Renault Alpine: legado inesquecível dos ralis, uma herança duradoura

Por a 16 Setembro 2024 10:51

Nos ralis, o nome Alpine surgiu no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 e oito anos depois desapareceu. Em menos de uma década, o sonho de um concessionário da Renault marcou, em definitivo, o ‘Mundial’ de Ralis, conquistando várias vitórias e campeonatos, um sucesso deixou uma marca indelével em toda uma geração de adeptos dos ralis e isso manteve-se sempre na cabeça dos responsáveis da marca que décadas depois desenvolveram o projeto do Alpine R-GT, um carro digno daquilo que os antecessores da marca atingiram, mas em tempos completmaente distintos nos ralis. Aqui fica o relato de uma época em que era possível a uma equipa privada bater o ‘pé’ às equipas oficiais, tudo graças a um carro fantástico, que deixou uma forte marca nos ralis…

Martin Holmes, In Memoriam

Esta é a história de um carro de ralis feito “em casa”, de uma forma quase artesanal, mas que mesmo assim conquistou o mundo do desporto automóvel: o Alpine. Inicialmente pensado para “andar depressa em estradas de montanha”, cedo se chegou à conclusão que o Alpine tinha potencial para se afirmar no panorama internacional dos ralis. Isto, numa época em que a simplicidade funcionava melhor que a sofisticação…

O primeiro Alpine a ser lançado foi o A106, em 1955, com o A108 a surgir nos finais da década de 50 – carro que podia ser equipado com motores de maiores dimensões – e o célebre A110 “Berlinette” viria a ser dado a conhecer em 1963. Durante os 12 anos seguintes, este pequeno carro tornar-se-ia num dos pólos de maiores atenções nos ralis mundiais, com várias vitórias e “performances” impensáveis para um carro que parecia ser feito… de plástico!

De facto, a conjunção de vários fatores fez do Alpine um carro extremamente difícil de bater, qualquer que fosse o tipo de prova em que estava inscrito. Com um peso a rondar os 650 quilos – metade dos Rally1 atuais – e cerca de 15 centímetros mais pequeno, o Alpine tinha na relação peso/potência um dos seus grandes trunfos para levar de vencida os carros inscritos por equipas oficiais, maiores e mais potentes, tais como Ford e Porsche.

O Alpine possuía um chassis tubular, um baixo centro de gravidade, suspensão independente à frente e atrás, um motor (que variava entre 1.400cc no início e 1.8000cc já no fim da carreira do carro francês) colocado à retaguarda, tudo “coberto” por uma carroçaria em fibra de vidro.

No entanto, o principal problema do carro criado por Jean Rédelé, durante alguns anos, assentava na falta de um bom motor Renault para colocar num Alpine “topo de gama”. O primeiro A110 tinha um motor com 1000cc, passando depois para um bloco de 1.1 litros, 1.3, 1.4 (R8 Gordini), antes de chegar ao 1.5 e 1.6, este último, a marcar, em definitivo, a ascensão do Alpine nos ralis.

Os ‘mosqueteiros’

Falar da Alpine é falar, obrigatoriamente, das pessoas que estiveram ligadas ao “nascimento” do projeto, assim como dos pilotos responsáveis pelos feitos mais marcantes de um carro que ficaria na História. Para além do próprio Rédelé, criador do Alpine, Jean-Luc Thérier foi quem mais se notabilizou no seio da equipa, com várias vitórias ao volante do carro francês, piloto que viria a ter um final de carreira trágico ao sofrer um acidente numa edição do Paris/Dakar ao serviço de uma marca que não tinha seguro de prova.

A passagem de Gérard Larrousse pela equipa foi muito breve, utilizando a Alpine como “trampolim” para a Fórmula 1, o que já não aconteceu com Jean-Claude Andruet, Campeão da Europa em 1970, desde cedo ligado ao pequeno carro francês. Jean-François Piot foi outro dos pilotos franceses a utilizar um Alpine, mas fazia-o com uma característica que viria a revelar-se fatal, anos mais tarde: conduzia sem cintos de segurança – Piot acabaria por morrer numa prova de Todo-o-Terreno na Tunísia.

Jean-Pierre Nicolas também esteve ligado à Alpine, tendo começado a sua carreira como navegador do próprio pai antes de se tornar piloto oficial da Renault. Nicolas seguiu depois para a Peugeot, venceu ainda o Monte Carlo ao volante de um Porsche privado e tornou-se ‘team manager’ na Peugeot Total no Mundial de Ralis.

Apesar da Alpine contar com uma estrutura e pilotos somente franceses, houve um ‘estrangeiro’ que se notabilizou, Ove Andersson.

Em 1970, a Ford dispensou o piloto sueco por considerar que possuía um perfil de “perdedor nato”, chegando Andersson à Alpine em finais do mesmo ano. Pois bem, na sua estreia ao volante do Alpine, o piloto sueco limitou-se a vencer o Rali Monte Carlo, na frente de especialistas como Thérier e Andruet. Após vencer os ralis Sanremo, Alpes Austríacos e Acrópole, Andersson provou que a Ford estava enganada, passando para a Toyota no ano seguinte, o início de um percurso que o levaria até ao topo da TTE.

De Dieppe para Paris

O ano de 1974 ficou marcado pela compra da pequena empresa pela toda poderosa Renault, fazendo com que o centro de decisões mudasse de Dieppe, sede da Alpine, para a sua nova “casa”, em Paris. Com a crise do petróleo que estalara no ano anterior, a Renault não deixa de apostar em novas soluções para continuar nos ralis, vendo o Renault 17 Gordini, através de Thérier, impôr-se no Rali dos Estados Unidos, obtendo o primeiro sucesso para a marca sem a chancela da Alpine.

A última aparição do A110 como carro de fábrica deu-se em 1975, no Rali Sanremo, no qual Thérier terminou na terceira posição, com um carro que perdera o azul original para o amarelo da Renault.

A marca francesa estava agora mais interessada no desenvolvimento do A310, um carro de maiores dimensões, mais pesado que o A110, denominado como um Coupé 2+2.

Um protótipo deste carro tinha já surgido na Volta à Córsega do ano anterior (1974), finalizando a prova na terceira posição. No entanto, estava escrito que o fim da curta carreira do Alpine se aproximava a passos largos embora, graças à participação de pilotos privados, o Renault-Alpine viesse a terminar a temporada de 1975 na terceira posição entre os Construtores.

Em 1978, o Alpine desapareceu definitivamente, dando lugar ao pequeno Renault 5, antes do surgimento do 5 Turbo. Uma era tinha chegado ao fim…

Jean Rédelé, ‘pai’ do Alpine, explica origens: Sinónimo de vitória

Um dos mais famosos carros de ralis teve a sua origem numa garagem localizada em Dieppe, no norte de França, pertença de Jean Rédelé, um concessionário da Renault e, ao mesmo tempo, apaixonado pelo desporto automóvel, que viria a envolver-se quer nos ralis, quer nas provas de circuito. O passatempo preferido deste francês consistia em desenhar e construir modelos únicos, tendo por base a mecânica da Renault, introduzindo alterações ao nível da carroçaria, dando uma identidade muito própria ao novo “rebento”. No entanto, faltava ainda algo: um nome para o novo carro. A designação Alpine viria a ser encontrada quando um dos Renault – 1063 – modificados por Rédelé venceu a Taça Alpine em 1954. De simples curiosidade, o agora denominado Alpine estava lançado para fazer furor a nível mundial, sobretudo a partir de 1968, quando o pequeno carro francês deu nas vistas na sua estreia numa prova internacional. Coube a Gérard Larrousse liderar, desde a partida, o então mais mítico dos ralis, o Monte Carlo, antes de abandonar num local onde o público tinha colocado neve! Pelos vistos, estes problemas não são de hoje…

Tristeza e alegria em 1970 e 1973: A vingança serviu-se fria…

Apesar da juventude do projeto, o Alpine nunca escondeu as potencialidades que possuía, sendo, desde cedo, visto como um candidato à vitória no Campeonato do Mundo de Marcas. Se é verdade que a vitória não lhes escaparia em 1971, numa altura em que o Campeonato do Mundo de Ralis moderno ainda não tinha sido criado e, dois anos depois, no arranque do Mundial tal e qual o conhecemos hoje, a temporada de 1970 ficou marcada pela infelicidade que se abateu sobre a equipa no último quilómetro… do campeonato! Nesse ano, Jean-Luc Thérier tinha ganho dois ralis (Sanremo e Acrópole) e Jean-Claude Andruet o Campeonato da Europa, o maior feito possível nessa altura. Com a vitória praticamente assegurada entre os Construtores, o azar abateu-se sobre Thérier que, quando era segundo à geral, abandonou no último troço da última etapa do ano, ao ficar com o Alpine atolado na lama, deixando o título escapar para a Porsche. Ironicamente, essa classificativa viria a ser posteriormente anulada… Foi preciso esperar três anos para que a ‘vingança’ ficasse definitivamente consumada.

Em 1973, eram 11 (!) as marcas envolvidas nesta competição – BMW, Citroën, Datsun, Fiat, Ford, Lancia, Opel, Peugeot, Renault-Alpine, Saab e Toyota -, apesar de não ser obrigatória a presença em todas as rondas do calendário. Com um bloco de 1.800cc e 175 cavalos de potência, o Alpine tinha em Jean-Luc Thérier, Jean-Pierre Nicolas e Bernard Darniche os três ‘mosqueteiros’ da equipa, apesar de ser Jean-Claude Andruet a conseguir vencer na primeira prova do ano (Rali Monte Carlo), obtendo a primeira vitória totalmente gaulesa (carro/piloto) nos últimos 12 anos. Thérier viria a ganhar três ralis, sendo ainda terceiro no Rali da Suécia, prova que foi disputada, experimentalmente e apenas dessa vez, com pneus… sem pregos! No final do ano, o título de Construtores recompensava uma temporada irresistível por parte da equipa francesa.

Palmarés do Renault-Alpine no Mundial: No sítio certo… na hora errada

Os registos que existem sobre o Campeonato do Mundo de Ralis demonstram que a Renault-Alpine venceu apenas seis provas, curiosamente, todas no mesmo ano, a saber, em 1973, época que marcou o arranque do Mundial. Jean-Luc Thérier foi quem mais vezes subiu ao lugar mais alto do pódio (Portugal, Acrópole e Sanremo), seguido por Jean-Claude Andruet (Monte Carlo), Bernard Darniche (Marrocos) e Jean-Pierre Nicolas (Córsega). A Renault viria a vencer mais seis, através do Gordini 17 (primeiro lugar nos Estados Unidos), do 5 Turbo (três vitórias), do Maxi 5 Turbo (um primeiro lugar) e do Renault 5 GT… Grupo N, com Alain Oreille (bicampeão do Mundo do Grupo N, em 1989 e 1990) a obter a primeira e única vitória no “Mundial” de um carro preparado segundo os regulamentos do Agrupamento de Produção! Ou seja, a Renault-Alpine conseguiu as suas maiores proezas quando o Campeonato do Mundo de Ralis ainda não tinha sido criado, ficando esses momentos inesquecíveis na memória de quem teve a sorte de presenciar as ‘performance’s dos ‘mosqueteiros’ e dos seus carros de plástico…

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