Walter Röhrl: Da paróquia a bicampeão do Mundo de Ralis

Por a 20 Janeiro 2024 14:40

Na verdade, o primeiro contacto de Walter Rohrl com os ralis ocorreu em 1968, de forma dissimulada, uma vez que necessitou esconder a sua paixão pela velocidade dos pais depois de, pouco tempo antes, o seu irmão ter morrido num acidente de automóvel. Isso não impediu, no entanto, que antes de se tornar piloto profissional, o alemão ajudasse o padre da paróquia para onde trabalhou durante oito anos a chegar sempre a tempo de celebrar a missa ou que os seus alunos de ski (foi instrutor) percebessem que podiam havia outra maneira de se ser rápido na neve!

Felizmente para a história dos ralis, o alemão tinha mais jeito para guiar do que para ajudar o padre a vestir a batina ou para dominar os skis, e por isso bastaram cinco ralis para que fosse contratado para defender as cores da Ford Alemanha no campeonato alemão de ralis de 1971.

Duas vitórias e três pódios, num Ford Capri de Grupo 1 e 2, atiraram-no quase de imediato para voos mais altos já que não passou despercebido à Opel. É a este construtor alemão que Röhrl deve o seu primeiro título internacional, o Campeonato Europeu de 1974, um ano antes de estrear no Mundial de Ralis no Rali de Acrópole.

A um limitado programa com a Opel, sucedeu uma bem sucedida carreira na equipa oficial da Fiat, iniciada em 1977. Ao volante do 131 Abarth, só teve que esperar três anos para ser Campeão do Mundo, antes de repetir o título em 1982 já ao volante de um Opel Ascona 400, no regresso à casa alemã, num ano particularmente difícil não só pelos atritos dentro da equipa, mas também porque o rival Audi Quattro já se mostrava o carro mais competitivo de todo o plantel e as rivalidades com a “estrela” Michelle Mouton subiram de tom.

Em 1983, o piloto de Regensburg mudou-se para a Lancia e conseguiu resultados fantásticos com o Lancia Rally 037 de apenas duas rodas motrizes face aos Audi Quattro de tracção integral, o que fez de imediato com que a marca alemã o quisesse a defender as suas cores. Isso aconteceu no ano seguinte, mas apesar da sua incrível rapidez e sangue-frio, Röhrl apenas averbou dois triunfos, um no Monte Carlo de 1984 e o Sanremo de 85, aí já ao volante do, super Sport Quattro S2.

A sua carreira nos ralis terminou dois anos depois com a entrada em cena dos Grupo A, onde ainda guiou o Audi 200 Quattro sem grande sucesso, antes de emigrar para os EUA e experimentar a velocidade e, mais tarde, o DTM.

Mas mesmo com o “bichinho” da competição a acalmar o espírito, o da condução continua, ainda hoje, a não dar provas de querer abrandar ou não tivesse “Montemeister” (nome porque ainda hoje é conhecido) se dedicado de corpo e alma ao desenvolvimento dos modelos de produção corrente da Porsche e ter chegado a estabelecer alguns interessantes recordes com estes carros na mítica pista de Nurburgring. Se homens há que nasceram para guiar, Walter Röhrl, o primeiro piloto a sagrar-se duas vezes Campeão do Mundo de Ralis, foi e ainda é um deles…

“Com um WRC qualquer piloto pode ser rápido”

Do alto do seu mais de 1,90 cm de altura, o olhar de Walter Röhrl transporta serenidade, a mesma que apaziguou a fúria do Audi Sport Quattro que, na década de oitenta, guiou de forma exímia e que, ainda hoje, é visto como o mais potente carro de ralis do todos os tempos. Passados quase 30 anos, Röhrl ainda é piloto de ralis mais conhecido na Alemanha e entusiastas de todo o mundo reconhecem-lhe o devido mérito como se o tempo não tivesse por ele passado.

Numa conversa aberta, Röhrl começa por comparar a realidade do seu tempo com a da futura e promissora geração de pilotos. Numa ótica global, o ex-piloto oficial da Lancia, Opel e Audi relembra que “tudo mudou. As características dos ralis alteraram-se e muitas das coisas que dantes podíamos fazer agora não podemos. As relações públicas são diferentes, tal como o próprio espírito dos ralis. Quando eu corria, os ralis eram um teste de fiabilidade e resistência a carros e pilotos. Agora os ralis estão muito mais perto de uma prova de pista onde tudo se decide ao milímetro. Mas o mais impressionante é que, por exemplo, nas entrevistas que fiz como júri da Pirelli Star Drivers a jovens pilotos percebi claramente que cinco ou seis deles tinham uma mente já muito bem trabalhada que é o que hoje é necessário.”

“A língua inglesa é fulcral nos dias de hoje nos ralis. Se eu tivesse entrado num concurso como este para caçar um talento, com a idade destes miúdos, eu não estaria minimamente apto para triunfar e chegar onde cheguei. Eu não falava inglês como eles quando comecei a fazer ralis e, no meu ponto de vista, eu estaria ansioso para saber qual de nós seria o melhor piloto e o mais rápido e não quem falava melhor inglês e era melhor relações públicas! No entanto, reconheço que hoje tudo isto faz parte do “jogo” porque tudo mudou e as necessidades dos ralis são, efetivamente, diferentes do que eram há duas décadas”. 

“Falta barulho aos carros”

Mas se, de facto, os ralis receberam em pouco mais de 20 anos mutações de genética capazes de envergonhar um camaleão, os carros assumiram também uma parte importante no processo de transformação nas provas de estrada. Para Röhrl, “os carros de hoje são realmente rápidos, mas pouco espetaculares para os pilotos e espetadores. Quando vemos espetadores ao longo de uma especial percebe-se que falam da falta de barulho dos atuais WRC. O barulho faz falta. Para além disso, os carros de hoje são altamente sofisticados e isso significa que têm demasiada eficiência na estrada, pouca espetacularidade e, por consequência, facilmente “castram” a diversão dos espetadores. Não tenho dúvidas que com os actuais World Rally Car praticamente qualquer piloto pode ser rápido!”

Mas para quem venceu 14 ralis, subiu ao pódio por 31 vezes (mais de 40 por cento dos ralis em que participou) e ganhou 423 especiais de classificação não há dúvida que o fator humano continua a ser uma parte importante (senão a mais importante) na equação da vitória. Prova disso está na forma como o esguio alemão responde à pergunta: que qualidades deve, afinal, ter um bom piloto hoje em dia para se revelar? Röhrl considera que “um bom piloto nos ralis e atuais deve concentrar múltiplas características. Tem necessariamente que ser bom em todo o tipo de pisos ou em pisos tão diferentes como terra, neve ou asfalto. Hoje é também preciso ser suficientemente esperto e astuto para saber se, sob determinadas condições, é preciso andar a fundo e se isso é o melhor a fazer. Hoje, ser campeão não depende de ganhar ou não todos os ralis do campeonato, mas antes de ser suficientemente seguro na condução. Para chegar ao topo é preciso combinar, na proporção certa, a velocidade pura e a confiança”. Ora e quando quem o diz é Walter Röhrl, uma das últimas verdadeiras lendas vivas, do Mundial de Ralis então acreditem porque é verdade…

“Não tenho problemas com a Mouton”

Para muitos o nome de Walter Röhrl fica também ligado a outro incontornável do Mundial de Ralis, o de Michele Mouton. A rivalidade entre o alemão e a única mulher que até hoje venceu ralis do Campeonato do Mundo foi sempre indisfarçável tendo atingido o ponto alto em 1982, ano que Röhrl foi pela segunda vez Campeão do Mundo à custa do abandono da piloto da Audi no Rali Costa do Marfim. Na altura, recorde-se que o alemão, desiludido com as potencialidades do Ascona 400 quando comparadas com as do Audi Quattro guiado por Mouton, deixou escapar que até um chimpanzé podia ser Campeão com um carro de quatro rodas motrizes! Evidentemente, o comentário fez a delícia dos jornalistas que rapidamente trataram de tirar as conclusões que mais lhes interessavam… Contudo, passados quase 30 anos, o piloto, atualmente pretende desmistificar essa tempestuosa relação de rivalidade: “gostava de dizer, duma vez por todas, que não tenho qualquer problema com a Michele. Sempre fomos bons amigos. Trabalhei com ela na Fiat, ajudei a Michele na Audi. E se a ideia que as pessoas têm é que não nos damos bem é porque houve, de facto, uma série de mal entendidos no Mundial de 1982.”

“Promoção dos ralis é pobre”

Ciente da evolução dos ralis ao longo dos anos, Walter Röhrl não descura nenhum ponto de avaliação das atuais provas de estrada. Nesse sentido, o capítulo promocional também não passa ao lado do espírito de análise do piloto que defende que os ralis não estão a ser bem promovidos: “Hoje, a promoção, de uma forma geral, parece-me bastante pobre. Obviamente que tudo está depende do país onde é feita e se esse país tem ou não um piloto local querido do público. Por exemplo, na Alemanha sinto que falta um piloto carismático ao nível do Mundial de Ralis que ajudasse a promover os ralis”. Mas essa ausência de um digno sucessor da sua estirpe na comunidade dos ralis, não justifica tudo. Para o “reformado” piloto “o problema também é que se os jovens quiserem aprender coisas sobre os ralis têm que ficar de pé a noite toda porque os programas de televisão sobre esta disciplina parecem todos dar a horas impróprias para consumo e é cada vez é mais difícil encontrar notícias de ralis nos jornais”.

O sexto sentido de Walter Röhrl

A primeira passagem de Walter Röhrl pelos 43km de Arganil, em 1980, constitui ainda hoje um momento de antologia. Horas antes, enquanto descansava, o alemão percorria mentalmente cada curva daquele troço. Perto das 11 da noite, a Serra do Açor apresentava um nevoeiro cerrado e Röhrl partiu sem qualquer visibilidade. Graças a um entendimento perfeito com Geistdorfer, o seu navegador, e talvez revoltado com o facto de a Fiat não ter decretado que os seus pilotos não deveriam atacar-se, Röhrl arriscou, ganhando 4m40s a Alen. Concluiu a classificativa completamente exausto, mas feliz pela humilhação imposta a Alen. Walter Röhrl recorda-o: “Aquilo que aconteceu foi algo único e irrepetível. Tinha treinado o troço mais vezes que o habitual, e em cada momento tinha a certeza do sítio exato onde estava, mesmo sem ver nada. Se as notas referiam 150 metros eu podia fechar os olhos e sabia o que ia encontrar e o segredo foi ter percorrido mentalmente o troço deitado na minha cama no hotel. Foi perfeito e não falhei uma única curva, agora se aquilo seria possível repetir, não imagino.”. Nessa altura, muito se disse relativamente ao sucedido, desde ter atalhado, óculos especiais para nevoeiro, etc. Talvez este tenha sido o ponto mais alto de sempre dum piloto em toda a história do mundial de ralis.

Principais resultados

Campeão da Europa 1974 (Opel Ascona)

Campeão do Mundo 1980 (Fiat 131 Abarth)

Campeão do Mundo 1982 (Opel Ascona 400)

Campeão de África 1982 (Opel Ascona 400)

14 Vitórias (Mundial de Ralis)

10 Segundos lugares (Mundial de Ralis)

7 Terceiros lugares (Mundial de Ralis)

75 Participações (Mundial de Ralis)

423 Vitórias em classificativas (Mundial de Ralis)

33 Desistências (Mundial de Ralis) (44 % dos ralis em participou)

494 Pontos (Mundial de Ralis)

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