Circuito de Braga: Quando será resolvido este problema?
O Circuito Vasco Sameiro, em Braga, é um ponto importantíssimo para o automobilismo nacional que tem a sua utilização severamente condicionada, tendo perdido a homologação necessária para receber provas. Recordamos um pouco da história do passado, o que motivou o seu afastamento das competições e o que pode ser feito para regressar.
O Circuito Vasco Sameiro, era um dos bastiões da velocidade nacional. A sua localização permitia que as muitas estruturas do desporto motorizado nacional localizadas a norte do país usassem a pista para testes, além de receber competições nacionais e internacionais. No entanto, o traçado bracarense não recebe provas desde 2021, por altura em que perdeu a homologação, necessitando de obras de beneficiação. Essas obras não acontecem por desacordo entre várias partes e quem perde é o desporto nacional e as muitas equipas e pilotos do norte.
O começo da história
Numa altura em que o Circuito de Vila Real já tinha desaparecido, vítima da sua periculosidade e que o de Vila do Conde estava prestes a seguir o mesmo caminho, esmagado pelas exigências urbanísticas da zona, corria-se o risco de Portugal ficar apenas com o Autódromo do Estoril como local único para a prática do automobilismo de velocidade. Por isso, a construção de uma pista em Braga foi uma lufada de ar fresco e de esperança para a modalidade.
Depressa o Circuito Vasco Sameiro – uma justa homenagem ao pioneiro local do automobilismo nacional com o mesmo nome – foi considerado como um caso de “justiça” como bem disse então o engenheiro Mota Santos, administrador da Filinto Mota, “concessionário da Citroën e uma das empresas que ao longo dos anos tem marcado uma presença particularmente ativa (…) com o patrocínio a diversas equipas”: “É de uma grande justiça o Norte poder usufruir de uma pista permanente, pois o automobilismo sempre viveu muito dos seus pilotos e do seu público.”
Construído nos terrenos envolventes do aeródromo da Palmeira e sob a égide do Clube Automóvel do Minho, o Circuito Vasco Sameiro tem um perímetro de 3.021metros, com um total de 13 curvas, oito para a esquerda e cinco para a direita e a maior reta – a da meta – com 898 metros de comprimento. O seu traçado é percorrido no sentido contrário ao dos ponteiros dos relógios e tem-se mantido sem alteração ao longo dos anos.
E, de facto, durante os 20 anos seguintes, a pista de Braga foi evoluindo, de forma consistente e adaptando-se sempre às mais elementares e às mais exigentes normas de segurança. Por ela, passaram milhares de pilotos; foi palco de provas internacionais, como a Taça da Europa de Carros de Turismo (ETCC), em 2009 e 2010. Em Braga vimos algumas das melhores corridas de que este país foi palco. Mas o tempo também trouxe desavenças que ditaram o fecho de portas do traçado para as competições de velocidade nacional.
Quisemos saber um pouco mais do que realmente se passa com o Circuito Vasco Sameiro e procuramos informações com Rogério Peixoto, presidente do Clube Automóvel do Minho e que nos contou uma história de contornos por vezes complicados de entender.
História complicada, digna de uma novela
Rogério Peixoto começou por nos avisar que a história era complicada, digna de um guião de uma novela. Uma história que se arrastou ao longo dos anos e que continua a ter efeitos no presente e futuro de um traçado considerado de vital importância para o desporto motorizado nacional.
Como todas, as histórias, o começo é tão importante quanto o desfecho e foi por aí que Rogério Peixoto começou por explicar o “imbróglio” do Circuito de Braga:
“O Circuito de Braga era da KIB (Karting Investimentos de Braga), sociedade que ainda hoje se mantém. Essa sociedade tinha vários sócios, com o Clube Automóvel do Minho a fazer parte dessa sociedade, sendo inclusive sócio maioritário. A gestão do CAM nessa altura era muito centralizada e baseada nas decisões do presidente, no qual estava depositada toda a confiança. De salientar que o presidente do KIB era o presidente do CAM, ou seja, quem presidia a um, presidia a outro.”
Os primeiros anos do Circuito de Braga foram bons, mas na viragem do milénio, começaram os problemas que se foram arrastando ao longo dos anos e cujos efeitos ainda se fazem sentir:
“Tudo correu bem até ao início dos anos 2000, altura em que alguns membros da direção saírem, com motivações posteriormente esclarecidas. Passado algum tempo dois empresários, tomaram posse das instalações do KIB, afirmando deterem mais de 50% das ações. Foi a partir daí que a convivência entre o CAM e o KIB se agudizou. O CAM interpôs uma providência cautelar e iniciou-se uma batalha jurídica que viria a explicar os motivos dos desentendimentos
Estes dois empresários compraram as ações de um antigo presidente, na posse à data dos seus herdeiros que as colocaram à venda, bem como as ações de outros antigos membros da direção. Foi nessa altura que, enquanto sócios maioritários, tomaram posse das instalações o que provocou uma forte instabilidade nas relações. Na altura, o CAM teve de se defender, de acordo com as capacidades que estavam ao seu alcance.”
A história complica-se com compras e vendas de ações, algumas delas apenas esclarecidas anos depois que motivaram as mudanças referidas:
“12% das ações do KIB pertenciam à Proba, outra sociedade composta por várias pessoas ligadas ao desporto automóvel em Braga. A Proba foi criada em 1993 e dez anos depois, a sociedade foi vendida, o CAM comprou 8.32% das ações e pouco mais de 4% dessas ações ficaram para a KIB. Mas foram os 8.32% que se tornaram num problema.
Na altura, o presidente em funções do KIB pediu para vender esses 8.32% para liquidar a dívida à Câmara de Braga pelos terrenos do kartódromo. O CAM deu-lhe autorização de venda na expectativa da resolução do problema. No entanto, anos mais tarde, adensaram-se os problemas quando fomos notificados da dívida à câmara de Braga. Esta situação motivou uma auditoria de contas quer ao município quer ao clube, que culminou com a conclusão de que a dívida não teria sido saldada conforme previsto e nunca entrou nem na Câmara, nem no CAM. “É no entanto um dos assunto que acreditamos resolver dentro em breve”.
Rogério Peixoto, que meses antes de se iniciar este problema, tinha ponderado sair, ficou surpreendido com o tudo o que se passou. O futuro do CAM ficou em causa:
“Ponderei a saída da direção pouco antes de estalar a polémica, mas nessa altura foi-me pedido para ficar, o que acabei por fazer. 5 meses depois, pouco antes de uma Rampa da Falperra tudo sucedeu.
Todos estes processos judiciais arrastaram-se por dez anos e penalizam muito o CAM, pois tivemos de vender muito do nosso património para fazer face aos custos dos processos, que se arrastaram até ao Supremo Tribunal de Justiça, inclusive fomos obrigados a vender as ações do KIB que detínhamos, para fazer face ao volume de despesas judiciais.
Foi também em 2015 que ficamos sem a sede, altura em que não havia condições de partilha com o KIB, pelo que para as instalações do CAM passaram a ser nas instalações do edições da StockCar, cujo proprietário, Adriano Barbosa, muito ajudou o clube, pois proporcionou-nos dois anos sem custos de ocupação.
Conseguimos recuperar e neste momento podemos garantir uma estabilidade financeira, tentando ainda resolver alguns problemas de um passado difícil. Continuamos com a organização da Rampa da Falperra, assim como do campeonato de Drift e com as provas de karts, que passamos a organizar nos kartódromos disponíveis, como Viana, Baltar. Conseguimos recuperar graças ao trabalho de uma excelente equipa.”
Em resumo, a compra e venda de ações motivaram uma instabilidade que levou à separação do KIB e do CAM. A partir daí, a nova gerência seguiu o seu rumo, tal como o CAM. A pista de Braga situa-se à volta do aeródromo de Braga. Para quem não conhece as instalações, a reta da meta é paralela à pista do aeródromo e, por conseguinte, as duas infraestruturas aprenderam a viver em sintonia. A prioridade esteve sempre do lado da aviação e chegou a acontecer vermos provas e treinos interrompidos com bandeiras vermelhas devido à necessidade do uso da pista do aeródromo Atualmente “o Circuito só pode operar depois do anoitecer e até ao amanhecer, além de poder ser usado em apenas dois fins de semana por mês tal como foi estipulado pelo município. Quando estávamos lá [CAM] havia um sistema de comunicação com a pista do aeródromo. Sempre que havia necessidade de parar as atividades em pista, havia uma comunicação do aeródromo para o CAM e os trabalhos eram imediatamente interrompidos. A convivência era absolutamente pacífica nessa altura”.
O que falta fazer?
Segundo nos foi possível apurar, falta o acordo entre todas as partes envolvidas. A pista precisa de obras, mas o investimento tem de ser feito pensando que o traçado é da pertença da Câmara Municipal, numa concessão a 40 anos. As atuais restrições ao uso da pista são grandes e implicariam um investimento avultados dos atuais proprietários. São necessárias obras de fundo na pista e Rogério Peixoto afirmou que há um projeto para afastar a reta da meta da pista do aeródromo, permitindo assim que as duas infraestruturas coabitem mais facilmente. Mas para isso é preciso muito investimento e que o Circuito de Braga possa ser usado de forma muito mais regular. Sem isso o interesse esfuma-se. Segundo nos disse Rogério Peixoto, a homologação do kartódromo também termina em 2023, pelo que será necessário investimento também desse lado.
O que se perde?
No panorama da velocidade nacional temos cinco pistas: o Autódromo Internacional do Algarve, que é uma das melhores infraestruturas do mundo, o Autódromo do Estoril, pista mítica, mas cujo futuro vai sendo posto em causa com interesse imobiliários que ciclicamente ameaçam a continuidade do circuito. Além disso, a infraestrutura precisa de obras, mas o investimento não abunda. O Circuito de Vila Real é de vital importância, mas é um circuito citadino que é feito segundo a vontade do poder local e não é uma infraestrutura que possa ser usada durante o ano. O Circuito do Sol está ainda a ser edificado e não foi pensado para receber competição, pelo que não é uma prioridade para os donos. Por fim temos o Circuito de Braga. Braga é importantíssimo, pois é o único traçado permanente no norte, onde a grande maioria das estruturas nacionais está sediada. Costuma dizer-se que o coração do desporto motorizado português está no norte, uma afirmação que pode não estar 100% correta, mas que mostra a importância da região para o desporto nacional. E é essa região que deixou de poder ter acesso a uma infraestrutura fundamental e passou a ter de fazer mais de 300 km, no mínimo, para poder testar, sendo as únicas alternativas Estoril e Algarve, ambas onerosas quer pelo aluguer da pista, quer pelas distâncias e custos de transporte.
O que é preciso?
O que é preciso no meio desta confusão toda? Que se olhe para as necessidades da velocidade nacional em primeiro lugar. Acreditamos que todos os envolvidos neste processo tenham uma grande paixão pelas corridas. Era preciso que essa paixão fosse o catalisador da mudança e que todos pudessem remar para o mesmo lado. Todos teriam a ganhar com o Circuito de Braga a funcionar. A cidade, a região e o desporto motorizado, em geral. Que o novo ano possa trazer desenvolvimentos positivos e que possamos ver Braga de novo nos calendários nacionais.
E no final ninguém tem culpa… morre solteira como sempre!
“…Costuma dizer-se que o coração do desporto motorizado português está no norte, uma afirmação que pode não estar 100% correta, ” Pois, é capaz de não estar 100% correcta. Senão, entre entidades en litigio, autarquia, e os milhoes de adeptos, ja tinham resolvido o problema de terem uma simples pista na sua zona. Mas é preciso é sounbytes e cunhas. Por isso a Federação até deixa de fora um rally bem organizado e espectacular (Açores) para dar mais uma prova (e vão 5, entre 3 rallys WRC/ERC, WTCC e WRX) ao coração do desporto motorizado. De Fafe e Montalegre, nada a… Ler mais »