WRC: Pandemia pode obrigar a mais cortes
A FIA e as equipas continuam a trabalhar no detalhe das regras dos Rally1 de 2022 (os novos WRC), mas a pandemia de coronavírus pode obrigar a um corte de custos ainda maior para 2022, que ninguém deseja, mas que pode tornar-se inevitável.
O Mundial de Ralis já deu vários passos atrás, que mais não foram do que “ganhar balanço” para algo melhor e mais sustentado. Sendo verdade que a enorme mudança de 1986 para 1987, dos Grupos B para os primeiros Grupo A, foi demasiado grande, com os motores dos carros a perderem cerca de metade da potência, não demorou muito até que os níveis de interesse do Mundial de Ralis voltassem a crescer e todos concordam que a primeira metade da década de 90 foi muito interessante.
Vieram os primeiros WRC em 1997, e a partir daí tivemos nova época de ouro no Mundial de Ralis, e só mesmo quando veio a fatídica crise de 2008, oriunda do escândalo do sub-prime nos EUA, toda a economia mundial começou a ressentir-se e o Mundial de Ralis “levou por tabela”.
A FIA interveio, com nova mudança em 2011, quando foram introduzidas novas regras para incentivar mais fabricantes (e privados) depois da recente recessão económica ter levado vários fabricantes a abandonar o campeonato.
Nessa altura não se perdeu nada em termos de competitividade, antes pelo contrário. O problema não estava nos carros, mas sim no contexto económico que não permitia que o WRC se desenvolvesse melhor.
Em em 2013, a FIA tomou a que terá sido das suas melhores decisões da história. Nesta altura, foi introduzida uma nova categoria de automóveis de ralis conhecida como Grupo R, em substituição dos Grupos A e Grupo N, com carros classificados numa das seis categorias com base na cilindrada e tipo de motor, distância entre eixos e transmissão. Deixaram de haver homologações ao abrigo dos regulamentos dos Grupos A e N, sendo reclassificados no Grupo R.
Foi um passo que a FIA demorou a dar, mas acertou em cheio, já que na história dos ralis nunca houve uma categoria (onde estão inseridos os R5) que redundasse em tão grande sucesso. Neste momento, oficialmente, há cerca de 1000 R5 a correr ou muito perto disso.
Voltando ao WRC, desde 2017 que entrámos numa nova era de carros de ralis, que têm sido espetaculares em termos de andamento, mas mais uma vez como tantas vezes sucedeu no passado, a FIA não soube olhar com olhos de ver para a questão dos custos, e as coisas descontrolaram-se novamente.
A Citroën saiu no final de 2019 com a desculpa de não ter um piloto de topo para contratar. ‘Bullshit’ com dizem os norte-americanos.
Veja-se ainda agora a decisão da Renault se manter na Fórmula 1, quando a marca está com uma gritante crise, que pode em última análise levá-la à bancarrota. E o que fizeram os seus responsáveis? Mantiveram a equipa na F1. E porquê? Foi a própria chefe executiva interina, Clotilde Delbos que disse: “confirmamos que pretendemos permanecer na Fórmula 1 (…) “A nova regulamentação, novo limite em termos de investimento (…) vamos ficar na Fórmula 1”. Portanto, os desportos motorizados continuam a ser importantes para as marcas, desde que, com o “preço certo”. Portanto, a Citroën saiu porque sentiu que não havia “preço certo”.
Imperativo cortar custos
Não é por acaso que a FIA e as equipas do WRC andam há meses a estudar formas de tornar mais barata a competição, chegando ao ponto de se questionarem a eles próprios: “Porque é que havemos de ter no WRC um depósito de combustível que custa 50.000€ quando o depois depósito dos R5 custa 10 vezes menos e cumpre exatamente a mesma função?”. Este é um exemplo, há muitos outros, e por aqui se percebe que por vezes a necessidade aguça o engenho.
Os responsáveis da FIA passam boa parte do seu tempo a tentar explicar aos responsáveis das marcas que a sua competição é interessante… mas custa ‘X’. Se fizessem mais vezes o trabalho de casa, e ano a ano, trabalhassem para reduzir custos onde eles podem ser reduzidos, provavelmente poupavam dinheiro suficiente para que uma qualquer marca entendesse que por esse valor, vale a pena.
E se calhar a Citroën não teria saído, provavelmente o seu press-release seria, ao invés de “não há um piloto de topo disponível”, passaria a “vamos apostar numa dupla jovem para o futuro”. E ainda cá estariam.
Todos nós nas nossas vidas fazemos essa pergunta: “O que podemos fazer para poupar?”. É o que a FIA e as equipas estão a fazer agora, mas nunca como hoje, estão a fazê-lo com grande urgência. E porquê? Esta questão tem fácil resposta: pandemia de coronavírus.
Chegou-se a um momento que mais importante do que seduzir novas equipas, é necessário manter as que cá estão, e quando se souber o calendário do resto do ano de 2020, e provavelmente não se vir lá os ralis da Nova Zelândia e do Japão, vai perceber-se que é mesmo preciso poupar. De acordo com o que Malcolm Wilson disse recentemente, “irá demorar dois ou três anos para voltar tudo como estávamos antes da pandemia.”
As regras já estão globalmente definidas, a escolha do fornecedor da parte híbrida já foi feita, e o trabalho neste momento está nos detalhes.
Poupar aqui e ali para chegar a valores o mais baixos possível. A FIA pretende que os novos WRC de 2022 custem metade dos atuais, é um objetivo ambicioso, e Tommi Makinen acha que é difícil pois o finlandês diz que se vai poupar em diversos componentes, mas a introdução da componente híbrida fará o preço de todo o conjunto subir. Vamos ver como ficam as coisas, porque ter WRC 2022 ainda mais caros que os atuais, não era o objetivo inicial. Bem antes pelo contrário. Se isso suceder: “Houston, we have a problem”.
Seja como for, são declarações estranhas, as de Makinen, pois Yves Matton disse recentemente que “Pelo cálculo que fizemos e pelas informações que recebemos dos construtores, parece que ainda estaremos no mesmo nível do preço alvo que sempre falámos para estes carros, que é de 500.000 euros”. Vamos ver como fica. Dentro de algum tempo saber-se-á mais…
Uma outra solução
Não é desejável para ninguém, e isso chegou a estar em cima da mesa, mas a FIA pode aproximar ainda mais os WRC de 2022 pois ainda há quem esteja a pressionar para a federação internacional ir mais longe nos cortes, ou seja tornar os Rally1 mais próximos dos Rally2 (R5) que não vão ter mexidas. Nas regras dos carros de nova geração, já acordadas com a FIA, há uma diminuição dos níveis da tecnologia desde a transmissão (caixas de 5 velocidades) às suspensões, embora se mantenham os atuais motores turbo de 1.6 litros, que vão ter tecnologia híbrida. Há quem entenda que os novos Rally1 devem ter os atuais motores dos R5, mas mais ‘espigados’, num esforço para reduzir ainda mais os custos. Isto pode ser necessário embora não seja essa a vontade da FIA.
Se isso suceder, os custos cairiam muito, e deixaria de haver uma diferença tão grande entre os 10 WRC (média por prova) e os ‘outros’.
Seria como voltar à primeira metade dos anos 90 (não em termos de rapidez dos carros, entenda-se) quando os bons privados podiam ter carros quase em nada diferentes das equipas de fábrica, que tinham ‘apenas’ mais meios e melhores pilotos.
Foi dessa forma, por exemplo que Carlos Bica foi quinto no Rali de Portugal de 1990 e ficou à frente de Hannu Mikkola, num Mazda oficial.
Ou 1997, quando Rui Madeira venceu quatro troços à geral também no Rali de Portugal. As vantagens, seriam estas, ter o plantel bastante mais equilibrado e provavelmente muito mais gente a lutar pelo Top 10, mas por outro lado, inevitavelmente perdia-se espetáculo, pois os carros seriam menos competitivos. O que queremos, 10 ou menos WRC atuais a ‘milhas’ dos restantes carros ou 30 ou 40 carros/equipas a lutar pelo top 10? Provavelmente a resposta não é fácil, mas as condicionantes podem obrigar a FIA a dar um forte passo atrás.
Quem tem um visão interessante da questão é Sébastien Ogier, ainda que esta referência seja feita relativamente aos WRC que estão previstos neste momento e não a um novo possível ainda maior passo atrás nos carros: “quando mudámos de 2016 para 2017 houve uma adaptação, já que os carros ficaram muito mais rápidos devido à potência e à força descendente resultante da aerodinâmica. Provavelmente, dar um passo atrás desta vez em termos de velocidade, será mais difícil para os pilotos, embora talvez dê uma oportunidade aos jovens pilotos dos R5 de darem um passo em frente mais rápido”. O que Ogier quer dizer é que a passagem dos Rally2 para os Rally1 ficará mais fácil.
Vamos esperar que a FIA não se veja na obrigação – por causa dos custos – de ir mais longe e se consiga chegar a uma plataforma boa para as três equipas que existem, pois para já, mais uma vez, parece utópico que se pense em novos construtores no WRC a curto prazo. Já era bom não perder nenhum dos três atuais.