BMW M3E30: Ícone inesquecível
As provas de carros de turismo sempre serviram de inspiração para muitos entusiastas terem em casa algo parecido com um carro de competição. Várias marcas, desde a Jaguar à Austin, passando pela Ford, Fiat-Abarth, Alfa Romeo ou Volvo, deixaram a sua marca na disciplina, mas foi preciso esperar até aos anos 80 para surgir o carro de turismo definitivo: o BMW M3
Com duas décadas recheadas de sucesso nas corridas de turismo, a BMW precisava de uma nova arma para continuar a discutir vitórias nas grandes provas internacionais. Como motivação para criar um carro ganhador, estava o novo Campeonato do Mundo de Turismo, que ia ter lugar em 1987, e que seria o palco ideal para o estrear. Esse modelo começou a ser produzido durante 1986, e o seu nome era simplesmente M3, mais um produto com a assinatura da Motorsport GmbH, a divisão de competição da marca alemã.
As regras do Grupo A obrigavam as marcas a produzir os chamados especiais de homologação, carros com uma produção limitada (geralmente não mais que 5000 unidades, exceto em caso de sucesso junto do público, como foi o caso), e com importantes modificações em relação ao modelo de base. No caso do M3, o carro distinguia-se facilmente do Série 3 que lhe dava origem, começando pela carroçaria, que apenas partilhava o capô com o modelo de origem, ostentando guarda-lamas mais largos, um novo spoiler dianteiro e um aileron traseiro. Tudo isto escondia barras estabilizadoras da suspensão mais grossas, rolamentos mais fortes, molas mais duras e vias alargadas. O motor de quatro cilindros, denominado S14, tinha o bloco da família M10 (já com ampla experiência em competição, inclusive na F1), mas adotava gestão eletrónica Bosch e as cabeças multiválvulas e o curso e diâmetro do M1, ficando com 2302 cm3 e 195 cv de potência, controlados por uma caixa Getrag close ratio. Uma versão Evolution, introduzida em 1988, acrescentou novos pistões, gestão eletrónica melhorada (que deixou a potência nos 215 cv), melhor arrefecimento dos travões, ligeiras alterações aerodinâmicas e vidros mais finos, que permitiram cortar 10 kg na balança.
A versão de competição ficou pronta a tempo do início da temporada de 1987. O novo Campeonato do Mundo era a prioridade, a par do Europeu e do DTM. A própria Motorsport criou um kit, que foi distribuído pelas suas equipas de fábrica, que permitia aumentar a potência para 300 cv (128 cv/litro) às 8000 rpm e reduzir o peso para 960 kg.
A prova que potência não é tudo
A primeira corrida do BMW M3 foi os 500 km de Monza, prova de abertura do WTCC, marcada para 22 de março. A exclusão dos Ford SierraCosworth da equipa Eggenberger antes da corrida, por usarem uma gestão eletrónica de marca diferente da homologada, dava aos carros alemães a vantagem. O WTCC, tal como o ETCC, dividia os carros por três classes de cilindrada (até 1,6 litros, até 2,5 litros e acima de 2,5 litros), e o M3 ficava na intermédia, mas a boa relação peso/potência e um comportamento mais adequado deveriam ser suficientes para lutar pelas vitórias à geral.
Assim, sem concorrência, seis dos nove BMW M3 presentes (dois da CiBiEmme, dois da Linder, um da Schnitzer e outro da Bigazzi) ocuparam as seis primeiras posições na pista italiana, com uma gigantesca vantagem sobre o pesado Holden Commodore australiano. Veio então o golpe de teatro: os BMW também estavam ilegais (os seis primeiros e o oitavo classificado), primeiro por terem montado um capô de kevlar em vez de plástico, e depois quando foi descoberto que os painéis do tejadilho eram demasiado finos. Apenas um carro não foi desclassificado, um modesto exemplar de preparação caseira do húngaro Jozsef Cserkuti, que se viu catapultado de 11º para quarto.
Foi preciso esperar uma semana pela primeira consagração, no arranque do DTM em Hockenheim. Harald Grohs, da equipa Vogelsang, manteve uma luta animada até ao final com o membro da BMW Junior Team, Eric van de Poele, no carro da Zakspeed, vencendo por menos de um segundo. Foi apenas em abril que Winfried Vogt e Dieter Quester venceram os 500 km de Donington, prova do Europeu, seguindo-se finalmente o primeiro triunfo no Mundial, nas 4 Horas de Jarama, duas semanas depois, pelas mãos de Emanuele Pirro, Roland Ratzenberger e Roberto Ravaglia. Apesar da forte concorrência da Ford (que a meio do ano apresentou a evolução RS500, com um turbo muito maior), a BMW aproveitou alguns erros dos seus adversários e Roberto Ravaglia tornou-se campeão mundial. Vogt venceu o título europeu, onde a sua equipa, a Linder, também ganhou nas equipas. E, finalmente, Van de Poele alcançou a consagração no DTM, mas sem ganhar uma única corrida. Títulos em França, Itália e Holanda, e vitórias à geral na Bélgica e Grã-Bretanha (com Frank Sytner, num carro preparado pela Prodrive, que foi campeão à geral em 1988, vencendo apenas à classe) cimentaram o sucesso do M3 a nível internacional, culminando com o triunfo na Corrida da Guia, em Macau, pelas mãos de Ravaglia.
Evoluir para dominar
A aventura da FIA em criar o WTCC levou à desintegração do ETCC depois da temporada de 1988, mas algumas revoluções estavam a ser operadas em vários campeonatos nacionais. O M3 continuava a colecionar títulos e vitórias, na Alemanha, França e Itália, recorrendo a uma rede de pilotos que incluam antigas e novas estrelas da F1 (Emanuele Pirro, Jacques Laffite, Johnny Cecotto) e especialistas em carros de turismo (Roberto Ravaglia, Fabien Giroix, Steve Soper e Joachim Winkelhock). Em 1990, o Grupo A estava praticamente morto nas pistas, mas o interesse televisivo pelas corridas de turismo estava a aumentar, especialmente na Alemanha e Reino Unido, pelo que a BMW aproveitou para aprimorar o M3 com uma espetacular variante chamada Sport Evo.
A produção do M3 terminou em março de 1990, com 17 970 unidades produzidas, incluindo os especiais de homologação e os 765 raros descapotáveis. O Sport Evo foi o último a sair da linha de montagem, construído em série limitada de 505 unidades, com modificações que pouco fariam pelo carro de estrada mas que eram necessárias para vencer no competitivo clima do DTM. Estas incluíam uma nova árvore de cames, válvulas maiores, refrigeração a óleo, perda de peso nos vidros, pára-choques, tampa da mala e equipamento de série (adeus ar condicionado, computador de bordo e vidros elétricos), e até entrada de ar para os travões em vez de faróis de nevoeiro. A asa traseira era maior (para poder ser afinada), a altura ao solo menor (em 10 mm) e jantes de 18 polegadas eram opcionais. O motor foi aumentado de 2,3 para 2,5 litros, passando a debitar 238 cv.
A versão de competição tinha 330 cv às 8500 rpm, caixa de seis velocidades e pesava 1040 kg, o novo mínimo do DTM. Mas o carro não se destinava apenas às corridas alemãs, pois a marca alemã distribui os seus carros também por Itália e Bélgica. Os franceses aproveitaram ter um regulamento mais liberal em algumas áreas e aumentaram a cilindrada para 2,7 litros, enquanto os britânicos começaram a revolução que culminou na criação dos Superturismos (FIA Classe II), com a Prodrive a montar um motor de 2 litros no M3.
A estratégia funcionou no primeiro ano, com a conquista dos títulos italiano e alemão e a vitória nas 24 Horas de Spa, a última grande corrida internacional para carros de turismo, mas a chegada do Audi V8 de quatro rodas motrizes impediu a BMW de ganhar na sua casa, e não mais voltaria a ser campeã até abandonar o DTM no final de 1992. O M3 continuou a ser um carro competitivo e a colecionar vitórias, mas o seu brilho nas pistas europeias começava a dissipar-se. A região Ásia/Pacífico continuou a ser um refúgio interessante, com dois carros a irem parar à Austrália para as mãos de Tony Longhurst, que não tinha hipótese de lutar contra os Holden, Ford Sierra RS500 e Nissan Skyline GT-R na maioria das provas, mas foi campeão do troféu AMSCAR, realizado na sinuosa pista de Amar Park, construída nas ruas de Sydney. Enquanto isso, Emanuele Pirro venceu a Corrida da Guia em Macau, em 1991, a primeira de três vitórias consecutivas da BMW na então colónia portuguesa. Pirro repetiu a dose em 1992, mas em 1993 a BMW mandou Superturismos para Macau. Mesmo assim, o piloto privado de Hong Kong, Charles Kwan, mostrou que o M3 ainda tinha forças para derrotar os 318i oficiais. Os últimos triunfos internacionais do BMW M3 Sport Evo foram nas duas corridas internacionais neozelandesas que compunham a Mobil 500 Series, mas uma equipa Ford foi campeã graças ao conjunto dos resultados.
Campeão no CNV
Os BMW M3 chegaram a Portugal logo em 1987, com dois carros inscritos pela equipa oficial do importador, a Baviera, para Pedro ‘Pêquêpê’ Queiroz Pereira e Jorge Petiz. ‘Pêquêpê’ e Petiz já tinham feito a corrida do Europeu de Turismo, os 500 km do Estoril, quase terminando na quarta posição antes do abandono. No CNV, os M3 chegaram apenas a tempo da terceira prova, no Estoril, a 24 de maio, prova que dominaram, com ‘Pêquêpê’ a bater Petiz. O primeiro acabou por dominar a temporada, conquistando o título antecipadamente e vencendo um total de seis provas, pelo caminho sofrendo um acidente em Vila Real, que obrigou à aquisição de um novo carro. A dupla separou-se para a temporada de 1988, com a Baviera a reter ‘Pêquêpê’, para quem adquiriu um carro com nova especificação, enquanto Petiz levou o seu carro para a sua nova estrutura, a reativada S. Conrado Competições, com apoio técnico da Alpina e de Teófilo Tuna. Apesar de serem os favrotios, nem ‘Pêquêpê’ nem Petiz ganharam qualquer das seis primeiras corridas, embora o primeiro liderasse o campeonato graças à sua regularidade, mas até ao fim do ano ainda ganhou corridas. Para 1989, os BMW M3 eram menos competitivos face à potência dos Ford SierraRS500, mas ‘Pêquêpê, que esteve afastado devido a um acidente na Rampa da Portalegre, terminou o ano com três vitórias, enquanto Jorge Petiz quebrou um jejum de três anos com o triunfo na Rampa da Régua, mesmo assim não chegando para impedir Ni Amorim de ser campeão antecipado. A realização do CNV com carros de Grupo A chegou a estar em dúvida para 1990, mas Petiz regressou com o seu carro, conquistando três triunfos, um deles inesperado, em Vila do Conde. Jorge Félix ficou com o antigo carro de ‘Pêquêpê’, mas depressa desapareceu das listas de inscritos. Em 1991, Petiz regressou com a S. Conrado, enquanto Félix ressurgiu integrado no Team Real Vinícola, mas apesar de algumas valentes tentativas, foi impossível bater os Sierra. Em 1992, só houve Grupo N Nacional, mas Petiz tirou o M3 da garagem em 1993, colocando-lhe um motor de 2 litros de Superturismo para lutar pelo título do CNV.