que remontam aos anos 50, como fazendo parte de ligações ou secções competitivas – ainda em regularidade, de provas como a Volta a Portugal ou o Rali do Benfica, organizadas respectivamente pelo Clube 100 à Hora ou pela Secção de Motorismo do Benfica.
Era um dos sectores mais difíceis, não apenas pelo traçado, como igualmente pela instabilidade das condições atmosféricas, que os pilotos e as máquinas ultrapassavam com alguma dificuldade, mas provas ainda mais importantes como o Rali de Portugal, organizado pelo ACP dirigido por César Torres, também utilizaram a Serra da Arrábida incluído a “rampa” como troço cronometrado; A classificativa da Comenda era a designação dada a esse percurso.
“Foram muitos os clubes que organizaram provas no percurso da Rampa, até porque eram Clubes mais antigos que a nossa Secção Automóvel do VFC. Mas fomos nós que utilizámos o percurso de 3Km da EN 379-1, para os campeonatos nacionais, em 25 edições repletas de emoção e por onde passaram os melhores pilotos nacionais de Montanha e Velocidade.” Um esforço reconhecido alguns anos depois, com a Rampa da Arrábida a ser depois incluída no Troféu europeu de Montanha, numa altura em que a modalidade fez com que a Europa se dividisse em quatro zonas , que no caso de Portugal incluíam corridas em Espanha, França, Italia, Grécia e antiga Jugoslávia. “Era um grande desafio, mas pouco rentável, pois a vinda de equipas estrangeiras implicava pagar-lhes ao quilómetro e ainda dar-lhes alojamento. Por outro lado a rampa necessitava ter… cinco quilómetros, pelo que começava frente à Secil e já acabava nas antenas da serra. Uma loucura, mas como sempre uma grande participação, muita emoção e paixão. Tudo se conseguia com boa vontade.”
Sempre em segurança
Apesar dos parcos recursos, a Secção de Motorismo do Vitória Futebol Clube, sempre garantiu a máxima segurança ao longo do percurso da rampa: “Sempre demos a maior atenção à segurança em pista e à segurança dos espectadores. A colaboração da Secil era logística, mas fornecia-nos corrente elétrica, abria-nos os seus portões e nunca impediu ou complicou a realização da rampa. Através de algumas “cunhas” fomos tendo asfalto e rails… Desapareciam de um lado e apareciam… na Rampa! Boas vontades que em nada prejudicaram quem nos fez estes favores, nem quem provisoriamente ficava privado deles. Chegámos a ter um helicóptero, os carros de intervenção rápida da ACDME, duas linhas de rádio, 5 ambulâncias medicadas e um fantástico sistema de comunicações, que nos permitia chegar a ter 4 carros em pista ao mesmo tempo!”
Assistindo por vezes – não poucas vezes – a grandes duelos na Rampa, recordam-se as presenças de grandes nomes do automobilismo desportivo nacional, presentes na Arrábida, de onde saíram ou não vitoriosos; São os casos de Mário Silva, com o Porsche, ou o BMW M1, o Chevron B21 ou o Escort, os duelos entre Pêquêpê e Jorge Petiz com os M1, a presença vitoriosa de Ni Amorim com o Opel Astra e com o Sierra Cosworth, os impressionantes Ford Sierra Cosworth de Carlos e António Rodrigues e Fernando Peres, o quase imbatível Ford Escort Cosworth de Ferreira da Silva, os sempre presentes, Albino Abrantes, os minis de Fernando Soares e Vitor Lino, o magnífico Lotus Elan de Rui Bevilacqua, os troféus, Toyota, Citroen, Renault e BMW, enfim a verdadeira nata do automobilismo nacional, passou pela Rampa da Arrábida, uma das mais icónicas corridas de montanha do nosso país. “Saúdo a criação do Clube de Motorismo de Setúbal e estou realmente muito satisfeito pelo facto da Rampa da Arrábida-Liberty Seguros, estar confirmada para o início de Setembro. Fui desafiado para colaborar e lá estarei, de novo, para ajudar a que todos voltem a subir a serra, o mais depressa que puderem, mas em segurança.”
AUTOCROSS, KARTING E A RAMPA… DAS FINANÇAS
A interessante conversa com António Polido, acerca da “sua menina”, levou também para que recordássemos outras competições que marcaram a vida de Setúbal e da Secção de Motorismo do VFC, como o Autocross – na pista perto da Bela Vista, que segundo ele, com alguma perícia ainda se poderia reativar, e os karts, que tiveram várias competições, junto à avenida Luísa Todi, ou à volta do Estádio do Bonfim, com bancadas montadas e tudo. “Setubal sempre aderiu muito às competições automóveis ou karting. Aliás o Karting era uma modalidade muito acarinhada, pois disputava-se no centro da cidade, ou junto ao estádio do Bonfim. Mesmo em dias de praia, quem ia ou vinha para Tróia ou para a Figueirinha, ficava por ali a ver e de um momento para o outro, estavam a assistir centenas de pessoas.
O mesmo se passava com o Autocross, que tinha uma pista muito interessante e nada fácil: Uma longa reta, com um salto quase no final, antes de uma direita apertada, era uma dificuldade acrescida que só os bons cumpriam com destreza. Sempre muita assistência – é uma modalidade espectacular e algumas decisões de títulos nas categorias, marcaram a passagem do autocross por Setúbal. Por outro lado sempre recebemos muito bem. Para além de haver sempre uma festa final – a tradicional sardinhada – por exemplo na Rampa, quando vinham os pilotos com as famílias, chegámos a ter um autocarro para passear os familiares, pela Arrábida, por Setúbal, enfim, pela região. Tudo com paixão e muito empenho de todos.
E é aqui que entra a Rampa das… Finanças! “É uma brincadeira, mas demonstra bem a carolice de toda uma equipa que vivia essencialmente de amizades; Como eu era funcionário das Finanças, durante a semana ia convencendo os colegas a fazerem de Comissários de Pista na Rampa, e muitas vezes quase tinha a repartição toda espalhada pelo percurso… Um dia disseram-me: “Polido, isto parece a Rampa das Finanças”… sem senhas é certo, pois todos estavam ali para “atender” todos os pilotos… em segurança.
SONHO CONCRETIZA-SE
A formação em 2016, do Clube de Motorismo de Setúbal (CMS)e a sua posterior legalização perante a FPAK, foram os primeiros passos para que o sonho de ver a Rampa da Arrábida de volta à cena do desporto automóvel nacional, pudesse ser concretizado. Incitados pelas entidades locais de Setúbal, mais precisamente pela sua edilidade, o CMS socorreu-se em 2016 de um clube satélite – o Slalom Clube de Portugal – para levar a cabo a Setúbal Especial Sprint, prova integrada no calendário do grande evento “Setúbal Capital Europeia da Cultura 2016, organizada com êxito a 17 de Julho do ano passado.
Milhares de espectadores puderam constatar na Variante da Várzea, que o Desporto Automóvel, tinha regressado a Setúbal, mais de uma década depois de se ter organizado, pela mão da Secção de Motorismo do Vitória Futebol Clube, a última edição da Rampa da Arrábida, a contar para o Troféu Nacional de Montanha.
A muita vontade de todos acabou por ser premiada e logo no início de 2017.
Um pouco de história
A Rampa da Arrábida começou a ser disputada nos anos 50, incluída em competições importantes como a Volta a Portugal em Automóvel e os Ralis do ACP – incluído o seu percurso no Rali de Portugal, com a designação “Classificativa da Comenda” da antes de se tornar parte integrante do Campeonato Nacional de iniciados Velocidade, CNV e posteriormente dos Campeonatos Nacionais de Montanha e Clássicos Velocidade e Montanha.
Nomes como o Conde de Monte Real, Manuel Oliveira, Manuel Gião, António Peixinho, Mário Araújo Cabral, José lampreia, Manuel Fernandes e mais recentemente Mário Silva, António Barros, Pêquêpê, Jorge Petiz, Bernardo Sá Nogueira, Ferreira da Silva ou António Nogueira, marcaram presença na única Rampa disputada a sul do Tejo, que recebeu também durante muitos anos, os fantásticos e competitivos troféus organizados pela Citroen (AX e Saxo), Toyota, VW, BMW e Renault.
A Rampa da Arrábida foi sempre uma competição acarinhada pelas gentes de Setúbal, que encheram de público o seu percurso, até à derradeira edição corrida em 2006, com vitória absoluta de Pedro Salvador, após uma boa luta com Mário Silva.
Apesar da fraca promoção feita na altura, quer pela autarquia de Setúbal, quer pelo Clube Organizador – Vitória Futebol Clube – o retorno mediático da Rampa sempre foi muito grande, assegurado pela FPAK – Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting – através dos contratos celebrados com os operadores de TV, para divulgação dos Campeonatos Nacionais. Ainda hoje é possível encontrar imagens da época, referentes às provas organizadas e muitas reportagens na imprensa local e nacional, da especialidade ou não.
A realização da Rampa da Arrábida – habitualmente organizada no primeiro quadrimestre do ano – trouxe sempre mais valias para o turismo e comércio da cidade, com a caravana a instalar-se na cidade e arredores, com a ocupação dos hotéis e o movimento nos restaurantes a ser muito incrementado, favorecendo a faturação em época baixa ou média.
A natureza do percurso da Rampa da Arrábida, não apresenta nos seus 4 KM, nenhum risco acrescido para pilotos ou para espetadores. As organizações cumpriram sempre à risca todas as regras de segurança imposta pela FPAK e pela FIA (órgão maior do desporto automóvel em termos mundiais) dirigidas a pilotos, equipas e espetadores, e em termos de poluição, podemos dizer que o dia em que se disputava a Rampa, era por certo um dos mais “limpos” da Serra da Arrábida, frequentada por centenas de turistas diários, alguns deles utilizando viaturas em que o controlo de emissões é sempre muito elevado, como os Autocarros de Passageiros e outros tipos de transporte coletivos.
As garantias de que será uma prova inesquecível e emocionante estão mais do que confirmadas. A Rampa é uma prova de interesse crucial para a Cidade de Setúbal, que se quer aproximar mais da sua população, dinamizando de forma determinante o turismo e serviços da sua cidade e concelho.
Última edição antes da interrupção foi em 2006: O Salvador da pátria
A 25ª edição da Rampa da Arrábida, ficou marcada pela excelente prestação do piloto “do momento”, Pedro Salvador, que afinal viria, em provas posteriores, a confirmar todo o seu valor. Depois de se mostrar imbatível entre os carros da sua categoria, internacionais incluído, na Serra da Estrela, Salvador ao volante do BRC CM02, conseguiu na Arrábida uma prestação notável, vencendo a Rampa à geral, deixando o seu grande opositor, António Nogueira e o Porsche 911 GT2, a bastante distância, que mesmo com o segundo lugar obtido, acabou por vencer nesse ano a Challenge Nacional de Montanha. António Nogueira foi igualmente batido entre os Históricos 76 e Categoria 2, pelo seu eterno rival António Barros em Porsche 911 RSR, que proporcionou a todos os amantes da modalidade, uma reedição das belíssimas lutas pela vitória neste grupo, onde a beleza dos Porsches é bem marcante.
Na categoria 1 e apesar de um acidente na segunda subida de treinos, que quase deixou o Ford Escort Cosworth fora de prova, Manuel Ferreira da Silva voltou a vencer a categoria e no Grupo P, aproveitando da melhor forma os consecutivos problemas do Audi S2 Coupé pilotado por António Coimbra, muito instável e pouco fiável durante todo o fim de semana. Coimbra conseguiu ainda assim a terceira posição na categoria, segundo no Grupo P, grupo onde Bernardo Sá Nogueira, estreou o seu Alfa Romeo 156, terminou na terceira posição.
O segundo da categoria 1 e primeiro no Grupo A, António da Cunha, ao passo que, Miguel Ferreira da Silva em Mitsubishi Lancer Evo V, foi mais uma vez e sem oposição, o vencedor anunciado do grupo N.
Aníbal Rolo alinhava sozinho na Categoria 3 (Grupo C), dando espectáculo com o Renault 5 Turbo e na Categoria 2, Históricos 71, o Opel Manta de Luís Alegria, não teve oposição, por parte dos inúmeros Datsun 1200, onde se salientou Rui Marques, segundo classificado deste grupo. Veloso Amaral foi um solitário vencedor entre os Históricos 65. No Challenge de Montanha e atrás do Inalcançável Porsche GT2 de António Nogueira, ficaram João Becken em Peugeot 205 e Ricardo Lima em VW Golf G60.
Ainda a salientar na Categoria 5, onde predominou o vencedor desta rampa, Pedro Salvador, foi o regresso de Mário Silva a uma rampa que tão bem conhece. O piloto de Lisboa apresentou-se em excelente, terminando na terceira posição da geral e um segundo lugar na TNM. Joaquim Rino voltou a mostrar-se em bom plano com o segundo BRC CM02 da Auto Malaca, assim como Paulo Ramalho no ADR Sport II, numa categoria onde faltou Joaquim Teixeira, que não alinhou por causa de um problema insolúvel ao nível da caixa de velocidades do Radical SR3.
Texto Luís Caramelo
PALMARÉS (antigo)
2006 – Pedro Salvador – BRC CM02
2005 – Ferreira da Silva – Ford EscortCosworth
2004 – Ferreira da Silva – Ford EscortCosworth
2003 – Ferreira da Silva – Ford EscortCosworth
2002 – Ferreira da Silva – Ford EscortCosworth
2001 – Mario Silva – Chevron B19
2000 – Jorge Petiz – BMW M3
1999 – Ferreira da Silva – Ford EscortCosworth
1998 – Jorge Petiz – Porsche Carrera RS
1997 – Jorge Petiz – Porsche Carrera RS
1996-
1995- Luis Veloso – Renaul Clio 16S
1994- Jorge Petiz – BMW M3
1993- Ni Amorim – Opel Astra GTI
1992- António Rodrigues – Peugeot 309 GTI
1991- Carlos Rodrigues – Ford Sierra RS 500
1990-
1989- Pêquêpê – BMW M3
1988- Carlos Inácio – Ford Sierra Cosworth
1987- Jorge Felix – BMW M1
1986- Mário Silva – BMW M1
1985- Mário Silva – BMW M1
1984- Mário Silva – BMW M1
1983- Mário Silva – BMW M1
1982- Mário Silva – Ford Escort RS 1800