Quanto interessa o WRC aos construtores chineses?

Por a 24 Março 2021 12:50

Quando se prepara para entrar numa nova era, o mundial de ralis (WRC) procura desesperadamente por um quarto construtor, piscando os olhos às marcas chinesas. Terá o WRC argumentos para acordar o gigante adormecido?

Peter Thul, o novo Director da WRC Promoter Gmbh, tem referido insistentemente a sua intenção de persuadir uma marca da segunda maior economia do planeta a juntar-se à Toyota, Hyundai e M-Sport/Ford no WRC, mas a história recente da relação entre o mundial de ralis e o país da Grande Muralha, se excluirmos a passagem dos pneus DMack pelo campeonato, tem sido mais de frustrações do que alegrias. Para melhor entender, é preciso contextualizar a conjectura atual.

Primeiro, a China de hoje não é a China de há vinte anos, nem será a China de daqui a dez. Segundo, apesar do Império do Meio ter andado às compras pelo mundo inteiro, estas foram na sua grande maioria compras estratégicas, e não significam que há fundos ilimitados, para além de luxos supérfluos não serem hoje vistos com apreço por Pequim. Terceiro, nunca como agora, o ego da sociedade chinesa está em alta, após a proclamada vitória sobre a pandemia, e nenhum colosso chinês quererá fazer má figura num grande palco internacional.

Este apetite do WRC pelos construtores da República Popular não é novo e houve um leque de projectos que ficaram pelo papel na última década. Em 2013, Tommi Mäkinen terá sido abordado pela BAIC para um projecto internacional que nunca terá passado a fase da intenção. Já a MG, que pertence ao grupo SAIC, o maior construtor automóvel chinês, colocou um travão num projecto privado com o MG3 para um WRC 1.6 turbo da primeira geração em 2014. Também nesse ano a BYD lançou o seu primeiro modelo híbrido nos ralis, tendo estreado no Campeonato Ásia-Pacífico em 2016. Infelizmente, a empresa, em que um dia Warren Buffett apostou, não foi mais longe na ousadia: “Não há conhecimento de marketing para perceber o valor dos ralis, nem suporte técnico à altura”, explica Tommy Wong, o responsável pelos pneus de competição da Yokohama no país. “O WRC não é um tema quente na China, portanto não há grande interesse. Por outro lado, não é o mercado das marcas”, acrescenta.

Em 2012, a República Popular da China tinha 171 construtores de veículos de quatro rodas e em 2018 havia 487 empresas com licença para produzir veículos eléctricos. Os “Big Four” da indústria automóvel doméstica são a SAIC Motor, Dongfeng, FAW e a Chang’an, no entanto, marcas como a BAIC, Brilliance Automotive, Chery, Geely, BYD, Guangzhou Automobile Group (GAG), Great Wall e Jianghuai (JAC) produzem em massa, mas para além de alimentarem o mercado interno, a maior parte das exportações vai para a América do Sul e países do Sudeste Asiáticos, localizações que não entram no roteiro do WRC.

A pandemia teve um efeito negativo nos ralis do país, que não se realizam desde 2019. Na última prova disputada, o Rally Longyou, várias foram as marcas locais representadas: SAIC, Dongfeng FAW, Guangqi JAC, Youngman, BYD e Soueast. Mas não nos iludimos, “mesmo os ralis nacionais não têm um bom valor de marketing, logo há poucos patrocinadores e interesse, para além de não existirem muitos governos locais com vontade de apoiar provas”, refere Tommy Wong.

Em 2016, a FIA “forçou” um rali a norte de Pequim, mas cedo se percebeu que o promotor local, sem qualquer experiência nesta área, não iria investir um cêntimo na prova. Como tal, aproveitando as monções habituais do Verão, a FIA e o lado chinês ficaram felizes por anunciar que os troços tinham ficado irrecuperáveis para o rali. Agora, a FIA e o promotor do WRC voltaram à carga para a organização de uma prova num país que não recebe o mundial desde 1999. Aliás, este deverá ser o primeiro passo para a cativar uma marca.

Além do seu passado de co-piloto de ralis, Peter Thul foi, até ao caso das emissões, o responsável da comunicação de produto da Volkswagen. Dada a posição que a marca germânica tem no mercado chinês, o ex-campeão alemão de ralis, como navegador, deslocou-se inúmeras vezes à China e conhece os meandros da indústria automóvel local.

Para o jornalista chinês acreditado pela FIA, Qian Jun, a possibilidade de seduzir um construtor chinês não é de todo uma miragem e o timing é bem escolhido. “Depois dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, em Pequim, haverá mais dinheiro disponível. Todas as grandes companhias querem apoiar o evento, pois se não apareceres na lista dos patrocinadores e parceiros quer dizer que não és importante”, explicou ao AutoSport.

Por outro lado, se o acordo comercial entre a União Europeia e China vier a ser assinado, o “velho continente” vai ser um alvo apetecível para os construtores chineses. Ao mesmo tempo, fazem parte do ambicioso plano industrial da China, “Made in China 2025” (MIC2025), três grandes construtores: BAIC, Geely e BYD. “Veja-se a Geely, eles não pretendem retorno doméstico, mas internacional”, realça o jornalista chinês que cobriu o WRC nos últimos anos. “A cobertura mediática do WRC é totalmente diferente daquela da WTCR. Se continuar a vencer, o que é que Lynk & Co tem mais a provar no campeonato? Podem fartar-se e o WRC pode ser interessante”.

Com o novo regulamento a ter uma curta vida de três anos (2022-2024), o WRC terá que decidir depressa qual o caminho a seguir após 2024. Graças às políticas governamentais, a China tem estado na vanguarda da eletrificação automóvel, sendo que um quinto dos carros vendidos em 2025 terão que ser elétricos. Contudo, nem no mais pragmático dos países, o futuro do automóvel é consensual, com Wan Gang, aquele que é considerado o país do EV na China, a afirmar publicamente que o futuro é o hidrogénio. Mas como diz o provérbio chinês, “todas as coisas são difíceis até se tornarem fáceis…”

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