Os sete magníficos do Grupo B
Bem a propósito do RallySpirit que se realiza este fim de semana em Portugal, foi há quase quatro décadas que uma espécie se tornou extinta no Mundial de Ralis: os Super Grupo B. Razão mais do que suficiente para entrarmos na máquina do tempo…
Dificilmente um ano do Campeonato do Mundo de Ralis irá deixar marcas tão profundas como o de 1986. Sete marcas oficiais – Peugeot, Lancia, Audi,
Ford, MG, Citroen e Renault – inscreveram equipas no Mundial, tirando partido dos altos níveis de tecnologia que estiveram na base da construção dos modelos 205 Turbo 16 E2, Delta S4, Sport Quattro S1, RS 200, 6R4, BX 4TC e 5 Maxi.
Cada um destes modelos era capaz de prestações nunca antes vistas nos ralis, com capacidades de aceleração inacreditáveis, fruto da potência dos motores se situar entre os 400 e os 600 cavalos (dependendo da pressão do turbo utilizada). Mas, infelizmente, esta capacidade de aceleração e rapidez dos Super Grupo B não era acompanhada, tecnicamente, pelos sistemas de travagem ou pela capacidade de resposta das suspensões, o que, em termos muito gerais, começou a traçar a sentença de morte destes carros que, em recta, facilmente acompanhariam hoje o ritmo dos WRC, mas que, em curva, nunca com eles poderiam rivalizar.
Perante um cenário de anunciada catástrofe – que os dirigentes das marcas só não viam porque se encontravam cegos com a necessidade de justificarem os avultados investimentos feitos no desenvolvimento dos seus carros – os acontecimentos fatais precipitaram-se. Em 1985, Ari Vatanen já tinha deixado o aviso quando desfez o Peugeot 205 Turbo 16 no Rali da Argentina, num acidente que quase lhe roubou a vida. Um ano depois, os resultados foram ainda mais desastrosos: Marc Surer desfez o Ford RS 200 no Rali da Alemanha, num acidente onde o seu navegador perdeu a vida; depois, Joaquim Santos não evitou um acidente dramático no Rali de Portugal, também num RS 200; e Henri Toivonen e Sérgio Cresto saíram da estrada com o Delta S4 na Volta à Córsega e ambos perderam a vida.
Mesmo se a FIA não baniu de imediato os super-carros “assassinos”, como também ficaram conhecidos, no final do ano não restavam dúvidas que se tinha chegado longe demais. O preço a pagar por tanta emoção tinha sido demasiado alto…
Memórias dos Grupos B
Para quem viveu por dentro a era dos “super-carros”, terminada a 7 de Dezembro de 1986, sabe que é impossível esquecer esses gloriosos tempos. Nesse dia, terminaram muitas coisas, como por exemplo: a luta que os engenheiros travavam na impossível tarefa de fazer curvar um carro de quatro
rodas motrizes cuja transmissão nasceu de um Land Rover; a falta de preparação dos organizadores para as questões de segurança; as inacreditáveis e primitivas formas do Citroen BX 4 TC, que “encostaram” três ralis após a sua estreia; os terríveis acidentes de Ari Vatanen, Marc Surer, Joaquim Santos e Henri Toivonen; as desajeitadas “barbatanas” dos Peugeot 205; ou, ainda, os 11 dias em que Markku Alen foi declarado Campeão do Mundo, antes da FIA alterar os resultados. Tudo isto faz parte da memória. Uma memória que uma parte de mim quer guardar e outra, por razões óbvias, esquecer!
Martin Holmes
Joaquim Santos foi único português a guiar um “Super” Grupo B
Em Portugal, o único “monstro” que chegou a correr no campeonato foi o Ford RS 200 do Team Diabolique, guiado por Joaquim Santos. Apesar do carro não lhe ter deixado as melhores recordações, em virtude do seu dramático acidente no Rali de Portugal desse ano, Joaquim Santos não recusa traçar o perfil do carro da sua antiga equipa, que, apesar de tudo, era bastante menos evoluído que a versão guiada pelos pilotos oficiais da marca: «o nosso RS 200 era praticamente de série, nomeadamente ao nível da caixa de velocidades e caixa de direcção. Mas, mesmo assim, já devia chegar aos 500 cavalos, dependendo da pressão de turbo. Era um carro fantástico, mas muitíssimo violento e difícil de guiar. A sua aceleração era tão grande que não se conseguia fazer trajetórias limpas. Só dava tempo para acelerar e travar porque o carro, infelizmente, não curvava », recorda. E para provar a sua “bestialidade”, basta referir que, depois de deixar o RS 200, Joaquim Santos guiou um bem menos potente Toyota Celica GT-4 de Grupo A e, no Rali Alto Tâmega de 1987, bateu praticamente todos os recordes conseguidos ao volante do saudoso Grupo B!
Peugeot 205 Turbo 16 E2
Considerado por muitos o mais completo de todos os “super”Grupo B. E, na verdade, tal epíteto assenta-lhe que nem uma luva, já que o Peugeot 205 Turbo 16 E2 foi, de todos, o mais vitorioso. Com um chassis tubular, motor central, tracção integral e afinação da repartição do binário a partir do “cockpit”, o carro homologado a 1/04/1985 foi de imediato considerado “culpado” pelos dois únicos títulos de Construtores conseguidos pela Peugeot na década de 80 (1985 e 1986) e pelos títulos de Pilotos de Timo Salonen (1985) e Juha Kankkunen (1986). O equilíbrio geral do carro era o seu ponto forte.
Motor: 4 cilindros turbocomprimido, central, 16 válvulas
Cilindrada (cc): 1775
Potências (cv/rpm): 450/7500
Binário (Nm/rpm): 500/5500
Transmissão: 4 rodas motrizes
permanentes, caixa manual de 5 vel.
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 910
Aceleração 0-100 km/h (s): –
Vitórias no Mundial: 7 (T. Salonen e J. Kankkunen, 3 e B. Saby, 1)
Pilotos: T. Salonen, J. Kankkunen, B. Saby; S. Blomqvist; M. Mouton; M. Sundstrom; A. Zanussi; S. Mehta e P. Alessandrini
Audi Sport Quattro S1
A dinastia do Audi Quattro começou em 1983. Mas logo que a marca de Ingolstadt começou a perder terreno para a concorrência, colocou na estrada o impressionante Sport Quattro S1. Facilmente identificável pelo tamanho das suas asas dianteiras e traseira e pela carroçaria de kevlar. Foi o mais potente da sua era e, também, um dos mais difíceis de guiar, apenas conseguindo uma vitória, no San Remo de 1985, um ano antes da Audi desenvolver uma versão do Sport Quattro cujo motor chegava os 1000 cv, mas que nunca chegou a participar em qualquer rali.
Motor: 5 cilindros turbocomprimido, longitudinal dianteiro, 20 válvulas
Cilindrada (cc): 2094
Potência (cv/rpm): 540/-
Binário (Nm/rpm): 490/5500
Transmissão: 4 rodas motrizes
permanentes, caixa manual de 6 vel.
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 1090
Aceleração 0-100 km/h (s): 3,1
Vitórias no Mundial: 1 (W. Rohrl)
Pilotos: W. Rohrl; H. Mikkola e S. Blomqvist
Lancia Delta S4
Numa altura em que o Lancia 037 já não tinha argumentos para o 206 Turbo 16, a Lancia apostou tudo no Delta S4, conseguindo, de imediato, uma dobradinha no RAC. Contudo, o prenúncio de uma auspiciosa carreira não se confirmou no ano seguinte, não só porque a marca perdeu o título para a Peugeot como, pior, viu Henri Toivonen e Sérgio Cresto perderem a vida depois num acidente inexplicável na Córsega. Mesmo assim, o Delta S4 não deixou ninguém indiferente, em parte devido à eficácia do diferencial central Ferguson e do potente motor em alumínio desenvolvido pela Abarth.
Motor: 4 Cilindros turbo e compressor, longitudinal central, 16 válvulas
Cilindrada (cc): 1759
Potência (cv/rpm): 480/8000
Binário (Nm/rpm): 450/5000
Transmissão: 4 rodas motrizes
permanentes, caixa manual de 5 vel.
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 970
Aceleração 0-100 km/h (s): 2,3
Vitórias no Mundial: 5 (H. Toivonen e M. Alen, 2 e M. Biasion 1)
Pilotos: H. Toivonen, M. Alen, M. Biasion, M. Ericksson, D. Cerrato, F. Tabaton; K. Grundell
Ford RS 200
Após abortar o projecto do RS1700T, a Ford anunciou em 1985 que estava a preparar o seu regresso aos ralis com um protótipo de nome… RS200. Mas o regresso não foi tão auspicioso como seria de esperar e o RS 200 acabou por participar oficialmente em poucos ralis, nunca se estreando em nenhuma prova de asfalto do Mundial, depois do acidente do Rali de Portugal em 86. Ainda assim, o carro, cujo motor recebeu a preparação de Bryan Hart (fornecedor de motores de F1 na década de 90), destacou-se pela sua silhueta inconfundível e só por isso ganhou um lugar na história.
Motor: 4 cilindros turbocomprimido, longitudinal central, 16 válvulas
Cilindrada (cc): 1803
Potências (cv/rpm): 450/7500
Binário (Nm/rpm): 500/5800
Transmissão: 4 rodas motrizes
permanentes
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 1080
Aceleração 0-100 km/h (s): 3,1
Vitórias no Mundial: 0 (o melhor resultado
foi 3º no Rali da Suécia (1986) com
K. Grundell)
Pilotos: S. Blomqvist; K. Grundel; J. Santos;
M. Lovell; S. Andervang
MG Metro 6 R4
O MG Metro 6R4 nasceu para provar que os motores atmosféricos ainda podiam ser mais potentes que os motores turbo. Mas não só falhou esse propósito como também não cumpriu o objectivo de bater a concorrência da Peugeot, Lancia, Audi e Ford. O motor de 3 litros encomendado à Williams Grand Prix Engineering e com a responsabilidade de desenvolvimento de Patrick Head, nunca conseguiu marcar a diferença já que o Metro era um carro difícil de
guiar devido à sua curta distância entre eixos, apresentando também frequentes problemas de transmissão.
Motor: 6 cilindros em V, longitudinal central, 24 válvulas
Cilindrada (cc): 2991
Potência (cv/rpm): 410/9000
Binário (Nm/rpm): 370/6500
Transmissão: 4 rodas motrizes permanentes
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 980
Aceleração 0-100 km/h (s): 3,2
Vitórias no Mundial: 0 (o melhor resultado
foi 3º Rali RAC (1985) com T. Pond)
Pilotos: T. Pond; M. Wilson; H. Toivonen;
P. Eklund; J. McRae; D. Auriol; D. Llewellin;
M. Duez; T.Teesdale; M. Arpiainen; J. Thevenaud
Citroën BX 4 TC
De entre todos os “super” Grupo B, o Citroen BX 4 TC foi aquele que obteve menos sucesso. E porquê? Basta dizer que a marca francesa nunca colocou ao serviço deste carro os mesmos meios financeiros que as suas rivais fizeram em relação aos respectivos modelos de Grupo B. Apelidado de BX “elefante” e com somente 380 cavalos, a sua relação peso/potência era o seu principal “handicap”, mas a falta de fiabilidade acabou por determinar a ausência na maior parte das provas do Mundial, num projecto que terminou sem glória cinco meses depois do primeiro rali.
Motor: 4 cilindros turbo comprimido, longitudinal dianteiro, 8 válvulas
Cilindrada (cc): 2141
Potência (cv/rpm): 380/7000
Binário (Nm/rpm): 460/5500
Transmissão: 4 rodas motrizes permanentes
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 980
Aceleração 0-100 km/h (s): 5,5
Vitórias no Mundial: 0 (o melhor resultado foi 6º Rali da Suécia (1986) com
J.C. Andruet) Pilotos: J. C. Andruet; P. Wambergue e M. Chomat
Renault 5 Maxi Turbo
Sendo o único carro da era de ouro dos ralis com tracção traseira, as potencialidades do R5 Maxi Turbo estavam, à partida, limitadas. No entanto, nem esse facto impediu que, com alguma surpresa, vencesse uma prova do Mundial (Rali da Córsega de 1985), no único terreno onde poderia fazer frente aos carros da concorrência: o asfalto. De qualquer modo, a Renault estava já a preparar uma versão de quatro rodas motrizes para estrear no Mundial de 1987, mas acabou por nunca ser estreada devido à abolição dos Grupo B.
Motor: 4 cilindros turbocomprimido
Cilindrada (cc): 1527
Potências (cv/rpm): 350/6500
Binário (Nm/rpm): 430/5000
Transmissão: Tracção traseira,
caixa manual de 5 vel.
Travões: 4 discos ventilados
Peso (kg): 905
Aceleração 0-100 km/h (s): 4,3
Vitórias no Mundial: 1 (J. Ragnotti)
Pilotos: J. Ragnotti, F. Chatriot e D.Auriol