AVUS – Dos ‘Flechas de Prata’ ao DTM (Parte 2)


Por Guilherme Ribeiro

Quando a II Guerra finalmente terminou, a Alemanha estava em ruínas e ocupada pelos aliados – França, Inglaterra, EUA e URSS, dividida em quatro zonas. O mesmo se passava com a capital, Berlim. Durante muitos anos, foi escrito que o circuito de AVUS ficou definitivamente cortado porque a Curva Sul estava no sector soviético, mas trata-se de uma lenda. Na verdade, a pista estava dividida entre a área americana e britânica, enquanto o sector soviético começava alguns quilómetros abaixo da curva sul. Aliás, os bancos de terra e a área florestal que fora derrubada para construir a nova Curva Sul passaram a ser usadas pelos americanos como terreno de treino de tiro. Depois de receber Goebbels e companhia em 1937, AVUS receberia em 1945 o presidente norte-americano Harry Truman, que passou revista às tropas desde as bancadas da meta, depois da Conferência de Potsdam.

Parecia impossível que o circuito alemão voltasse a ser usado, mas AVUS parecia ter sete vidas e, em 1951, ano e meio depois de o desporto automóvel regressar à Alemanha, o circuito estava de novo em condições de receber competições, sendo usado tanto nas duas como nas quatro rodas. No entanto, o traçado tinha agora cerca de 8,3 Km, mais ou menos metade da extensão original. Com a divisão da Alemanha em 1949, o Checkpoint Bravo, uma das principais vias terrestres que ligava Berlim à Alemanha Ocidental, foi estabelecido perto da antiga Curva Sul, o que forçou o seu recuo. Ao mesmo tempo, a redução do circuito para metade permitia aos espectadores verem os carros passar mais vezes, tornando a pista mais atrativa.

Depois de receber eventos locais e provas de F2, AVUS voltou à ribalta com uma prova de F1, embora numa prova extracampeonato, em 1954. Decerto que o regresso triunfal da Mercedes à competição automóvel não foi alheia a esta decisão, mas as velocidades elevadas e os riscos da Curva Norte não cativaram a maioria das equipas, assistindo-se a um domínio absoluto da Mercedes, tal como já acontecia na F1. Fangio, Kling e Herrmann cedo se destacaram e trocaram continuamente de posições, para gáudio dos espectadores e, no final, Fangio deixou Kling vencer. O piloto alemão, homem da “casa” Mercedes desde o pré-guerra, foi fundamental no regresso da marca da estrela de três pontas ao automobilismo, tanto nos Sport-Protótipos como na F1, sendo amplamente responsável pelos testes da equipa, recebendo assim uma merecida recompensa. No entanto, o G.P. da Alemanha estava devidamente estabelecido no mítico Nürburgring e AVUS recebeu maioritariamente provas nacionais até que, em 1959, os responsáveis alemães decidiram realizar o G.P. da Alemanha em AVUS. Desde cedo, fizeram-se ouvir muitas críticas por parte dos pilotos. Em primeiro lugar, a pista continuava a ser considerada como muito perigosa devido às velocidades atingidas, mas era também considerada como desinteressante pelos pilotos, já que não oferecia grande desafio técnico. E, infelizmente, ficaria marcada pela tragédia.

Pela primeira e única vez na história da Fórmula 1, um Grande Prémio foi dividido em duas mangas, sendo o resultado final atribuído pela soma de tempos de ambas. Tal decisão por parte dos organizadores deveu-se ao facto de se antever uma degradação elevadíssima dos pneus devido às elevadas velocidades atingidas e à tensão causada pelo banking. Na véspera do G.P., disputou-se uma prova de Sport-Protótipos, debaixo de chuva, e o popular Jean Behra perdeu o controlo do seu Porsche na curva norte e galgou o parapeito desprotegido da “Muralha da Morte”, batendo num poste e causando morte instantânea ao piloto. Vários amigos tinham pedido ao francês que não alinhasse, já que a chuva tornava o pavimento de tijolo muito escorregadio, mas o destino levou um dos melhores pilotos da época. Felizmente, no dia da corrida, a pista estava seca e assistiu-se ao domínio da Ferrari. Tony Brooks venceu e continuou na luta pelo título, mas foi por muito pouco que não houve nova tragédia, desta vez no lado oposto do traçado. Depois da redução do circuito, a Curva Sul assemelhava-se a uma rotunda de raio reduzido, delimitada por fardos de palha. Hans Herrmann, que alinhou no G.P. pela BRM, falhou a travagem e bateu nos fardos de palha. Por milagre, Hans foi ejetado e não sofreu lesões graves, já que o carro levantou voo e deu uma série arrepiante de voltas no ar antes de cair violentamente na pista.

Aquele fim-de-semana de agosto de 1959 tornou o circuito de AVUS ainda mais impopular e obsoleto e as competições só regressaram em 1961, maioritariamente nas duas rodas e usando um traçado mais curto. Eventualmente, algumas provas internacionais regressaram episodicamente, mas o golpe de misericórdia não tardou. Em 1967, as autoridades decidiram alargar o nó que ligava a autoestrada do circuito nas imediações da Curva Norte, o que obrigou à demolição do banking. No entanto, o circuito não foi encerrado, já que era a única pista existente nos arredores de Berlim, cercada pelo Muro. Assim, decidiu-se reconstruir a curva norte sem inclinação e com um raio ligeiramente menor devido às obras. Ironicamente, foi uma decisão acertada, já que a nova curva obrigava a uma abordagem muito mais técnica. Com o florescimento das provas de turismo e GT na Alemanha, nomeadamente o campeonato DRM, assim como das provas de Grupo 7 do campeonato Interserie, AVUS recuperou bastante popularidade, não tardando a receber também provas internacionais de F3 e F2, mas, na viragem para os anos 80, o uso voltou a ser exclusivamente nacional.

Entretanto, o Grupo 7 praticamente deixou de existir e o velho DRM tinha dado lugar aos Grupo C, que não tardaram a abandonar o circuito berlinense, e as queixas dos espectadores cresciam, já que o perímetro do circuito continuava a ser demasiado longo e viam os carros passar poucas vezes pela meta. Deste modo, em 1989, os promotores do circuito renderam-se à evidência e reduziram o circuito para metade (cerca de 4,9 Km), tal como tinha sido usado por vários anos nas provas de duas rodas, e a Curva Sul tornava-se num gancho. Três anos depois, novas alterações. Para responder à crescente popularidade do DTM e às velocidades crescentes, o circuito de AVUS perdeu, pela primeira vez, a sua essência de circuito de alta velocidade – em primeiro lugar, procedeu-se a nova redução, ao mesmo tempo que foi colocada uma chicane de média velocidade a meio da reta que levava à Curva Norte, passando o circuito a contar com 2,6 Km de perímetro. Porém, era evidente que a pista estava “fora de prazo”. Era já estreita para os padrões da época e não raras vezes a Curva Sul e a chicane eram palco de acidentes espetaculares que bloqueavam o circuito.

O golpe fatal chegou em 1995, quando o popular piloto

inglês Keith Ódor perdeu o controlo do seu Nissan numa prova do campeonato STW,

perto da Curva Norte, e ficou atravessado na pista, sendo atingido do lado do

condutor por Frank Biela. O piloto da Nissan teve morte instantânea, e o

circuito não foi mais usado pelos monolugares e pelo DTM. Ainda se construiu

nova chicane, desta vez lenta, a chegar à Curva Norte, mas AVUS estava

condenado ao fim. Além de ser um circuito obsoleto, tornava-se cada vez mais

complicado fechar uma das principais autoestradas do país para a disputa de

provas, além das pressões dos ambientalistas. E o público de Berlim já não

estava encerrado desde finais de 1989… Quando foi aprovada a construção do novo

Lausitzring em 1998, a pouco mais de 100Km a sul der Berlim, as Federação Alemã

de Automobilismo decidiu encerrar AVUS nesse mesmo ano. Do velho traçado restam

apenas as bancadas, que estão agora a ser preservadas, e a antiga torre de

controlo sobranceira à Curva Norte que foi, entretanto, convertida num motel e

restaurante, mas manteve a estrela da Mercedes e o painel da Bosch que a

tornara, intemporal. Como curiosidade final, é interessante ver que, do alto da

torre, percebemos que as retas de AVUS não eram tão perfeitas como as projeções

aéreas e os desenhos do traçado em livros e revistas nos fazem fazer querer.

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