Kris Meeke: O Caminho das pedras de um piloto de ralis

Por a 22 Julho 2019 13:29

Kris Meeke tem tido uma carreira cheia de altos e baixos, mas com uma ascensão feita a pulso, de um piloto que está hoje em dia entre os cinco melhores do mundo. Depois do despedimento da Citroën, está a mostrar na Toyota que Tommi Mäkinen fez bem em apostar nele…

Kris Meeke é hoje em dia um dos melhores pilotos de ralis do mundo, isto depois de ter construído a sua carreira a pulso, e como se sabe, com muitos altos e baixos. Depois de uma ligação de quatro anos com a Citroën, que terminou mal, fruto de um período menos bom do piloto irlandês, parece agora ter encontrado paz e um chefe de equipa que sabe bem o que os pilotos precisam para dar o melhor de si. Já vimos Kris Meeke fazer mais do que tem feito este ano, mas tendo em conta o nível atual do WRC, um top 5 nunca será mau. Mas afinal, o que o trouxe até aqui? É isso que vamos ficar a saber.

O ano de 2009 trouxe o homem do Ulster para a ribalta do desporto automóvel, mas algo inesperadamente, já que foi um dos primeiros a destacar-se através da série Intercontinental Rally Challenge (IRC). De muitas maneiras, Kris Meeke tem uma história surpreendente. Ele nunca sonhou em tornar-se numa estrela dos ralis, ou sequer um piloto de rali. A ideia original no seio da sua família era aprender mais sobre engenharia – área na qual se formou – e trabalhar na indústria dos ralis. Por dentro, nos bastidores.

Dez anos e cinco vitórias no WRC depois, está prestes a cumprir o seu 100º evento do WRC, na Finlândia: “Eu nunca pensei que teria a habilidade para conduzir um carro de ralis. O meu pai incentivou-me muito para ter educação, e por isso eu fui para a Universidade de Queen’s em Belfast. Foi um período da minha vida para o qual olho de forma feliz. Sendo eu formado em engenharia, apontei a minha carreira para ser o melhor engenheiro que podia. Isso veio da experiência do meu pai no desporto. Quando eu tinha dois ou três anos, ‘rastejava’ pela oficina do meu pai, enquanto ele trabalhava em carros de ralis, como o Opel Ascona de Bertie Fisher, Ford Escort, todo o tipo de carros. O meu interesse em engenharia desenvolveu-se através disso.

Quando entrei em Queen’s consegui um trabalho na M-Sport, no início de 2000, em CAD (Design por Computador). Para mim aquele era o meu trabalho de sonho. Sempre tive uma coisa na minha cabeça, que era o desejo de participar num rali, no entanto, só para saber o que conseguia fazer. O Peugeot/Silverstone Drive Rally foi anunciado na revista Motoring News nesse ano e eu entrei e ganhei!” O prémio da prova era a entrada no Campeonato Britânico de Ralis, mas as coisas não foram assim tão diretas, já que tudo parecia acontecer ao mesmo tempo: “A minha mãe estava muito doente, e eu tive que adiar a concretização do prémio. A minha mãe morreu a 26 de setembro. Eu entrei no Bulldog Rally em 2000, num 106 Cup da Peugeot Reino Unido. Lembro-me da primeira etapa, foi na famosa floresta galesa de Dovey. Tudo pareceu natural. Não conseguia parar de sorrir por pensar que o que estávamos a fazer era bom, e muito agradável. Desde as primeiras curvas que fiquei a saber que era isto que queria fazer, foi algo que veio a mim, naturalmente.

Comecei a trabalhar na M-Sport mais ou menos, ao mesmo tempo. O dinheiro não era muito na M-Sport, mas estava feliz por estar no mundo dos ralis.”

APARECEU COLIN MCRAE

Em 2001, Kris participou na Peugeot 106 Cup, mas a época foi arruinada pelo surto de febre aftosa no Reino Unido e muitos eventos foram cancelados. Bertie Fisher concordou em fornecer o carro do próprio filho (Mark) a Kris, se ele conseguisse o dinheiro para correr, mas depois, tanto Bertie como Mark Fisher, morreram num acidente de helicóptero em janeiro de 2001.

A patrocinadora de Bertie, a Toughmac, chegou-se à frente e comprou o carro para ajudar o Kris daí para a frente. A trabalhar na M-Sport, Kris Meeke começou a conhecer pessoas, especialmente Colin McRae, de quem já tinha ouvido falar. Colin pensava na altura em apoiar um jovem piloto britânico e convidou os candidatos para um teste na Escócia, para conduzir um dos Puma de Chris Birkbeck. Poucos dias depois o pai de Colin, Jimmy McRae, telefonou a Kris Meeke, dizendo-lhe que gostariam de o apoiar a ele. “Ter a influência do Colin e o seu nome atrás de mim encorajou-me muito. Entretanto fiz um rali na Escócia, ao volante de um Subaru de Grupo A, enorme, e antes de me mentalizar, já estava no arranque do Galloway Hills Rally. Era apenas o meu quarto ou quinto rali e ganhámos na geral. Isso deu-me um grande impulso e mostrou-me o que era possível alcançar.”

Isto permitiu-lhe fazer o Campeonato Britânico de 2002 num Puma. Kris Meeke venceu o título júnior e no fim de 2002 competiu no seu primeiro evento do WRC, o Rali da Grã-Bretanha, onde conseguiu bons tempos contra pilotos juniores do WRC. Rob Palmer, que estava em Exeter, convidou Kris Meeke a juntar-se a uma equipa que ele estava a formar para correr com um Opel Corsa, no WRC Júnior. Esse foi o ‘negócio’ para 2003 e 2004. Na Catalunha (2004), ficou decidido que Kris Meeke iria mudar-se para a equipa Kronos Citroën. Colin McRae estava na altura a conduzir para a equipa oficial da Citroën e construiu uma boa relação com eles. Kris Meeke começou a ronda final num C2 S1600, que deu sequência no WRC Júnior em 2005. O Corsa foi um grande passo, comparado com o Puma, e o C2 foi outro grande passo em frente, mas ainda não era o ideal. “Tivemos um teste pré-Monte Carlo no final de 2004, o meu primeiro teste oficial com um construtor, e eu não sabia o que fazer. Sentar-me e tentar aproveitar o carro ou dizer o que sentia. Decidi que seguiria a segunda opção e disse que o motor não tinha força. Era muito potente, mas não tinha um binário suficiente. Fui para casa absolutamente certo que tinha

queimado as minhas opções de carreira… felizmente eles aceitaram o que eu disse, e desde esse dia para a frente, disse sempre o que sentia. Fomos para 2005 e 2006 assim…”

A relação de Kris com Colin McRae acabou no final de 2005. A época não resultou como planeado por Kris Meeke, que teve uma grande batalha com Dani Sordo. “Estava numa encruzilhada na minha carreira, e tinha que decidir em que direção ia. O Colin pensava que voltar ao WRC Júnior com a Citroën talvez fosse o melhor a fazer.

Eu hesitei, pois sempre que o meu nome era mencionado na imprensa, era junto do Colin. Mas decerto que sem a ajuda dele eu não estaria aqui hoje.

Quando comecei a época de 2006, estava determinado em destacar a minha individualidade. Nunca houve uma discussão entre nós, nem um desentendimento. Separámo-nos com um acordo mútuo e fiquei na Citroën.” O ano de 2006 foi muito frustrante, pois Kris Meeke não conseguia manter tudo junto. “Estava a tentar ao máximo, mas na direção errada. Fiz o erro de conduzir mais depressa do que devia. O final de 2006 foi um ponto baixo para mim. E estava pronto para desistir. Os ralis estavam a ser uma viagem fantástica para mim. Em 2005 já tinha feito todos os ralis do mundo com a ajuda da Citroën e vi partes do mundo que a maioria das pessoas nunca verão.

Tinha 26/27 anos, nunca ganhei um cêntimo até esse momento, sempre dormi na casa do meu irmão.” Em 2007, Kris Meeke fazia ralis a toda a hora. O Ralida Irlanda, no WRC, estava previsto para o final desse ano, e ele trabalhou no duro para ter o melhor carro possível para essa prova. Custou cerca de 60.000/70.000 libras e três meses da vida dele gastos a trabalhar naquilo tudo.

“Provavelmente pus demasiada energia naquilo. Começámos bem, mas deu tudo errado, o carro estava danificado”. No início de 2008 estava de volta à estaca zero, de novo. Foi um ano de sensações mistas. A Renault Sport perguntou-lhe se queria fazer trabalho de desenvolvimento com o seu novo Clio R3, e se ele queria fazer o Rali do IRC na Rússia.

“Foi quando comecei a falar com o chefe da Kronos, Marc van Dalen. Fui para Sanremo para falar com várias equipas. A Skoda estava muito interessada. Durante todo este tempo estava ainda a fazer testes para a Citroën. Depois, enquanto testava o C2 R2 para o Rali de Monte Carlo no Col de Perty, recebi uma chamada a dar-me a luz verde para o acordo com a Peugeot UK para o IRC em 2009. O contrato da Peugeot começou na Bélgica!”

O acordo para 2009 era para nove Ralis do IRC, todo o ano. Foi um acordo daqueles que não acontecem muitas vezes aos pilotos.

“Quando estávamos em Vyborg, na Rússia, um ano antes, e as pessoas estavam a tirar fotos aos carros de IRC, nós estávamos atrás. Isso fez-me pensar

que agora tinha a oportunidade de correr contra pilotos famosos. E para a Peugeot UK era especial também. Depois do Campeonato do Mundo de 1981 com o

Talbot, eles estiveram ocupados a fazer o campeonato britânico de ralis, mas agora estavam de volta à cena internacional. E, claro, havia um sentimento para mim de completar um ciclo, que começou com a Peugeot UK, não muitos anos antes.”

A ‘EXPLOSÃO’ DE MEEKE

O Rali de Monte Carlo foi o primeiro evento de Kris numa equipa de trabalho. “A terceira etapa estava cheia de neve! A equipa pôs pneus com pregos e eu nunca tinha conduzido um carro de ralis assim antes. Fizemos o tempo mais rápido. Foi ótimo. Pensei que estava tudo sob controlo. Mais tarde, rodava em quinta em reta, quando o carro começou a sair da trajetória. Eu era como um passageiro e não tinha controlo nenhum. Acertámos num parapeito de uma ponte de lado a 160 quilómetros por hora, capotámos cinco vezes.

Foi o maior acidente que tive: partiram-se os bancos, motor, caixa de velocidades, diferenciais, o chassis estava todo torcido e a cremalheira de direção quebrou. O carro estava destruído. Fiquei bem dorido durante um dia ou dois, mas nunca deixei as pessoas sentir quão grande tinha sido o acidente.

Não queria que as pessoas dissessem que tinha deitado fora a minha grande oportunidade. Aí era quando eu tinha que ser forte, especialmente quando fomos para o evento seguinte, no Brasil. Fomos os mais rápidos e conseguimos vencer. Foi como voltar a montar a cavalo, tínhamos que provar o nosso valor. Eu sabia que se tivéssemos os pneus certos e o carro estivesse a trabalhar bem e eu fizesse bem o meu trabalho, não tinha que olhar para os tempos para saber como estava a correr. Sabia desde o início de 2009 que tinha o tempo do meu lado.”

Começar a vencer tão cedo como ele fez foi uma surpresa. O Brasil, com as suas rápidas estradas de terra com topos, como na Finlândia, assentou-lhe bem.

Os Açores foi algo completamente diferente, um rali muito técnico, algumas estradas estreitas e técnicas, como no Chipre, e claro no segundo dia, um mini furacão a fornecer nevoeiro intenso. “Quando chegámos ao fim do Rali dos Açores eu senti que conseguíamos ganhar tudo, mas ainda tinha o alcatrão europeu pela frente, Ypres, Madeira, Barum e Sanremo. Barum foi um rali especial. Não pensei em ter um bom resultado, tudo o que podia fazer era conduzir e esquecer tudo o resto. Acabou por ser bom o suficiente para vencer o rali. No Barum sabíamos que o Jan Kopecky ia ganhar, mesmo antes de começar o rali, mas teve um furo na superespecial inaugural. Eu fui bem-sucedido em tirar a pressão de cima de mim e as coisas acabaram por acontecer. E ,finalmente,

dei tudo em Sanremo e tudo correu bem. Vencemos o campeonato a um evento do fim.” Isto aconteceu há dez anos. Muitas mais histórias estavam por vir…

MARTIN HOLMES

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