Entrevista a Gerard de Rooy: “os desportos motorizados são um laboratório de inovação”
O ano de 2022 começou com mais uma desafiante edição do lendário rali Dakar e Gerard de Rooy, proprietário da equipa Petronas Team de Rooy Iveco, que já venceu o Dakar por duas vezes, em 20212 e 2016, é agora uma das forças impulsionadoras quando se trata de ser pioneiro em novas tecnologias, e de testar no terreno no Dakar.
Tendo viajado por três continentes desde a corrida inaugural, em 1978, o chamado rali ‘monstro’ teve lugar, pelo terceiro ano consecutivo, na Arábia Saudita. Além das conhecidas esgotantes etapas, tanto para as equipas como para o equipamento, o rali também se destaca pelas magníficas paisagens, pela solidariedade e pelas extraordinárias competências dos pilotos, navegadores e mecânicos. Desde o seu início, o Dakar reúne os melhores pilotos e copilotos de rali-raids, e proporciona uma experiência de sonho tornado realidade a todo o tipo de aventureiros, prontos a conquistar o deserto e o inesperado.
Este ano fizeram a sua aparição os primeiros veículos totalmente elétricos. Em linha com a sua vasta ambição de transição energética, o organizador, a ASO, introduziu uma categoria T1-U (T1 Ultimate), para protótipos que funcionam com combustíveis com baixas emissões de carbono.
Como se apresenta o futuro do Dakar?
Tal como acontece com a transição energética em geral na indústria automóvel e do transporte, vemos que os desportos motorizados são um laboratório de inovação para cadeias cinemáticas alternativas. Quando uma tecnologia pode lidar com condições extremas, como as do Dakar, as operações diárias da frota podem beneficiar destes atributos de alta performance.
Nos próximos 10 anos, espero que seja dado um grande passo no sentido dos veículos com baixas emissões de carbono e da transição energética. Com os investimentos realizados pelas equipas e os seus parceiros de desenvolvimento, pela organização do Dakar, e pelas organizações locais de apoio, as coisas irão acelerar. Espero que seja uma transição gradual dos camiões híbridos para os primeiros totalmente elétricos, e para o hidrogénio e mais além na fase seguinte. As tecnologias continuarão a evoluir rapidamente, e o standard que hoje vemos não será a referência para os veículos de baixas emissões do futuro.
Como está a sua equipa a preparar-se para esta transição para veículos de baixas emissões?
Dentro da nossa equipa, temos o desenvolvimento de um camião completamente elétrico para arrancar em 2022, contudo, com os atuais problemas de fornecimento na indústria automóvel, a introdução foi adiada para 2023. Começaremos a testar este EV este verão, para afinar ainda mais as tecnologias, e determinar o ajuste final do motor e do veículo com os nossos parceiros de desenvolvimento.
Creio, firmemente, nas cadeias cinemáticas alternativas e nas corridas de baixas emissões. Dentro da equipa De Rooy, estamos sempre ansiosos por descobrir novas pistas e superar os limites no sentido de alcançar uma extraordinária performance e sermos mais ecológicos.
Porém, para mim, tal não termina com a introdução de novas tecnologias alternativas inovadoras nos camiões, precisamos de ter uma visão global, e isso inclui que se progrida em áreas como os veículos de assistência de baixas emissões, ou o fornecimento de energia alternativa no bivouac (por exemplo, painéis solares, geradores a energia alternativa…).
O que vê que possam ser potenciais obstáculos à mudança ecológica?
Já vemos hoje veículos híbridos, e mesmo totalmente elétricos. A tecnologia está aí; antes de ser completamente acessível a todas as equipas no Dakar, demorará mais 5, talvez, até, 7 anos.
Quando se trata de elétricos, os maiores desafios são a autonomia e a refrigeração dos diferentes componentes, exigida pelos carregamentos/descargas de energia. Especialmente em rali-raids extremos, como o Dakar, ambos os fatores são de capital importância.
Ainda existe trabalho a fazer. Hoje em dia, novas tecnologias de cadeia cinemática são incorporadas em camiões tradicionais, e são adicionados extensores de autonomia para que seja possível competir 400 km por dia. É possível que o hidrogénio não seja totalmente viável para corridas completas, todavia, pode ser uma opção para os camiões de assistência. No futuro, as equipas necessitarão de encontrar um bom equilíbrio entre inovação, performance de topo, resistência e baixa pegada de carbono.
Iremos assistir a uma forma diferente de competir?
Andar a um fundo com um veículo elétrico é um dado adquirido, contudo, o consumo de energia precisa de ser muito bem gerido. A autonomia standard de um veículo elétrico é de 100-200 km em condições de utilização em estrada. Não se pode recarregar no meio do deserto, pelo que precisamos de equilibrar a performance e repartir o uso de energia. Dispor de todo o potencial do motor numa questão de segundos também requere capacidades de condução adaptadas, especialmente em traiçoeiras condições de pistas rochosas, ou em paisagens de dunas tão altas quanto arranha-céus.
Também precisamos de começar a pensar de forma diferente do lado do desenvolvimento, por exemplo: como podemos obter 500 km, ou mesmo 800 km, com uma carga de bateria? Que papel podem desempenhar os diferentes componentes e a inteligência de dados? Ou olhar para uma configuração de competição alternativa, com paragens para carregamento rápido durante a corrida? A infraestrutura de apoio, seja de carga rápida ou de hidrogénio, ou de outros polos de energia alternativa, é, aqui, decisiva e requer investimentos que vão para além das equipas e da organização ASO do Dakar.
Existe alguma tecnologia que mude de forma determinante as regras do jogo?
Ainda não é claro qual será o standard que liderará no futuro… GNL, motor totalmente elétrico, tecnologia de eixos elétricos, hidrogénio, amoníaco…? As novas tecnologias ainda estão em desenvolvimento, e mais surgirão nos próximos anos. O que poderá ser o standard dentro de 10 anos pode ainda não existir hoje.
É uma jornada que requer investimentos de todas as partes, e vejo grande vontade em fazê-los.
Enquanto Team De Rooy, estamos prontos para percorrer o quilómetro verde adicional, ousando testar coisas novas, todavia, ainda envolve muitos testes para alcançar os níveis de performance e quilometragem que pretendemos.
Ser verde, chegar mais longe, ir mais depressa… missão impossível?
O Dakar é tudo acerca de descobrir caminhos por explorar, aceitar novos desafios… Estabelecer novos padrões é parte do espírito vencedor, também no que diz respeito a avançar rumo a um futuro mais verde.
Acredito firmemente que, juntamente com os parceiros de apoio certo no terreno, e por detrás das equipas, lá chegaremos. As novas inovações estão a fazer o seu caminho, e o Dakar é o derradeiro laboratório da inovação.
Se funciona no Dakar, existe uma elevada probabilidade de que funcione praticamente em toda a parte.