Ricardo Porém: “Simbiose perfeita entre piloto, navegador e máquina é essencial”
Ricardo Porém vai no início de 2021 disputar pela terceira vez o Dakar, a segunda vez com um Borgward BX7 DKR Evo. Depois da estreia com a equipa o ano passado, as responsabilidades são maiores, mas também a ambição.
Ricardo Porém vai disputar pela terceira vez o Dakar e depois do ano passado na sua estreia com a Borgward ter corrido com o seu irmão Manuel Porém ao lado, desta feita volta a Jorge Monteiro, que com ele tinha disputado o último Dakar sul-americano. Depois de um ano em que as coisas não correram da melhor forma, nesta edição a equipa vai mais bem preparada. A confiança no Borgward é agora maior, fruto da aprendizagem do ano passado, e o facto de ter corrido ao lado de Nani Roma também foi positivo, pelo que se as coisas correrem sem grandes contratmepos um top 10 é possível. Mas não vai ser fácil. Seja como for, um Dakar fácil também não tinha graça…
Há muito sonhavas com o Dakar, mas o tempo passa depressa, e já vais para a tua terceira participação. Que balanço fazes até aqui destas tuas duas aventuras de SSV e o ano passado com a Borgward?
É verdade que desde pequeno que cresci a ver o Dakar, onde os primeiros 15 dias de Janeiro eram colados à TV a ver a mais dura prova de Todo-Terreno do Mundo. Obviamente que é especial e tudo passa a correr. Vou já para a terceira experiência no Dakar, depois de uma aventura nos Side-by-Side e outra nos Autos. Esta será uma edição onde me quero afirmar mais na categoria Auto, que foi sempre a grande aposta da minha carreira. O balanço das duas participações anteriores é proveitos, uma vez que os erros servem como aprendizagem para o futuro e, é mesmo por isso, que um balanço acaba por ser sempre positivo. Fazer o Dakar de SSV acabou por ser importante para conhecer a prova e a sua estrutura, terminando a prova. Já o ano passado, não tivemos a mesma sorte e a mecânica a acabou por nos trair, não nos permitindo terminar, deixando-nos alguma aprendizagem e permitindo-nos preparar melhor a edição de 2021.
Gostaste mais do Dakar da América do Sul ou da Arábia Saudita?
Gostei naturalmente mais da versão na Arábia Saudita, pela diversidade de pistas, pelas fantásticas paisagens e por as condições logísticas que a organização nos proporcionou em 2020. No Peru as pistas eram mais monótonas.
As dunas, são mesmo como divãs, ou são uma enorme dor de cabeça?Quais são as dunas que não queres mesmo ver à frente?
As dunas são sempre o ponto alto de cada etapa. Conseguir transpor as mesmas obriga-nos a ter algum conhecimento e habilidade, portanto temos que estar sempre muito concentrados. É com base na experiência que vamos conseguir ultrapassar os cordões de dunas sem sobressaltos e sem ‘atascarmos’. Se me perguntam se é divertido, claro que concordo, mas reconheço que há momentos de tensão que deixam mais stressados e que nos obrigam a pensar rápido. Quando ficamos atascados, porque também acontece, há que resolver o problema o mais rápido possível… (risos)
Que parte menos gostaste do percurso do ano passado?
O que menos gostei foi mesmo as etapas com muita pedra. Houve mesmo uma etapa onde tivemos quatro furos e só tínhamos três rodas suplentes. Tomámos a decisão de fazer os últimos 80km da especial sempre com uma furada e as outras três rodas sempre a trocar… Acredito que este ano, com a experiência adquirida o ano passado, talvez consiga superar melhores esses dias, porque eles vão existir.
A aventura com a Borgward começou o ano passado. Como se esperava, as coisas foram complicadas, são sempre para os novos projetos. Esperas muito mais do carro, da equipa e do Dakar deste ano?
Sim, as coisas acabaram por não nos correr da melhor forma, acabando por ter de desistir. Ainda assim, a Borgward Rally Team, que é assistida diretamente pela Wevers Sport, é uma equipa muito capaz que está mais preparada, que adquiriu mais conhecimento e que fez um estudo muito intenso e alargado sobre os problemas sentidos na edição de 2020, identificando todos os problemas. Isso deixa-me bastante confiante para a edição de 2021, onde serei o único piloto na equipa, tendo todo o foco no final de cada etapa no carro e a dar o melhor todos os dias para que consigamos atingir os nossos objetivos.
Ainda te consideras um semi-rookie no Dakar?
Quando nos comparamos com os pilotos da frente e mais experientes, posso considerar-me um semi-rookie, ainda por cima num ano em que fiz apenas a Baja Portalegre. Outras equipas já estão neste momento na Arábia Sauditam a competir, o que acaba por deixar sempre na posição de ‘rookie’, com a algum conhecimento em Dakar, adquirido nas duas últimas participações, que nos pequenos detalhes podem fazer a diferença e ajudar a ultrapassar uma dificuldade que possa vir a aparecer.
O que é que aprendeste em 2019 com o SSV, que te serviu para a prova do ano passado com o Borgward e o que aprendeste o ano passado que te vai servir para a prova de 2021?
Na primeira participação, acabei por conhecer melhor o que é a corrida, o que é o Dakar. Aqueles dias consecutivos de etapas duras, feitos num Side-by-Side, o que acresce a dificuldade. Dias longos, com muito frio nas ligações, onde passamos cerca de 12 horas com o capacete na cabeça. Em 2020, não completámos todas as etapas o que não nos permitiu ter toda a experiência. Mas na verdade é que em todos os dias de Dakar aprendemos algo novo, mesmo os mais experientes. Vamos mais bem preparados que em 2019 e 2020 e certamente vamos aprender algo em 2021 que nos vai permitir ser ainda mais competitivos em 2022, se lá estivermos.
Disseste o ano passado que o Borgward é um carro competitivo, bastante fiável, mas que não está ao nível dos carros mais evoluídos, como os Mini ou Toyota, e que estava no bom caminho. E este ano o que achas?
É verdade que o Borgward é um carro competitivo e fiável. Como referi anteriormente, os problemas sentidos em 2020 foram identificados e resolvidos como é o caso do que tivemos na caixa de velocidades, que tinha defeito de fabrico, fruto de um problema de origem na marca. Eu acredito que foi mais a pouca sorte do que falta de fiabilidade. Em tudo é preciso sorte, mas não é menos verdade que a sorte dá muito trabalho e acredito que este ano as coisas estão alinhadas para que essa fiabilidade esteja connosco. Não é um MINI, não é uma TOYOTA, até porque essas marcas investem muitas horas e dinheiro para atingir o seu objetivo que é o Dakar. A Borgward faz o seu trabalho, traça o seu caminho e procurar os seus objetivos, que estão bem delineados e que acredito que vamos conseguir atingir.
Que estrutura vais ter no Dakar a trabalhar contigo?
A Wevers Sport leva para a Arábia Saudita uma estrutura conta com cerca de 10 pessoas, que lhe permitir assistir a Borgward Rally Team e o nosso Borgward BX7 DKR.
O ano passado podias ‘beber’ da experiência do Nani Roma. Este ano, és o chefe de fila. Como vai ser?
O Nani Roma, aliado ao facto de já ter ganho dois Dakar’s, tem uma experiência incrível no desenvolvimento de carros, o que me permitiu uma experiência incrível em 2020. Um piloto com o qual aprendi muito e que tem uma forma de estar e de ensinar muito interessante, que permitiu que nos tornássemos amigos. Isso foi sem dúvida umas das coisas mais importantes que retirei da edição do ano passado. Este ano a responsabilidade aumenta, vou ter que representar da melhor forma a Borgward mas sinto que com as competências adquiridas o ano passado o irei fazer da melhor forma.
Como se prepara um piloto fisicamente e mentalmente para um Dakar?
Na falta de fazermos fazer quilómetros ao volante do Borgward, tentamos sempre estar activos fisicamente durante todo o ano, intensificando o treino físico nos últimos 5 meses pré-Dakar que nos permitam chegar a Janeiro numa boa forma física. Pessoalmente faço cerca de 5 treinos por semana, variando a intensidade e duração do treino, que me permite não só estar bem fisicamente como mentalmente. Acompanhamento certo com bons profissionais vai certamente fazer toda a diferença, num ano em que me preparei fisicamente, melhor do que nunca, para a participação no Dakar.
Falou-se muito o ano passado do espírito de entreajuda, por causa das etapas muito longas, de sair cedo, chegar tarde, muitas horas dentro do carro. Que histórias podes contar do ano passado?
É verdade que Dakar está associado a espirito de sacrifício, entreajuda, muitas horas de condução e pouco descanço. Apesar de não termos terminado em 2020, houve momentos em que tivemos de mostrar essas entreajuda e não aconteceu mais vezes, porque no dia em que o Nani fura e fica sem rodas suplentes, espera por nós mas nós também já tínhamos furado três vezes, acabando por não o conseguirmos ajudar da forma que poderia e gostaria. São as condicionantes do Dakar…
Há a novidade Prodrive/Loeb na prova deste ano, face aos Toyota e Mini. Quem achas que vai ganhar e porquê?
É uma questão difícil, porque ainda não vimos a Prodrive a competir diante da Toyota e Mini. Acredito que tendo em conta a equipa e os pilotos que desenvolveram o carro, seja possível que tenham um bom andamento. Ainda assim, acredito que mesmo conseguindo o Nasser Al Attiyah colocar a Toyota ao nível dos Mini, a vitória penderá para a MINI.
Vamos andar de olho em ti, quem achas que são as equipas que podem causar surpresas com bons resultados, para lá dos oficiais?
Espero fazer bons resultados! Apesar do Dakar ser uma prova muito grande, espero conseguir fazer bons resultados, de alguma forma surpreendentes em algumas etapas. Mas penso que não podemos tirar o foco por exemplo do Filipe Palmeiro, que vai navegar o BenediktasVanagas numa viatura exactamente igual às oficiais, apesar de ser numa estrutura privada que vão certamente fazer um bom trabalho, tal como o Paulo Fiúza também num projeto MINI, como navegador. Talvez por sentimento patriótico, vou estar a puxar por estes dois projetos enquanto surpresas. Há 20 a 30 pilotos no Dakar que vão discutir bons resultados e acredito que será um Dakar renhido e bonito de acompanhar e espero que se mantenham de olho em mim e que isso me traga uma força extra para que os resultados sejam atingidos.
O que esperas da tua carreira no TT? Ser um piloto Dakar, gostavas de um projeto na Taça do Mundo Bajas, ou Taça do Mundo de TT?
Sinto que tenho feito uma carreira no sentido certo. Comecei no Campeonato Nacional de Todo-Terreno, com algumas incursões na Taça do Mundo e agora a minha carreira está virada para o Dakar. Naturalmente que gostaria de pode conciliar mais provas com o Dakar, mas os projetos desportivos que tenho abraçado não continham essa premissa.
Portugal tem um grande campeonato de TT, bons pilotos e carros, mas projetos maiores é difícil. É só o dinheiro que falta, de resto temos tudo?
Portugal tem efetivamente um bom campeonato, com boas viaturas e bons pilotos que podiam dar o salto, saindo da sua zona de conforto para participar em provas da Taça do Mundo para posteriormente entrerarem no Dakar. Não consigo perceber as razões, mas não deixa de ser favorável para o fãs portugueses que acabam por ter um bom campeonato e assistir de perto a provas competitivas.
Estás à vontade com o Jorge Monteiro na bacquet do lado direito, como estarias com o teu irmão. Em quê é diferente ser um ou outro?
Sim! Estou muito à vontade com o Jorge Monteiro, tal como com o Manel. Sã ambos dois excelentes navegadores que cumprem na íntegra as suas funções. Quando soube que o Manel não podia marcar presença na edição desta ano, a primeira pessoa em quem pensei foi no Jorge e liguei-lhe de imediato e disse-lhe: “Jorge, temos de ir lá mais um ano”! Fizemos juntos o Dakar 2019 juntos, vencemos Portalegre juntos, já competimos em Marrocos, também juntos! Há uma grande cumplicidade entre nós e os resultados provam isso mesmo. Tenho imensa estima, admiração e confiançano Jorge e tenho a certeza que vamos conseguir fazer a nossa prova e atingir os nossos objetivos.
Como é viver 15 dias fechado num carro, em percursos tão difíceis. É mais difícil mentalmente ou fisicamente?
Essa é uma pergunta difícil de responder. Se fosse fácil não estaríamos a falar do Dakar. Esta é uma prova muito grande onde um simbiose perfeita entre piloto, navegador e máquina é essencial. Quando as coisas correm menos bem, é mais difícil ultrapassar esse sentimento e encontrar uma solução rápida. Já fisicamente se as coisas forem correndo bem, o cansaço aparece mas é compensado pela parte mental. É um pergunta difícil, para a qual penso não haver uma resposta só.
Não é possível, mas imagina que podia escolher um ‘joker’ para o Dakar. Pudesses escolher entre uma pilotagem a 100% da tua parte, uma navegação a 100% da parte do Jorge ou não teres azares mecânicos mais graves, só as pequenas coisas naturais, qual escolhidas. E não podes dizer todas! Sabemos que é o equilíbrio entre as três que garante resultados, mas qual é a que melhor pode definir o resultado duma prova?
Das três, e como referes, tem que haver um mix de todas e regularidade. Mas escolhendo, optava por não ter azares de mecânica, uma vez que erros existem sempre e outras coisas que acontecem em etapas de 500km. O objetivo é estar todos os dias ao final do dia e com erros é possível chegar ao fim, já com azares mecânicos….
E se tiveres que dividir percentagens de importância entre as três? O que ‘vale’ mais e menos?
Se tivesse que dividir entre as três daria mais importância à navegação e mecânica do que à pilotagem. Poupar o carro e ter a navegação certa faz com que consigamos poupar tempo e seguir o road-book, daí valorizar mais as duas opções mencionadas anteriormente.
O que gostas mais e menos no Borgward BX7 DKR?
Destaco o chassi fantástico, bem como toda a preparação de settings que desenvolvemos ao longo do ano e também no ano passado com o Nani Roma para esta corrida. Talvez o motor seja o que pode não estar tão alinhado com a performance do carro, quando comparado com a Toyota que por exemplo tem mais disponibilidade de binário.
Tens um patrocinador que trabalha com essa tecnlogia, explica lá melhor o que pode vir a ser um veículo a Hidrogénio no Dakar?
É verdade, o meu main sponsor é a PRF GasSolution. Uma empresa que faz todo o tipo de infraestruturas e manutenção em redes de Gás. Foram pioneiros em todas as tecnologias de gás anteriormente desenvolvidas e estão na linha da frente do hidrogénio. São a empresa de referência ao nível desta tecnologia em Portugal e num ano tão importante, onde se fala tanto da mudança das energias renováveis e alternativas no Dakar, não poderíamos deixar de representar esta empresa que me acompanha desde o início do meu percurso desportivo. O futuro vai ser ligado às energias renováveis, sempre com a parte ecológica diretamente ligadae veremos se um dia não estarei a fazer o Dakar num carro a hidrogénio.
Extreme E. O que achas?
O Extreme parece-me um campeonato interessante que pode vem demonstrar o futuro da modalidade. Se é com a tecnologia actualmente disponibilizada ou não, não sei. O Campeonato está com uma boa base de organização, tem bons pilotos e equipas. O futuro está lançado.
Qual é o piloto que mais admiras no TT?
Face ao seu palmarés e à sua forma de estar, penso que o Stephane Peterhansel é a referência. Um homem que venceu vários Dakar’s, tanto nas duas rodas como quatro rodas e ainda hoje disputada os lugares da frente de qualquer etapa é sem dúvida um excelente piloto. Quem sabe o um dia conseguirei chegar a metade dos títulos da sua carreira.