Rali de Portugal 1984: O ano de todas as táticas
Entre as muitas edições memoráveis do Rali de Portugal, a de 1984, assume um capítulo importante no auge da luta Audi-Lancia. Após 45 classificativas, Hannu Mikkola impôs o Audi Quattro ao Lancia Rally O37 de Markku Alen por 27 segundos, numa contenda memorável que se transformou numa guerra de nervos, psicológica e de estratégia tão grande como o virtuosismo, esforço e magia que os dois pontas de lança das duas principais equipas do WRC souberam espalhar pelas classificativas portuguesas.
Entre tantos avanços e recuos no cronómetro e trocas na classificação operadas entre Mikkola e Alen ficaram na memória episódios, que hoje, 36 anos depois, dão uma ideia de como as duas equipas rivais levavam a sério a palavra ‘vitória’. Basta dizer que depois dos Lancia terem dominado a primeira etapa em asfalto, como seria de esperar, conseguiram segurar, surpreendentemente, a supremacia teórica da Audi na segunda, nos troços minhotos já de terra, com Alen a trepar, nessa altura, para o comando. Restavam duas etapas e foi aí que o ambiente começou a aquecer. Na terceira etapa que ligava a Póvoa de Varzim a Viseu, Mikkola recuperou um minuto que tinha de atraso para Alen e ainda o transformou em 43s de vantagem. Mérito total do finlandês e das quatro rodas motrizes do Audi? Não. Muita da diferença foi conseguida por uma manobra tática engendrada por Christian Geistdorfer (navegador de Walter Röhrl). A dupla alemã partia, teoricamente, atrás de Biasion que, por sua vez, partia atrás de Mikkola mas, em Viseu, as posições inverteram-se com Röhrl a furar o esquema no controlo de partida e a antecipar-se a Biasion e mesmo a Mikkola, penalizando propositadamente por avanço (já que estava fora da luta pela vitória). Depois, Röhrl arrancou e encostou à espera de Mikkola.Quando Mikkola passou, tinha à sua frente a estrada liberta de pó, podendo tirar todo o partido da tração integral do Audi.
A manobra foi perfeita mas não ficou sem resposta por parte da Lancia a duas classificativas do fim do rali, quando Bettega entrou no troço de Martinchel três minutos antes do seu tempo e Biasion cinco, com ambos a encostarem os respetivos 037 pouco depois de arrancarem, poupando seis minutos
de pó a Alen a quem a Lancia já tinha tirado o limitador de rotações do motor do seu carro. Nessa altura, outros episódios já tinham sido vividos, claro está, com as míticas passagens por Arganil, a contribuírem para a definição final do vencedor. Na segunda passagem pelos 56,5km do temível
troço, a Lancia tinha tudo preparado para mudar os pneus do 037 de Alen a meio do troço (com um sistema de que desapertava em simultâneo as cinco porcas das rodas) mas acabou por não o fazer. O troço foi controlado por terra e por ar, tanto pela equipa italiana como pela alemã mas com táticas diferentes.
A Lancia tinha três equipas de assistência no meio do troço que controlavam o tempo de Alen e Mikkola, escrevendo depois a diferença num cartaz improvisado para a mostrar a Alen mais à frente, ao mesmo tempo que o helicóptero da formação da Lancia Martini voava o mais rente possível ao solo para afastar o mais rapidamente possível o pó deixado por Mikkola que partia à frente de Alen. Por seu lado, a Audi optou por estabelecer com Mikkola e para dentro do Quattro uma ligação de rádio com canal independente, onde o diretor da equipa, Roland Gumpert, tinha combinado com Mikkola apenas falar caso o finlandês estivesse a perder terreno para Alen (para não lhe afetar a concentração), o que acabou por não acontecer.
Eram tempos onde os jogos da estratégia tinham um peso tão importante como o valor e a coragem dos pilotos que pilotavam carros que exerciam um verdadeiro fascínio no público. Inesquecível!