Entrevista a Miguel Barbosa: “Temos de levar o desporto automóvel às pessoas e torná-lo mais popular”
Miguel Barbosa assegurou esta temporada o seu oitavo título absoluto no TT. Depois de quatro anos nos ralis, o regresso à disciplina que o viu nascer e crescer nos desportos motorizados nacionais, redundou em mais um sucesso.
Oito títulos de Todo-o-Terreno! Miguel Barbosa voltou em 2020 à sua maior ‘paixão’, o TT e juntou mais um título ao seu já longo palmarés. Desde pequeno quando acompanhava Carlos Barbosa, o seu pai, nas corridas, algo complementado pelo tio Ernesto Neves, foi aí que viu o ‘bichinho’ da paixão pelas corridas nascer e depois do karting, passou pelo TT, pistas e ralis. Sempre muito profissional em todos os seus projetos, o sucesso não demorou a começar a acompanhá-lo e não mais o largou. Fizemos com ele o balanço desta temporada, mas falámos um pouco de tudo, até de Fórmula 1.
Depois de quatro anos nos ralis, regressaste ao TT e foste desde logo Campeão, que balanço fazes da época?
Miguel Barbosa: O objetivo de 2020 foi claramente conseguido, que era sermos campeões de todo o terreno. Acho que nesse aspeto não poderia ter sido melhor.
AutoSport: A Toyota Hilux não era uma novidade para ti este ano, já tinhas andado com o carro este ano, mas não talvez com esta versão. O que é que sentiste em ter feito uma época inteira com o carro, que toda a gente sabe que é dos melhores a nível internacional.
MB: Nós quando pensamos regressar ao Campeonato Nacional de Todo o Terreno obviamente sabíamos que queríamos um carro bom para o fazer. É algo que já me despertava curiosidade e interesse há algum tempo. É um carro que sempre me fascinou e dada a boa relação que tenho com a Overdrive, foi a escolha natural. Já a pensar em 2020 alugámos uma Toyota para fazer o Portalegre em 2019, já para começar a conhecer o carro e a testar. Foi o primeiro contacto que eu tive com o carro, e depois a preparação para 2020. Não há dúvida, é um carro vencedor do Dakar de 2019, um carro super competitivo, que dispensa apresentações e que respondeu em pleno às minhas expetativas. Agora, cabe-me a mim tirar o partido dele. É um carro particular, mas acho que quantos mais quilómetros fizer, mais rápido serei.
AS: O que é que te chamou mais a atenção no carro? Agora que já fizeste muitos quilómetros, o que achas dele? O que é que gostas mais e também o que gostas menos? Porque é que o carro é tão bom? Quais os destaques?
MB: Eu acho que o carro tem muita coisa boa. Há muitos anos que não guiava no TT um carro a gasolina, portanto, aquilo que conhecia desses motores era dos quatro litros. Este motor é de facto uma grande surpresa em termos de binário, em termos de pulmão, porque é um motor muito completo, apesar de ser a gasolina. Foi uma muito boa surpresa nesse aspeto. Tem uma distribuição de massas e de peso muito eficiente, sendo que o carro foi estudo para isso, com a posição de motor e tudo mais, portanto, é um carro que em termos de chassis e suspensão é “top”. A única coisa que falha é que foi feito, e desenhado, para andar no Dakar, sempre carregado de gasolina e de peso e para andar a outras velocidades, que não é aquilo que acontece no campeonato português. Aí, sentimos que havia algum trabalho a ser feito, mas neste ano atípico não tivemos a oportunidade de fazer aquilo que gostaríamos e acabamos por rolar com a afinação do Dakar, que após pequenos testes nos pereceu sempre o mais adequado para Portugal, porque já está testada pela equipa oficial, pela OverDrive e por vários pilotos e funciona muito bem. No fundo, acabamos por regressar à configuração inicial.
AS: Voltaste ao TT este ano e obviamente penso que concordas que o plantel está a ficar melhor a cada ano que passa, tanto a nível de equipas, carros e pilotos, concordas?
MB: Sim, eu acho que tem estado em linha com aquilo que tem sido ao longo dos anos. Não sei o que foi nestes últimos três anos, mas parece-me que os intervenientes são mais ao menos os mesmos. Só do tempo das equipas oficiais, e fiz parte de uma no TT e acho que , pessoalmente, isso faz muito falta a qualquer modalidade, porque as marcas trazem outros envolvimentos. Sou do tempo das equipas oficiais e aí andariam muitos mais pilotos a lutar pela vitória. O nosso parque automóvel sempre foi de fazer inveja, sendo um dos melhores parques da Europa e portanto sempre tivemos um excelente campeonato. Portanto, sim, o campeonato continua com bons carros, bons pilotos, com tudo o que teve ao longo dos anos. Não vejo carros novos a entrar, como o nosso carro, como o carro do Alejandro. Mas, tudo o resto já existia e tem estado sempre bom, mas vai continuar ao longo dos anos. Esta competitividade do campeonato e esta boa qualidade não é de agora. Acho que em termos de pilotos, já tivemos mais bons pilotos, mas, como em todas as modalidades, faz parte.
AS: Por falar em pilotos, recordo-me de termos falado e tu dizias que não havia muitos jovens a aparecer no TT. Mas, ultimamente têm aparecido uns quantos. Tu achas que os SSV são um bom meio para fazer nascer novos pilotos e que eventualmente esses mesmos pilotos possam evoluir para o CPTT, para os Autos? Ou achas que pode ser diferente, apesar de fazer nascer novos pilotos e de ir buscar outros que pudessem não estar a correr e isso ‘canibalizar’ um bocadinho o CPTT? Ou seja, há aqui duas vertentes, trazer novos ou poder ‘canibalizar’, qual a tua opinião?
MB: Acho que faz os dois. Mas, acho que o saldo final é positivo. Isso possibilita de novos pilotos conhecerem a modalidade e tudo mais. Acho muito positivo. Poderá roubar um ou outro piloto, mas quem tiver com a cabeça virada para os automóveis naturalmente irá fazê-lo. Será sempre um bom meio de passagem, um bom meio de iniciação. Portanto, saldo positivo. Claro que há sempre esse risco de roubar um ou outro, mas faz parte. É uma excelente categoria, que em boa hora apareceu e que completa o ramalhete do campeonato. Não só do campeonato nacional, mas também do internacional.
AS: Havendo lá muita gente, continua a ser tudo TT. Auto, SSV, isto, aquilo, é aquele bolo todo que faz parte. É giro ver cento e tal carros a passarem em provas mais pequenas. Já nem falo em Portalegre. Acho que todos ganham com isso.
MB: Partilho da mesma opinião. Acho que o importante é não tentar misturar… ou seja, por vezes vejo erradamente pessoas a tentar comparar as categorias dos SSV e Autos. Acho que é errado, são categorias distintas e assim devem permanecer. As comparações que existem, querer misturar isso é errado. Tal como no Dakar há os Camiões, os Quads na parte das motos, não se compara. Isso deve permanecer em relação aos SSV e aos Auto. Aí, acho que misturar isso tudo vai ser confuso.
AS: Eu explico-te porque isso acontece. Já o fiz ‘uma vez ou outra’. É mais para captar adeptos. É uma simples curiosidade…
MB: Eu nem estava a ir pelo trabalho dos media, pois nunca reparei. Muitas vezes vejo pilotos a quererem demonstrar isso. Estão nos SSV a tentarem mostrar que fizeram mais/menos que os carros, mas isso não são coisas comparáveis. Completamente diferente e acho que para bem das duas modalidades não o devemos fazer. Há espaço para todos e acho que temos mais em ganhar a criar modalidades e categorias distintas do que estar a tentar ver qual a melhor… São diferentes.
AS: E agora, uma ainda mais diferente. Com certeza já ouviste falar do Extreme E. Vês-te dentro de dez anos, ou até menos, a correr com um TT elétrico?
MB: Ainda hoje vimos ser anunciado o Carlos Sainz e Laia Sanz. Ainda há pouco saiu uma notícia da Audi em 2022 com um carro elétrico no Dakar. Começa-se a notar um interesse cada vez maior. Agora, há muitas questões por responder. Tal como disse, há espaço para todos. Acho que não vai haver uma transformação total, mas acho que o desporto automóvel vai ter várias vertentes. O elétrico está a crescer, mas está muito longe daquilo que é o desporto automóvel em termos de motores normais, a combustão, e acho que isso ainda vai demorar muitos anos. Acho interessante que se possa explorar novos caminhos, que sejam viáveis e sejam possíveis de explorar. Neste momento, são coisas apenas possíveis para fábricas e construtores. Tenho muitas dúvidas que se possa generalizar isso. Acho que já não será para mim… [risos]
AS: Olha que nunca se sabe, dez anos talvez seja demais, mas a paixão fica sempre. Tiveste os quatro anos anteriores nos ralis. Saíste do TT, depois de muito sucesso, mas, encontraste o TT melhor ou pior do que em 2015?
MB: É assim… igual…Achei-o igual, como disse há pouco, os intervenientes são basicamente os mesmos, o número de participantes mais ao menos os mesmo, as provas as mesmas e portante nesse aspeto tal e qual tinha deixado. Obviamente que terá sempre um novo piloto ou um novo carro, mas isso faz parte do passar dos anos. É a evolução natural. O TT não mudou assim tanto, continuando igual aquilo que era.
AS: E estes quatro anos que estiveste nos ralis? Já os consegues definir? Com certeza que foram um desafio bem grande.
MB: Foi um desafio bem grande e acho que entrei numa fase em crescendo no Campeonato Nacional de Ralis. Eu quando comecei a olhar para ele havia uma equipa oficial, a Citroën, depois quando entrei, tivemos equipas a voltar, pilotos a regressar, como o caso do Armindo, do Bruno. Também mais carros novos. Eu apanhei o Campeonato Nacional de Ralis, como vocês escreveram muitas vezes, que ninguém tem memória de um campeonato tão forte como foi estes últimos anos que participei. É positivo, mas é uma modalidade diferente daquilo a que estava habituado, recheada de muitos e bons pilotos, com muita quantidade e qualidade. Foi bom para a minha evolução. O objetivo era ser campeão nacional, para juntar aos campeonatos no TT e na velocidade. Não conseguimos, mas ao mesmo tempo saímos de consciência tranquila de que tudo fizemos. Acho que tivemos uma excelente participação, com três anos na terceira posição, sendo que o último ano foi o que nos correu pior. Mas, evoluímos bastante, mas o principal objetivo não foi conseguido. Continuo satisfeito de ter tomado essa decisão, de ter participado nos campeonatos e ter lutado por campeonatos e provas. Tivemos ao mais alto nível, sendo essa a principal preocupação. Os resultados finais não foram os que queríamos, mas saímos satisfeitos.
AS: A verdade é que o campeonato subiu muito de nível e para quem vinha de fora, sem ralis no passado, tornou-se mais difícil. Houve muita gente que se surpreendeu com a tua saída, porque tu estavas cada vez mais perto de ganhar mais vezes e eventualmente chegar ao título.
MB: Eu tinha imposto a mim um prazo de três anos. Acho que tínhamos de ter a noção de que os projetos têm o seu tempo de vida e não podem ser eternos. Sempre tive essa postura e sempre gostei de ter projetos interessantes, moldados há atualidade e diferentes. Tinha na minha cabeça três anos e senti isso que estás a dizer. Que estávamos mais perto, em termos das provas, estivemos na luta pelo campeonato. No penúltimo ano foi muito forte em termos de campeonato. Quando cheguei ao final do terceiro ano pensei “bem, apesar de ter denominado uma estratégia de três, vamos a mais um para tentar”. A verdade é que foi o pior ano em termos de resultado final, mas em termos de andamento foi muito superior, a cada ano. Acho que a certa altura não podemos queimar anos atrás de anos e acho que sempre habituamos a vencer, sempre tivemos outra presença e a verdade é que foi a altura de regressar ao TT, à nossa disciplina, onde temos o nosso lugar bem vincado. Senti que era altura de não gastar mais cartuchos nesses projetos e não me arrependo nada dessa decisão. Acho que foi a decisão correta e muito satisfeito de ter regressado ao TT.
AS: Agora com o TT, porque não o Dakar? Já lá estiveste, tens essa vontade. O que pretendes fazer quando reunires condições para o teu regresso lá? Lutar pelos dez primeiros?
MB: Quando fazes o Dakar, queres voltar a fazer. Eu sempre disse que foi algo que ficou por fazer. Mas, não sei. Nós o último ano que fomos, 2010, lutamos pelos dez primeiros. Ficamos à beira dos dez primeiros. Tivemos alguns problemas mecânicos que acho que podíamos ter ficado entre os dez primeiros. Portanto, acho que é resultado perfeitamente possível e na altura foi. O primeiro ano começamos com o pé direto. Fiquei com a sensação de que ficou muito por fazer naquela prova. Nós nunca tínhamos feito provas internacionais, não fizemos nenhuma para preparação, com apenas alguns testes, sempre curtos em relação a pilotos que estão o ano inteiro a preparar o Dakar e pronto, tínhamos as nossas limitações. Acho que ficou muito por fazer nesse sentido. Acho que quem tem a paixão pelo Dakar e que faz o Dakar quer regressar e portanto não escondo que gostava de regressar lá
AS: O que te fascina mais no Dakar?
MB: O Dakar, para mim, é os Jogos Olímpicos da modalidade. É uma experiência única. São duas semanas de competição sem parar, com os melhores pilotos do mundo, com as melhores equipas, em terrenos completamente diferentes daquilo que conhecemos. Tem uma mistura de aventura, de travessia de continentes, de descoberta. É uma mistura de competição com aventura e com tudo aquilo que a faz especial. A dificuldade que ela tem, acho que isso a torna especial. E não conheço mais nenhuma prova que se dispute durante 15 dias de seguida na nossa realidade. É um grande desafio a nível de superação humana. É esse desafio que atraí os pilotos, não sendo apenas a velocidade pura e tudo mais. São estes fatores todos.
AS: É-te indiferente fazer o Dakar em África, na Argentina ou na Arábia Saudita?
MB: Indiferente. O espírito do Dakar está presente nos organizadores e eles para onde quer que vão conseguem implementar isso. Não tem nada a ver com uma região geográfica, mas sim com o espírito da prova. E isso, tem se mantido bem. Tive a oportunidade de constatar isso. Fez uma vez em África, uma vez na América do Sul e gostei mais de fazer na América do Sul do que em África porque achei as coisas mais variadas, as etapas mais completas. Apesar de ser totalmente diferente, gostei. Como sabes, tive este ano a ver como era este novo DAKAR na Arábia Saudita. Tem uma série de aspetos positivos e começa logo com a diferença horária. Na América do Sul não era benéfica para nós e agora é, porque estamos a meio da manhã e eles estão a acabar. Tudo o que é imagens, notícias, chega sempre a tempo e horas a Portugal.
AS: E isso é mais fácil dos media europeus seguirem. Muito mais.
É, enquanto na América do Sul chegava tarde e a más horas e já perdia muita força. MB: Sim, pois [risos]. Acho que na Arábia Saudita, para além destas excelentes condições, em termos de terreno, logísticas, financeiras, para receberam a caravana toda, nunca falta nada. Acho que este terceiro capítulo do DAKAR encontrou uma nova casa e um dos caminhos a explorar. Acho que vai ser muito interessante. Areia não falta e dificuldade não falta como já vimos na edição de 2020. Vai ser muito interessante e o espírito mantêm-se e não nada a ver com o sítio onde é realizada.
AS: Bom, agora algo completamente diferente e não te podes rir! Eu sei que gostas mais dos troços e das pistas do que os gabinetes. Mas, imagina, já tiveste nas pistas, ralis e TT e neste momento te vias com o poder, com um cargo para isso, de mudar as coisas no automobilismo nacional. O que mudavas? Ou tentavas mudar…
MB: Não é fácil. Mas, acho que uma coisa que faz muita falta é os automóveis chegarem às pessoas. Porque, apesar do desporto automóvel ser muito amado em Portugal, as pessoas cada vez mais deslocam-se menos. É preciso levar os automóveis às cidades grandes, aos grandes distritos. Isso seria um primeiro caminho a seguir, porque acho que é sem dúvida aquilo que falta. Vimos quando o DAKAR se realizou a partir de Lisboa, vimos a loucura que foi, o TT teve tanta atenção e depois isso via-se a nível de media, a nível de escoltas, a nível do interesse geral. Portanto, é uma ‘pescadinha de rabo na boca’. Isso seria uma primeira abordagem. Mas, há tantas coisas que se podem fazer, pequenas porque é um trabalho contínuo. Não olho para o desporto automóvel e veja algo assim gritante, que precise de mudar. Há pequenas coisas que se podem ir melhorando para ir ao encontro de levar o desporto automóvel às pessoas e torna-lo mais popular. Sinto que há essa necessidade de fazer sobressair mais o desporto automóvel. Este ano vimos que foi uma modalidade que teve mais exposição, neste ano atípico, porque como outros desportos tiveram parados, como é o caso do futebol, que rouba muito espaço em termos noticiosos. O desporto automóvel ganhou outro destaque, não é? E, pronto, temos tido bons resultados, como é o caso do Miguel Oliveira, que nos faz vibrar e ainda faz mais os motores virem ao de cima em Portugal. Acho que todas estas coisas são importantes.
AS: Estes ano, toda esta nossa malta aproveitou o facto de o futebol estar mais parado e deram-nos mais campeonatos. Nunca houve fora dos meios habituais tanta gente a falar de automobilismo. É aproveitar a boleia e tentar manter-nos lá.
MB: Espero que quem tenha o poder de decisão tenha percebido do sucesso que foi e da recetividade. Não falo só do desporto automóvel, mas temos muitos desportos em Portugal com excelentes atletas que merecem ser divulgados e acho que faz parte de chegar às pessoas em geral. Acho que é uma forma de cultura e uma forma de desenvolvimento e faz falta. Acho que é importante. Esperamos que continue, mas fora da pandemia.
AS: Quanto a ti e ao automobilismo internacional, o Dakar segues obviamente. Mas, F1, Le Mans, ralis?
MB: Dakar obviamente. Ralis gosto muito de seguir, tal como o MotoGP. Neste caso também por causa do Miguel Oliveira. E F1 estava um pouco desligado, tinha perdido um pouco de interesse. Mas, desde que fui ver a Portimão, voltou-me o bichinho e voltei a seguir fervorosamente. Gosto de ver tudo o que é desporto: golfe, ténis. Tudo o que é bem televisionado e gosto de ver um pouco de tudo. Nos automóveis, estava afastado da F1, mas o facto de ter visto ao vivo, o barulho e aquilo tudo, despertou a minha atenção, apesar de eu viver no meio dos automóveis. Imagina as pessoas que não vivem, a importância destas coisas. Por isso é que digo. É preciso levar os automóveis às pessoas porque só assim se consegue despertar o interesse nelas.
AS: As pessoas que conheço foram assim. Não ligavam nenhuma. Foram desafiados um dia e nunca mais de lá saíram. Aconteceu comigo.
MB: O desporto automóvel tem essa capacidade. É muito atraente. Mexe muitos com as emoções e portanto quando as pessoas têm contato, a partir daí já é mais difícil desligar. Acho que temos essa força e temos de aproveitá-la.
AS: E agora para terminar e aproveitar a boleia do facto de teres começado a ligar à F1. Sei que foste fá do Senna, depois começaste a gostar do Schumacher por causa do seu profissionalismo. O que achas do Hamilton e de todos os recordes que tem batido? Está ao nível do Senna e do Schumacher ou é mais contexto?
MB: Acho que é mais um sobre-dotado. Acho que é fantástico. Realmente, não sei quantos anos mais ele vai correr, mas estamos perante outro assombro, outro gigante do desporto automóvel. Está na linha do Senna e do Schumacher. Não tem nada a ver com o contexto. Há outro piloto com um carro igual ao dele e a diferença é grande. E em momentos difíceis ele sobressai. Não é só o carro. Não é justo. É a equipa, o carro, o piloto, tudo funciona com mérito de todos. Não há dúvidas que ele é alguém muito especial e os números demonstram. Se não o fosse, não conseguiria alcançar todos estes recordes. Acho que ele é de facto uma referência, muito especial.
AS: Achas que este tipo de talento, como o Senna, como o Schumacher, como o Hamilton, como o Maradona, achas que nasce com as pessoas? Claro que o trabalho ajuda muito, mas achas que o talento nasce com as pessoas?
MB: Acho que sim. Tem de nascer. Depois é a forma como é utilizado, como é trabalhado e tudo isso, também as oportunidades. Mas há uma coisa comum nestes atletas, é a paixão pelo que fazem. Acho que só assim é possível atingir estes grandes feitos. É um dom especial, começaram desde muito novos e acho que é inevitável isso. Sei que há muitos casos que com trabalho há talento. E outros que com todo este trabalho não chegam a meio caminho. Só uma coisa não chega. Uma coisa não vive sem a outra. Acho que perante os testemunhos que temos de todos estes atletas, acho que é comum que todos trabalham mais do que os outros.
AS: Em Portugal temos o exemplo do Ronaldo. É óbvio que tinha muito talento, amas também o desenvolveu muito. E as vezes que ouvimos que ele ficava depois dos treinos a treinar livres e não sei o quê, conseguimos perceber onde ele chegou.
MB: É inevitável isso. A fome de vencer, a vontade de ser o melhor, de tudo, acho que o trabalho é isso. Não há forma do talento estar desassociado do trabalho, pelo menos se queremos resultados. Se queremos só o ter é uma coisa. Se queremos grandes resultados e grandes conquistas tem de haver muito trabalho por trás.