Rali de Portugal 1994: O último ano do ‘alcatrão’ foi há 30 anos
Já lá vão três décadas que o Rali de Portugal deixou de se realizar com uma etapa de asfalto. Por isso, vamos recordar a última edição em que o Rali de Portugal se disputou com a mítica primeira etapa só em asfalto. Foi em 1994, curiosamente, uma edição das mais disputadas da História da prova.
Quem pensa que ‘Arganil’ era só grandes troços de terra, desengane-se, pois a primeira etapa do antigo Rali de Portugal tinha um conjunto de fabulosos troços de asfalto, e mesmo deixando de lado a mítica Sintra, quem não se lembra do Gradil, Montejunto, Figueiró dos Vinhos, Campelo, Caramulo, Sever do Vouga, Préstimo, Oliveira de Frades, Freita e Arouca. Pelo meio, os troços de asfalto da zona que regressou em 2019 ao Rali de Portugal: Serra da Lousã, Góis, Arganil, Coja e Piódão. Uns metros do troço da Lousã do Rali de Portugal foram agora usados na versão de terra. Sébastien Loeb lembra-se bem…
TAP voa mais alto! O nosso título é o mesmo que chamava as atenções, na capa do AutoSport nº 871, de 7 de Março, para aquele que foi um dos melhores ‘TAP’ de sempre. E, lá dentro, na reportagem assinada por Luís Caramelo, as suas palavras não deixavam margem para dúvidas: ‘A Toyota e Juha Kankkunen conseguiram uma importante e merecida vitória na edição de 1994 do TAP/Rali de Portugal, uma prova [a segunda do WRC nesse ano] disputada palmo-a-palmo até ao final.’ E em que ‘Massimo Biasion mostrou ter regressado à forma dos grandes dias’, tornando incerto o desfecho da prova até à derradeira classificativa. Entre os portugueses, ‘as vedetas foram [Fernando] Peres [que foi o melhor, em 5º], [José Carlos] Macedo [6º e vencedor entre os F2] e [Rui] Madeira [que foi o 2º entre os carros de Grupo N].’ Mas ‘também merece especial destaque uma organização [liderada por César Torres] especialmente eficiente e um público quase exemplar.’ Aliás, sobre este – o ‘mau da fita’ tatos anos a fio… – as palavras lidas no AutoSport não podiam ser mais esclarecedoras da maturidade de que deram mostras: ‘Um ‘chapelada’ para o público, que deu o exemplo de bom comportamento que se esperava, tanto nas classificativas, como nas estradas de ligação.’
Porém, ‘a grande vedeta da prova’ foi, sem dúvida, ‘o finlandês Juha Kankkunen, que desde a etapa de asfalto demonstrou quais eram as intenções que o animavam, andando sempre nos limites e ficando empatado com [Miki] Biasion no primeiro lugar, logo após o abandono de François Delecour, no primeiro troço do segundo dia.’
Até então, ‘o vencedor do Rali de Monte Carlo dominava os acontecimentos, apesar de um pequeno incidente ocorrido (…) no Piódão, [em que] perdeu 40 s para os mais rápidos.’ Depois, veio Lousada e desistência de Delecour, pela segunda vez em três anos naquele local e, com Biasion e ‘KKK’ empatados na frente, Andrea Aghini era 3º, na sua estreia com o Toyota – até se despistar, coisa que também aconteceu com Bruno Thiry [Ford Escort RS Cosworth]. Indiferentes a isso, os Subaru Impreza 555 de Carlos Sainz, mais rápido, e Colin McRae lá iam tentando acompanhar, sem sucesso, o ritmo dos dois homens da frente. A segunda etapa terminou com Kankkunen no comando, Biasion a 26 s e Auriol, colega de equipa do finlandês, em 3º, a 44 s.
Mas essa situação era intolerável para os homens da Toyota e o francês partiu decidido a reduzir a diferença e a aproximar-se do homem do comando, durante a terceira etapa. Foi um ataque fulminante para Biasion, que em três classificativas não soube resistir ao francês, que desta forma se assumiu como o delfim de Kankkunen, posição que – tal como aliás as dos dez primeiros – ficou estabelecida nesta etapa.
Classificação
1º Juha Kankkunen/Nicky Grist (Toyota Celica GT 4WD), 6h20m59s (1º Gr. A); 2º Didier Auriol/Bernard Occelli (Toyota Celica GT 4WD), a 40s; 3º Massimo Biasion/Tiziano Siviero (Ford Escort RS Cosworth), a 50s; 4º Carlos Sainz/Luis Moya (Subaru Impreza 555), a 2m16s; 5º Fernando Peres/Ricardo Caldeira (Ford Escort RS Cosworth), a 28m40s (1º port.); 6º José Carlos Macedo/Miguel Borges (Renault Clio Williams), a 44m53s (1º F2); 7º Raphael Sperrer/Ernest Loidl (Audi Coupé S2), a 50m50s; 8º Jesus Puras/ Carlos del Barrio (Ford Escort RS Cosworth), a 55m18s (1º Gr. N); 9º Rui Madeira/Nuno Rodrigues da Silva (Ford Sierra Cosworth 4×4), a 1h04m38s (1º Port./Gr. N); 10º Pavel Sibera/Peter Gross (Skoda Favorit 136L), a 1h08m23s; 11º Isolde Holderied/Tina Thorner (Mitsubishi Lancer Evolution), a 1h13m51s (1º Senh.); 12º Emil Triner/Jiri Klima (Skoda Favorit 136L), a 1h16m20s; 13º Kris Rosenberger/Klaus Wendel (Ford Escort RS Cosworth), a 1h24m29s; 14º Josef Burkhard/Detlef Schaller (Ford Sierra Cosworth 4×4), a 1h28m55s; 15º José Pereira/Armando Veiga (Toyota Celica 4WD), a 1h35m18s; 16º Albano Costa/ Marques Mendes (Ford Escort RS Cosworth), a 1h36m23s; 17º Stefan Reininger/Robert Csosz (Renault Clio 16V), a 1h46m11s; 18º João Barros/Paulo Moura (Ford Sierra Cosworth 4×4), a 1h50m40s; 19º Henri Devin/François Vista (Peugeot 205 GTi), a 1h52m29s; 20º Carlos Marques/Álvaro Ferreira (Mitsubishi Galant VR4), a 1h56m38s; 21º Jean-Thierry Vacheron/Pierre Schaad (Mazda 323 4WD), a 2h09m13s; 22º Augusto Magalhães/José Luís (Ford Escort RS Cosworth), a 2h18m28s; 23º Siegried Mayr/Renate Mayr (Opel Kadett GSI 16V), a 2h19m53s; 24º Jacques Jonquières/Jacques Phelippeau (Peugeot 205 GTi), a 2h24m33s; 25º Richard Sagnard/Jocelyne Müller (Peugeot 205 Rallye), a 2h24m58s; 26º Jacques Courmontagne/Josette Martin (Peugeot 205 GTi 1900), a 2h29m13s; 27º Ewald Klein/Gertrud Bertfreid (Subaru Justy 4WD), a 2h31m39s; 28º Ferreira da Silva/António Picarote (BMW 325i), a 2h32m51s; 29º
Ricardo Oliveira/José Artur (Citroën AX Sport), a 2h51m19s; 30º Pinto dos Santos/Carlos Pinto (FiAT Cinquecento), a 2h56m57s; 31º Rodrigo Gonçalves/António Vieira (Peugeot 205 Rallye), a 3h00m49s; 32º Maurizio Berisonzi/Luigi Barbieri (Peugeot 205 GTi 1900), a 3h25m49s; 33º José Ramón Esturao/José Seoane (SEAT Marbella GL), a 3h36m44s; 34º Vítor Calisto/Duarte Silva (Citroën AX Sport), a 3h43m23s.
Crónica de Juha Kankkunen: “O melhor Rali de Portugal que já disputei”
A edição do TAP/Rali de Portugal foi a 21ª vitória da carreira de Juha Kankkunen no WRC, onde venceu 23 ralis, a 2ª na prova portuguesa – e a sua última com o Toyota Celica GT 4WD. Na crónica que escreveu para o AutoSport, era bem visível a sua satisfação, refletida em palavras de entusiasmo indisfarçável:
“Foi uma prova espetacular, muito dura, mas acho que demos um excelente espetáculo e a competitividade esteve sempre presente. Houve muita luta, tanto pelo primeiro lugar, como pelas posições a seguir, pelo que acho que se tratou de um rali muito interessante, ainda mais porque… ganhei!”
Afinal, quem confessa os seus pecados não merece castigo. E o popular ‘KKK’ ‘confessou-os’ a todos. Os pecados: “A prova foi muito disputada, pelo que se pode dizer que estivemos sempre ao ataque. Mas nunca tive que correr riscos desnecessários, pelo que nunca foi a ‘loucura total’”.
E até deu para gerir um pouco a vantagem, na derradeira etapa: “Foi uma gestão cheia de cautelas, já que à mínima distração poderia perder o primeiro lugar. Auriol e Biasion não estavam para brincadeiras, pelo que a ‘gestão’ não foi assim tão evidente. Digamos que tentei gerir o meu atraso no asfalto [onde se sentia menos à vontade] , já que não queria perder mais do que um minuto para os [pilotos] da frente, diferença que hoje em dia é muito difícil, se não impossível, de ultrapassar.”
E, em jeito de conclusão, Kankkunen garantiu que, no que diz respeito ao comportamento do público, “este foi o melhor Rali de Portugal que disputei alguma vez. O público estava no geral sempre bem colocado, havendo apenas alguns pontos particulares que são necessários corrigir”, como por exemplo “algumas zonas de Fafe e no final de Viseu.”