Rali da Córsega: História, glória e tragédias…

Por a 27 Setembro 2023 14:11


Há muitos motivos pelo facto do WRC estar a ‘perder gás’, um deles é terem ficado pelo caminho provas que ajudaram a criar o mito do Mundial de Ralis. Sabemos que hoje em dia é o dinheiro que tem primazia, e provavelmente por isso a Córsega está há muito fora do WRC. É verdade que, por exemplo, o Rali da Croácia não é propriamente mau face à Córsega, mas decididamente não é a mesma coisa. Entre os adeptos dos desportos motorizados, a ligação ao passado é, e sempre será um ponto importante, e a as histórias do Rali da Córsega ficarão para sempre nos livros. Para o bem e para o mal…

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Quando, no final de 2008 perdeu o seu lugar no WRC, sendo depois substituído pelo Rali da Alsácia, a Volta à Córsega começou a construir um rasto de saudades, que se manteve sem diminuir ao longo dos anos.

Prova emblemática, repleta de História, de glória e de tragédias, a Volta à Córsega [ou Tour de Corse] tinha como palco um cenário incrível, também ele repleto de História – de piratas e de homens de coragem. Aliás, por alguma razão se chamavam corsos aos marinheiros que, em barcos suspeitos, se dedicavam a assaltar ‘barcos honestos’, ao longo de séculos. Mas esta é outra história – a mesma, aliás, que forjou os Casiraghi, conquistadores de um rochedo a que depois chamaram Mónaco; ou ainda os Bonaparte, os primeiros republicanos e os últimos imperadores de um país então em grande convulsão social e económica.

A de hoje, remete para a do Tour de Corse, o Rali das 10.000 curvas – e das dez mil histórias, as dos Orsini, dos Panizzi, dos Santucci, dos que lá nasceram e lá também ficaram numa outra História, primeiro na dos ralis, depois no WRC. Por isso, cabem lá também outros nomes, como os Auriol, os Darniche, os Nicolas, os McRae, os Delecour, os Toivonen. É disso – deles, os Homens, delas, as histórias (há quem lhe chame ‘estórias’ – que vamos falar de seguida. A razão? A melhor de todas, a mais desejada – o regresso da Volta à Córsega ao WRC. Já este ano… sete depois de ter, pela última vez, pontuado para o campeonato.A primeira edição do Tour de Corse teve lugar em 1956. Ficou conhecido pelo ‘Rali das 10.000 Curvas’, sempre em asfalto e, até 2014, apenas não se realizou duas vezes: em 1971, por razões económicas e, 2010, quando a prova foi anulada.

Conheça algumas histórias dessas 59 edições.

1956 (17-18/11)

Na 1ª edição estiveram à partida 43 equipas e chegaram ao final apenas 17. O percurso tinha cerca de 1.000 km, entre Bastia e Ajaccio. Os Renault Dauphine, preparados pela Régie Renault, dominaram a prova, fazendo uma ‘dobradinha’. Tinham 50 cv e uma caixa de cinco velocidades. A prova foi ganha por uma mulher, Gilberte Thirion – a única vez que isso aconteceu neste evento.

1957 (24-25/11)

1.140 km, 76 equipas à partida (quase o dobro do ano anterior!), 27 à chegada, em Ajaccio. A prova foi dominada por Alex Gacon (Alfa Romeo Giulietta), mas teve que desistir com problemas de travões, quase no final. Venceu outro Giulietta… mas conduzido por Roger de Lageneste, apesar de estar inscrito como sendo o navegador!

1958 (8-9/11)

Prova contou pela primeira vez para o Campeonato Nacional de França de Grande Turismo (GT). Ficou marcada pelo intenso nevoeiro, em redor de Ajaccio, que fez uma vítima entre os favoritos, quando Nicol bateu numa rocha, perdendo meia hora. Outro dos favoritos, De Lageneste, quase ganhou, mas fez um pião a 80 km da chegada e perdeu sete minutos. Isso deixou quatro Renault Dauphine nas quatro primeiras posições, sendo no segundo triunfo do carro francês.

1959 (21-22/11)

Mais uma vez, o nevoeiro acompanhou os participantes, causando numerosos abandonos: das 61 equipas à partida, chegaram ao fim 20, mas apenas 13 foram classificadas. Novo triunfo de um Renault Dauphine, agora pilotado pelo local Pierre Orsini, que assinou a sua primeira vitória na prova.

1960 (5-6/11)

Novamente, De Lageneste dominou com o seu Alfa Romeo e mais uma vez saiu de estrada, atrasando-se. Ficou no comando outro Alfa, o de Jean Rolland, mas não resistiu ao ‘forcing’ final de Strähle (Porsche), que venceu por pouco.

1961 (4-5/11)

A prova começou com sol, mas depressa as coisas se alteraram, com uma tempestade de chuva e granizo e com ventos a rondar os 170 km/h! E até a neve surgiu, no Col du Vergio, onde só o Citroën DS19 de Trautmann, mais alto, conseguiu passar… antes de ficar parado na descida, por causa de uma

árvore caída. A prova foi parada e a classificação dada pela ordem do controlo anterior.

1962 (10-11/11)

A chuva acompanhou a prova durante os dois dias e carimbou mais um triunfo do Renault Dauphine e o segundo de Orsini, o herói local, que foi o único a não sofrer qualquer penalização. Dos 23 carros à chegada, 14 eram Dauphine.

1963 (9-10/11)

A prova foi muito disputada e decidiu-se pelas penalizações de estrada. Orsini foi o primeiro líder, mas desistiu cedo, sucedendo o mesmo a Richard (Porsche), que herdou o comando. Venceu de novo Trautmann, que bateu o impressionante AC Cobra de Schlesser.

1964 (7-8/11)

De novo a chuva e o nevoeiro. Na sua estreia, os Renault 8 Gordini dominaram de fio a pavio, com Vinatier a ser o melhor no final, depois de Orsini, trasado no início, ter recuperado e chegado ao comando antes de ser eliminado por ter falhado um controlo. Das 79 equipas à partida (recorde até então), somente chegaram a Bastia oito!

1965 (6-7/11)

Os R8 Gordini voltaram a ser reis e senhores, mas com o improvável sueco Berndt Jansson, que tinha mais de 3 minutos de vantagem sobre Orsini, antes de embater num rochedo, a meio da prova. Ficou então no comando o corso e com um avanço tal que venceu, apesar de ter sofrido dois furos!

1966 (5-6/11)

Temperaturas amenas e alguma chuva. O primeiro líder foi Leo Cella (Lancia Fulvia), mas teve um acidente no segundo troço. E Orsini, quando parecia encaminhar-se para o seu quarto triunfo na prova, teve que desistir ao partir-se um cardan no seu Alpine A110. Venceu Piot, no terceiro sucesso consecutivo do

R8 Gordini.

1967 (4-5/11)

Prova pontua para o Campeonato Nacional de Ralis, criado neste ano, com o coeficiente 14. Partiram 98 equipas, com várias de fábrica – Lancia, Renault, Alpine, BMC, Citroën, Alfa Romeo, Porsche. Munari liderou desde o início, resistindo bem a Elford, que era o favorito e deitou tudo a perder com um pião quase no final: “Nós andámos depressa, ele voou pela estrada!” – disse, no final, o inglês.

1968 (9-10/11)

Mais uma vez favorito, Elford (Porsche) durou cinco km, desistindo com uma fuga de óleo. Assim, mais ágeis que os Porsche sob a chuva copiosa, os Alpine impuseram a sua lei, mas a prova foi por eliminações: primeiro, Vinatier, que liderou até partir o motor do Alpine; depois, Toivonen, que estava na frente antes de se quebrar a caixa de velocidades do Porsche. Acabou por levar a melhor Andruet.

1969 (8-9/11)

Pela primeira vez, a classificação foi dada pelo tempo absoluto. O primeiro líder foi Andruet, mas desconcentrou-se quando o motor do Alpine começou a falhar e bateu numa pedra, abrindo a direção. Larrousse ficou então na frente e, até este sair de estrada na penúltima classificativa, assinou uma bela luta pelo triunfo com o veterano Pierre Orsini.

1970 (7-8/11)

Total domínio dos Alpine Renault, com Darniche a ganhar todos os troços e assinar o seu primeiro triunfo na prova. Andruet assegurou o título de campeão francês com o 2º lugar e o pódio foi todo Alpine.

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1972 (4-5/11)

Prova pontuável para o Europeu de Ralis (Pilotos). Jean-Claude Andruet foi o único líder. Grave acidente de Jean- François Piot (Ligier), logo no início do rali, obrigando à anulação do primeiro setor e, por causa do atraso, também do seguinte, até Cap Corse.

1973 (1-2/12)

No ano da criação do Campeonato do Mundo de Ralis, o Tour de Corse foi a escolhida para representar a França. A neve marcou toda a prova, que foi dominada pelos Alpine, com Alain Serpaggi a ser o primeiro líder, antes de ser ultrapassado por Jean-Pierre Nicolas. Serpaggi acabou mesmo por ser mais

tarde penalizado, caindo para quinto.

1974 (30/11 – 1/12)

Terceiro triunfo de Andruet, que chegou ao comando a meio da prova, após uma grande luta com Nicolas (Alpine), onseguindo recuperar do atraso na primeira especial, quando fez dois piões de seguida.

1975 (8-9/11)

Prova endiabrada! Munari (Lancia Stratos) foi o primeiro líder, mas saiu de estrada após dois troços. O mesmo já tinha feito, no primeiro, Thérier que, com A310, chegou a passar Munari na estrada, antes de bater num muro, furando dois pneus e desistindo. Darniche ficou então no comando e, até ao fim, assinou um duelo memorável com Nicolas – os dois pilotos chegaram a fazer o mesmo tempo no último sector cronometrado, mas a vantagem foi do homem do Stratos.

1976 (6-7/11)

20ª edição da prova, ficou marcada pelo domínio de Munari, no comando desde a segunda classificativa, mas também pelo duelo que o opôs a Darniche, que conseguiu recuperar o atraso na segunda etapa, debaixo de chuva. Porém, um erro num controlo custou-lhe um minuto de penalização e a vitória.

1977 (5-6/11)

Luta cerrada entre os Lancia Stratos e os FIAT 131 Abarth. Os dois primeiros líderes (Munari e Andruet) desistiram cedo (saída de estrada e alternador, respetivamente). Depois disso, foi a luta cerrada entre Pinto (Lancia) e Darniche (FIAT), com este a conquistar o seu terceiro triunfo na prova, facilitado após o seu rival, que tinha um braço magoado, ter dado um toque quase no final.

1978 (4-5/11)

A prova decidiu-se com a luta entre os três favoritos, Darniche, Andruet e Munari, todos em FIAT 131 Abarth e que acabaram por esta ordem. Foi o quarto triunfo do francês, facilitado pelo furo de Munari, que estava a vender cara a derrota e a fazer a vida difícil a Darniche.

1979 (2-4/11)

Pela primeira vez, a prova teve mais de dois dias de duração, com o percurso significativamente mais longo. Por isso, teve pouca participação estrangeira. Dos quatro favoritos, três foram eliminados cedo: Vincent nem chegou a alinhar, pois partiu o motor do Porsche; Andruet e Béguin, que foi o primeiro líder, tiveram problemas mecânicos fatais até ao 3º troço. Restou Darniche, que aproveitou para vencer a prova pela quinta vez, com mais de meia hora sobre o R5 Alpine de Ragnotti. Nicolas, que estava em 2º lugar, desistiu depois de atropelar um javali quase no final.

1980 (23-25/10)

O rali começou por ser dominado pelo estreante Renault 5 Turbo, até Jean Ragnotti sofrer um furo que o atrasou. Mais tarde, conseguiu recuperar o comando de novo, mas o alternador decidiu não colaborar, atirando-o para o lote dos abandonos. Thérier, que passou a prova a lutar com Darniche pelo 2º lugar, herdou a vitória. Quanto a Darniche, envolveu-se numa altercação física (com os carros como arma!) com Guy Fréquelin (Talbot Lotus), que os atirou para fora da estrada e terminou na polícia local, com uma queixa por tentativa de homicídio!

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1981 (29/04 – 02/05)

A prova mudou de data para a primavera. Estreia do Ferrari 308 GTB, que dominou as cinco primeiras classificativas, com Jean-Claude Andruet, apesar de ser mais largo e mais comprido que um carro de ralis normal. Mas a sua exibição terminou quando, com mais de 3m de avanço sobre o Stratos de Darniche e o Porsche de Thérier, a bomba de gasolina falhou, abandonando. Ficaram em luta pelo triunfo Darniche e Thérier, que durou até este sofrer um furo. Foi a sexta vitória de Darniche na prova.

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1982 (6-9/05)

Em ano de transição, os carros de Grupo 1 a Grupo 4 constituíram a maioria das 178 equipas presentes. Entre os Grupo B, de assinalar a estreia mundial dos fabulosos Lancia 037 Rally, com Markku Alén e Attilio Bettega. Mas não eram favoritos e a luta pelo triunfo travou-se entre Andruet (Ferrari 308 GTB) e Ragnotti (Renault 5 Turbo), com a vantagem final a pender para este, após o Ferrari ter dominado no início, antes de ter que manter pneus ‘slick’ em piso molhado, porque o seu camião de assistência falhou. Acidente grave de Bettega, que fraturou as pernas e ficou seis meses no hospital, com o 037 Rally.

1983 (5-7/05)

Os Lancia 037 Rally eram os favoritos, com cinco inscritos e foram eles quem dominou as operações. No comando, alternaram-se ao longo da primeira metade da prova, Walter Röhrl, Jean- Claude Andruet e Markku Alén, até este se solidificar no comando, a partir da 15ª classificativa. No final, quatro 037 nos quatro primeiros lugares, sendo o de Andruet o único a abandonar, com problemas de motor.

1984 (3-5/05)

Estreia no Mundial dos Peugeot 205 T16 (Vatanen e Nicolas) e Audi Sport Quattro (Röhrl). Com os pisos secos, Bettega venceu seis dos primeiros sete troços, na frente do seu colega de equipa Biasion mas, no 8º, mais longo e com chuva a meio, ambos sofreram toques, que os atrasaram e deixaram nos dois primeiros lugares os 205 T16 de Vatanen e Nicolas, com este a ser passado pouco depois por Alén. Na terceira etapa, de noite, uma placa de gelo surpreendeu Vatanen, que sofreu um violento acidente, com vários capotamentos provocados por uma rocha, desistindo. Isso deixou em definitivo Alén na frente.

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1985 (2-4/05)

Estreia do Renault 5 Maxi Turbo, com 350 cv que, com Jean Ragnotti, dominou a prova, ganhando todas as 30 classificativas. Prova ficou marcada pelo acidente de Attilio Bettega, no 4º troço, quando o italiano, com pneus duros, ‘cortou’ uma curva e acertou numa pedra escondida. Esta iniciou um ‘tonneau’ do Lancia 037 Rally, a meio do qual embateu, com o tejadilho, numa árvore, do lado do piloto. Este teve morte imediata, enquanto o seu navegador saiu ileso. Em sinal de luto, a Lancia retirou os outros dois 037 Rally, de Alén e Biasion.

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1986 (1-3/05)

O ano forte dos Grupo B: os 205 T16 que foram à Córsega tinham entre 450 e 480 cv e os Delta S4 cerca de 440 cv. Foram estes os protagonistas da luta pelas primeiras posições, com os Peugeot na frente dos Lancia, em que o melhor era Henri Toivonen. Que, a partir da 4ª especial, iniciou o seu ‘show’, assumindo o comando e começando a afastar-se dos seus adversários, batendo recorde atrás de recorde. Até que, na 18ª classificativa, numa curva feita a alta velocidade, o Delta S4 seguiu em frente, caiu numa ravina e ardeu por completo: nem Toivonen, nem o seu navegador, Sergio Cresto, sobreviveram. A prova foi neutralizada e a terceira etapa decorreu sem a Lancia. Saby acabou por conquistar mais uma triste vitória.

1987 (7-10/05)

Disputada em pisos secos, esta edição do rali, a primeira com os novos Grupo A, foi dominada pelo BMW M3 de 275 cv de Bernard Béguin, que esteve quase sempre na frente. O seu principal rival foi Yves Loubet, que chegou ainda a passar pelo comando, mas o Lancia Delta HF 4WD era mais pesado e menos potente (cerca de 230 a 250 cv) e não teve hipóteses, sendo mesmo atrasado por um furo, quando estava na frente.

1988 (3-6/05)

Pela primeira vez, a prova começa com uma super-especial, ganha por Saby. A luta pelo triunfo foi entre Loubet (Lancia) e Auriol (Ford), com os carros do momento, com Béguin e o seu BMW M3 de tocaia, logo atrás. Na verdade, Auriol liderou mais de metade da prova, com o M3 sempre atrás e Loubet em recuperação tardia após atrasar-se com problemas na caixa de velocidades. Béguin acabou por ficar pelo caminho, na última etapa, depois de bater num rochedo, deixando o 2º lugar para o Lancia. Foi o primeiro de seis triunfos de Auriol na prova e seu primeiro no WRC.

1989 (23-26/04)

O interesse da prova centrou-se na luta entre o BMW M3 de Chatriot e os Lancia Delta HF Integrale de Auriol e Saby. O M3 ainda liderou durante a primeira parte da prova, mas a chuva acabou por dar vantagem a Auriol, que estava com um carro de tração 4WD e acabou por vencer pela segunda vez seguida a prova.

1990 (6-9/05)

Apesar de problemas de transmissão nos últimos troços, terceiro triunfo seguido de Auriol, que esteve no início de emboscada à luta entre Carlos Sainz (Toyota) e Loubet (Lancia), que terminou quando este se atrasou com um furo. A partir do 5º troço, Auriol assumiu o comando, perseguido de perto por Sainz, até este apanhar um susto quando, a mais de 150 km/h, apanhou de frente um Peugeot 205 ‘civil’, que tinha acabado de fazer uma inversão de marcha… em pleno troço. Evitou o choque, mas a partir daí, passou a andar em ritmo mais lento. E também, Loubet ainda tentou apanhar o líder, fazendo tempos impressionantes, até um cardan partido o atrasar em definitivo.

1991 (28/04 – 1/05)

Quatro pilotos passaram pelo comando, mas todos eles conheceram problemas a determinado momento do rali. E o primeiro a rir, Carlos Sainz, acabou por ser também o último, ganhando após liderar durante as últimas dez classificativas, onde teve sempre por perto Auriol, até este baixar o ritmo na última etapa. Loubet, um dos favoritos, sofreu um acidente insólito: soltou-se a sua ‘bacquet’ e não evitou um violento despiste, com o Lancia em equilíbrio instável sobre um muro, com o abismo lá em baixo…

1992 (3-6/05)

Didier Auriol liderou desde o início, ganhando pelo caminho 18 das 23 classificativas e carimbando de forma impressionante o seu quarto triunfo na prova. Delecour foi o seu principal rival, enquanto os Toyota CelicaTurbo 4WD foram incapazes de acompanhar o ritmo por causa de problemas com os pneus, que se degradavam cedo nas especiais mais longas.

1993 (2-4/05)

Mais um duelo entre Auriol e Delecour, mas agora favorável a este último, que trocou o Sierra pelo mais curto e maneável Escort. E também Auriol trocou de carro, optando agora por um Toyota Celica. Para que conste, Delecour esteve sempre na liderança da prova, ganhando 15 troços, contra seis do seu rival.

1994 (5-7/05)

Domínio de Auriol e do seu Toyota desde a primeira classificativa, tendo liderando durante toda a prova e ganho 13 troços, mais que qualquer outro adversário. Em special, Sainz que, com nove triunfos, esteve sempre a escassos segundos, até se atrasar quando a quebra de uma barra anti-rolamento fez os seus pneus degradarem-se fatalmente a três especiais do fim. Foi no quinto triunfo de Auriol na prova.

1995 (3-5/05)

Os Ford Escort foram os mais rápidos, com 16 vitórias em 22 troços e Bruno Thiry o líder da prova até quase ao final. Mas, a três classificativas do fim, partiu-se um rolamento – uma avaria simples de reparar. Contudo, os novos regulamentos impediam qualquer ajuda exterior e a equipa ainda tentou resolver o problema mas, sem um rolamento substituto, foi o abandono… Quem agradeceu foi Auriol, que venceu pela sexta vez a prova, com 15s de avanço sobre Delecour.

1996 (29/04 – 1/05)

Neste ano, a prova não fez parte do WRC, mas sim do de ‘2 Litros’. Ao volante de um Renault Mégane Maxi, Philippe Bugalski apenas não esteve na frente na SS2, vencendo a prova facilmente. Até porque o seu maior adversário e principal favorito, Patrick Bernardini (Ford Escort RS Cosworth) deitou tudo a perder logo no início, quando um furo o atrasou 3,5 minutos. Depois, passou a prova a tentar recuperar o terreno perdido: ganhou 14 troços e chegou ao 2º lugar… antes de um toque, um embate num veado e novo furo o terem atirado para o 5º lugar.

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1997 (5-7/05)

Prova renhida entre os Peugeot 306 Maxi (Delecour e Panizzi), o Ford Escort WRC de Sainz e o Subaru Impreza WRC de McRae. Todos eles passaram pelo comando – mas o vencedor (McRae) apenas o fez na primeira e na derradeira PEC. No final, depois de uma aventura extrema, que incluiu toques, más escolhas de pneus no piso molhado ou problemas de embraiagem (Delecour), os quatro couberam em apenas 55 segundos.

1998 (4-6/05)

Segundo triunfo consecutivo de Colin McRae, que liderou a maior parte da prova, aproveitando bem a vantagem da chuva que caiu durante o primeiro dia e as condições mutantes das estradas no seguinte. Uma vantagem que depois defendeu com sucesso do Peugeot 306 Maxi de Delecour no último dia, em que as estradas secas eram mais favoráveis ao carro francês.

1999 (7-9/05)

François Delecour, com o estreante Peugeot 206 WRC, chegou a liderar a prova na segunda classificativa, mas as estradas secas deram vantagem aos Citroën Xsara Kit-Car, que fizeram a ‘dobradinha’ no final, com Bugalski na frente de Puras. Delecour estava em 3º quando desistiu na última PEC.

2000 (29/09 – 01/10)

Prova voltou às datas originais, durante o outono. A partir da segunda especial, os Peugeot 206 WRC dominaram tudo e todos, com Delecour e Panizzi a alternarem-se no comando, até a Peugeot Sport dar a ordem, na última etapa, para os pilotos manterem as respetivas posições, o que permitiu a Panizzi vencer na Córsega pela primeira vez, perante um desiludido Delecour, que acreditou sempre que poderia lutar pelo triunfo até final.

2001 (19-21/10)

Percurso mais compacto e concentrado em redor de Ajaccio, onde estava o único parque de assistência – esta 45ª edição foi a mais curta desde a sua criação em 1956, com menos de 900 km. A partir da PEC2, Jesús Puras impôs a lei do Citroën Xsara WRC, perante os vários Peugeot 206 WRC, dos quais o mais rápido foi o do vencedor do ano anterior, Panizzi, a 17,m5s.

2002 (8-10/03)

No ano em que se disputou mais cedo em termos de calendário e sem a equipa oficial da Citroën, os Peugeot 206 WRC ‘vingaram-se’, conquistando o tripleto – ou seja, os três lugares do pódio. Panizzi conquistou o seu segundo triunfo na Córsega, nunca saindo do comando da prova.

2003 (16-19/10)

Sébastien Loeb (Citroën Xsara WRC) liderou pela primeira vez na Córesega, mas errou (ainda errava nessa altura…) na escolha de pneus, quando as estradas começaram a ficar húmidas e atrasou-se. François Duval sucedeu no comando a Loeb, mas foi passado, ao cronómetro, no final da segunda etapa, por Petter Solberg, autor de uma notável recuperação e que liderou as últimas cinco classificativas, vencendo a prova.

2004 (15-17/10)

Os Ford Focus WRC mostraram-se imbatíveis e só uma quebra de motor no carro de Duval impediu a celebração de uma ‘dobradinha’ da marca da oval azul que, mesmo assim, venceu facilmente com Markko Martin. Loeb foi 2º e assegurou o seu primeiro título de Campeão do Mundo.

2005 (21-23/10)

Prova totalmente dominada por Sébastien Loeb, que ganhou todas as classificativas e conquistou o seu primeiro triunfo na Córsega com quase 2 minutos de avanço sobre Toni Gardemeister (Ford Focus WRC).

2006 (7-9/04)

A 50ª edição do Tour de Corse foi exatamente igual à anterior: Loeb liderou sempre e ganhou todas as 12 classificativas que compunham o percurso. E até o segundo classificado foi um Ford Focus WRC!

2007 (12-14/10)

Terceiro triunfo consecutivo de Loeb, primeiro num pódio exatamente igual ao do ano anterior, quer nos pilotos, quer nas marcas dos carros por eles tripulados. Porém, desta feita não ganhou tudo nem liderou sempre pois, até ao final a primeira etapa, o comandante foi Grönholm e, até ao fim da prova, lutou sempre taco a taco com o homem do C4 WRC, embora sem ganhar mais nenhum troço.

2008 (10-12/10)

Quarto triunfo consecutivo de Loeb, que ganhou 14 das 16 especiais e esteve sempre na frente da prova. Esta ficou marcada por mais um episódio de ordens de equipa, quando Duval, 2º classificado, teve que ceder o lugar a Hirvonen, que se tinha atrasado antes com um furo, na última etapa.

2009 (6-8/11)

Não pontuável para o WRC, foi substituída a partir do ano seguinte no calendário da competição pelo Rali da Alsácia. Anulada em 2010, a partir de 2011 passou a pontuar para o IRC. Em 2009, foi ganha pelo Peugeot 307 WRC de Pascal Trojani.

2011 (12-14/05)

Vitória de Thierry Neuville, que liderou durante quase toda a prova, com exceção da PE4, após um pião. Bouffier não conseguiu aproveitar o deslize de Neuville, pois atrasou-se logo a seguir com um furo. Bruno Magalhães/Paulo Grave (Peugeot 207 S2000) foram 5º.

2012 (9-12/05)

No início, ainda houve luta com Basso (Ford Fiesta) e Mikkelsen (Skoda) mas, a partir do quinto troço, Dani Sordo (MINI) liderou e controlou o rali, assistindo atentamente à luta atrás de si pelo 2º lugar, entre Kopecký, Campana e Bouffier, que terminaram por esta ordem. Basso desistiu cedo por acidente e Mikkelsen foi 5º, depois de se atrasar com uma saída de pista e acertar num poste.

2013 (16-18/05)

Em condições de piso delicadas, Craig Breen foi o primeiro líder, mas durou apenas três troços, antes de cometer um erro e se atrasar. Menores foram ainda as passagens de Robert Kubica e Jan Kopecký pelo comando (um troço) mas, a partir do 7º, Bryan Bouffier, que já tinha passado também pela frente do

rali, disse de sua justiça e embalou para um triunfo que acabou por ser facilitado quando, na parte final, o polaco levantou o pé, para garantir o 2º lugar.

2014 (7-8/11)

A prova resumiu-se a um duelo cerrado entre os Ford Fiesta de Sarrazin e de Bouffier, com vantagem para o antigo piloto de F3000 e de F1. Ambos partilharam os triunfos nos troços e Sarrazin foi quase sempre o líder (a exceção foi na PEC 3). E Bouffier apenas desistiu de lutar quando deu um toque num muro e fez um pião.

2015 (2-4/11)

A prova francesa do campeonato do mundo de ralis voltou a mudar de ares. Depois de vários anos na Alsácia, voltou a um lugar história e cheio de significado para a modalidade. A Córsega voltou a receber a elite mundial. A juntar a estas dificuldades, a meteorologia provocou verdadeiras dores de cabeça a equipas e à organização que teve de cancelar dois troços. O Rali da Córsega foi, por isso, o mais pequeno da história do campeonato do mundo de rali. Sébastien Ogier desistiu com problemas de caixa no Polo, muitos pilotos tiveram problemas e Jari-Matti Latvala passou quase incólume a estas dificuldades, vencendo, ao bater Elfyn Evans por 43,1s.

2016 (30 Set/2-Out)

Três vitórias em França, mas apenas uma na Córsega, em 2016. A correr em ‘casa’, Sébastien Ogier voltou a provar que é um especialista do asfalto, não dando hipóteses aos seus adversários na ilha gaulesa. O quarto triunfo da temporada colocou-o a um passo de revalidar o título

Poder-se-ia dizer que este regresso à Córsega, o famoso anfiteatro do ‘Rali das 1000 curvas’, se traduziu num evento sem história, e até aborrecido. E foi mesmo. Com distâncias entre 30 e 60 km, excepção feita à Power Stage, os dez (número pouco habitual) troços da prova lembraram o passado. E também a algumas flutuações na classificação geral. O único a quem isso não sucedeu foi mesmo Sébastien Ogier, com um rali à sua imagem: atacou ao início, conservou e geriu a liderança e adaptou o seu ritmo às necessidades que foram surgindo, limitando-se a esperar pelos erros dos seus adversários. Estes, infelizmente para o campeonato, acabam sempre por se equivocarem mais do que ele.

2017 (7 a 9 de Abril)

Thierry Neuville deu a primeira vitória do ano à Hyundai mas a ronda francesa fica marcada pelos problemas que afastaram Kris Meeke e Sébastien Ogier da discussão pelo triunfo.

A ilha que viu nascer Napoleão Bonaparte trazia o primeiro verdadeiro rali de asfalto da temporada. Naturalmente motivado pela vitória no México, Kris Meeke entrou muito forte na prova e foi o mais rápido em três dos quatro troços de sexta-feira, enquanto Ogier venceu a outra classificativa mas terminava o primeiro dia a 10,3s do norte-irlandês.

O piloto da Citroën continuou a mostrar a sua rapidez no primeiro troço de sábado, onde ganhou mais 6,1s a Ogier em 48 km, apesar de ter cedido 8,8s para o mais rápido, Neuville. Só que a PE6 trouxe o primeiro grande golpe de teatro desta Volta à Córsega, com o motor do DS3 WRC de Meeke a obrigar o líder do rali a um abandono inglório, apesar de Neuville já estar nessa altura a apenas 1,5s do piloto da Citroën.

Neuville era o novo líder do rali mas começava a perspetivar-se um duelo titânico com Ogier, que ficava a apenas 2,2s do belga da Hyundai. Só que na PE8 deu-se o derradeiro ‘xeque mate’ na luta pela vitória, com o Fiesta WRC de Ogier a apresentar graves problemas hidráulicos.

Neuville, por outro lado, fez um rali em crescendo e mostrou-se muito seguro a defender a sua enorme vantagem. A competitividade dos i20 WRC ficou visível no facto da marca sul-coreana ter colocado ainda Sordo no 3º lugar e Hayden Paddon no 6º, conseguindo um excelente resultado de conjunto.

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PERFIL


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Bernard Darniche, edição de 1978 O triunfo de todas as dúvidas

O triunfo de Bernard Darniche em 1978 ficou envolto num mistério que nunca foi resolvido. No final, o francês, com o FIAT da filial francesa da marca, bateu outros dois 131 idênticos [Andruet e Munari, este no ‘Alitalia’], mas confessou não estar nos seus “melhores dias” e não ser “o mais rápido”. Isso levantou logo suspeitas, nunca confirmadas, de favorecimento, até porque Andruet era bem mais rápido… tal como suspeitas levantou a ausência dos quatro 131 Abarth nas verificações técnicas – que a FIAT justificou com ‘atraso na chegada de peças’, conforme reportou, então, o AutoSport.

E, bem entendido, a penalização  atribuída a Andruet, a meio da prova [1166 km, dos quais 533 ao cronómetro, em 24 horas (!), que deixaram de rastos todos os pilotos – Michele Mouton, que foi 5º com o ‘4º’ FIAT, mal conseguia andar, à chegada a Ajaccio…], numa altura em que ele era o líder e, após o setor mais longo, teve que parar com problemas na caixa de velocidades. Foi na assistência, em Leccia e, depois de terem chegado os outros 131 Abarth, concluiu-se que era preciso mudar a caixa do carro de Andruet e, talvez a embraiagem – coisa praticamente impossível nos 20 minutos que tinham até a prova recomeçar.

E assim foi: já tinham saído do local os outros FIAT, e até mesmo o [Lancia[ Statos de [Atiilio] Bettega, quando, finalmente, Andruet entrou no carro e, conforme escreveu Martin Holmes no AutoSport, ‘partiu loucamente para o controlo seguinte’. O resultado foram seis minutos de penalização [por atraso] e a queda do 1º para o 3º lugar, com Darniche a partir de então no comando da prova. Para o piloto de Cenon, este foi o seu quarto triunfo no Tour de Corse, de que é ainda hoje o recordista de vitórias, com um total de seis. A primeira foi em 1970, quando foi o melhor entre os Alpine A110 1600. Voltou a vencer em 1975 (Lancia Stratos HF), 1977 (FIAT 131 Abarth] e, depois deste ano, também em 1979 e 1981, ambos de novo com um Stratos.O fim dos velhos tempos

O final da primeira era dos ralis terá acontecido na Volta à Córsega de 1972.

Não foi nesse rali que acabou a era dos pré-Grupo 4 – isso aconteceu no RAC desse ano – mas a prova francesa marcou final da vantagem dos carros de ‘Grupo 5’ e dos carros que corriam sem homologação e que, por isso, nunca mais puderam correr. Se houvesse um rali em que eu realmente lamentei não estar foi esse! Foi uma oportunidade única para ver de perto carros como o Simca CG MC spider (que terminou em segundo lugar, com Bernard Fiorentino ao volante), dois Ligier JS2 (Jean-François Piot e Jean Ragnotti, desistiram os dois, com Piot a ir parar ao hospital depois de um acidente pavoroso), uma nova versão do Porsche Carrera RS e o completamente novo Lancia Stratos, então ainda por homologar, no estado de protótipo e que viria a vencer a prova por cinco vezes, entre 1974 e 1976, em 1979 e em 1981. Isto, sem esquecer dois Ford GT70 e um Opel GT. De todos estes, apenas o Stratos sobreviveu…e com um enorme êxito!

Martin Holmes

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Tour de Corse local trágico

A Volta à Córsega , ou Tour de Corse, sempre esteve conotada como uma das provas mais perigosas do calendário. Realizada primeiramente no pico do outono, em novembro, nessa altura eram as fortes chuvas, o nevoeiro e a neve a causarem inúmeros acidentes, que, com maior ou menor gravidade, foram ensombrando o rali. Depois, mesmo quando a prova passou a realizar-se na primavera, em maio, as tragédias continuaram a abater-se sobre o percurso, composto por estradinhas estreitas, cheias de curvas, mas mesmo assim, rápidas e perigosas, pois ou tinham o vale, ou o mar, lá em baixo, a dezenas ou mesmo centenas de metros de distância. Para os que seguem há menos tempo estas coisas do WRC, recordamos os acidentes – felizmente sem consequência físicas, mas espetaculares e, mesmo, arrepiantes – sofridos por Ari Vatanen [Peugeot 205 T16] em 1984 e 1985, capotando várias vezes no último; Colin McRae [Ford Focus RS WRC], em 2000, quando derrubou um muro, já a capotar e caiu de rodas para cima ‘lá em baixo’; Tommi Mäkkinen [Mitsubishi Lancer WRC], em 2001, quando capotou e ficou ‘suspenso’ perto do abismo, de rodas para o ar; o navegador Risto Mannisenmäki, que ficou encarcerado, terminou aí a sua temporada, com as costas magoadas.

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Todavia, ao longo dos anos, felizmente foram pouco os pilotos que perderam mesmo a vida nessas estradas – como o navegador Jean- Michel Argenti, em 1987. Mas, sem dúvida, que foram os acidentes de Attilio Bettega [19/02/1953 – 02/05/1985] e, principalmente, o de Henri Toivonen [25/08/1956 – 02/05/1986] e Sergio Cresto [19/01/1956 – 02/05/1986], exatamente um ano mais tarde, que cravaram fundo a fama de mortífera que a Volta à Córsega ainda hoje carrega. Não vamos entrar em muitos detalhes, neste local, sobre o que sucedeu – em especial, com Bettega, pois até já publicámos um trabalho sobre o seu percurso, na edição nº 1872 do AutoSport Histórico. No entanto, para que perceba o quão perigosas podem ser as estradas corsas, fomos buscar ao AutoSport da época alguma coisa do que, então, foi lá escrito, em 86. No final da prova, que foi o primeiro triunfo de Bruno Saby no WRC e que não foi sequer celebrado, ‘o ambiente era de profunda tristeza, como bem o testemunhava as lágrimas copiosas de Jean-Marc Andrié, o navegador de [Yves] Loubet, o vencedor do Grupo A’: tinham morrido dois dos melhores, entre os melhores – Henri Toivonen e Sergio Cresto.

Mesmo hoje, não se percebe bem o que sucedeu: numa curva rápida, o Lancia Delta S4 não a fez e, sem qualquer marca de travagem, seguiu em frente, rumo ao abismo: segundo Michele Mouton, era ‘uma curva bastante traiçoeira, com dois ‘fecha’ na nota, ou seja, uma curva que tem de ser feita por duas vezes.’ Por isso, muito se falou num erro de leitura – ou de uma nota que não foi totalmente ouvida pelo piloto. Nessa altura, Toivonen estava na frente da prova – e a afastar-se rapidamente dos seus adversários, mercê da ousada condução que só ele tinha coração para fazer. No sítio onde hoje um singelo monumento assinala o acidente, o Delta S4 ‘acabou por sair de estrada de lado, às quatro rodas, derrubando um pequeno muro existente no local e embatendo violentamente contra uma árvore, do lado da porta de Cresto, acabando por se imobilizar sobre o tejadilho e começando imediatamente a arder, mas nunca se registando qualquer explosão.’

Os dois ocupantes nunca fizeram qualquer movimento para sair – ‘provavelmente inconscientes, […] morriam carbonizados’. Os outros pilotos foram chegando: o primeiro, [Bruno] Saby não se apercebeu do acidente e só alguns metros depois deu pelas chamas, fazendo logo inversão de marcha para socorrer os seus colegas. […] Mas as chamas altas, que tinham alastrado pelas árvores, tornaram essa ação impossível.’ Depois, ficaram a olhar, sucessivamente, [Miki] Biasion, [François] Chatriot e [Markku] Alén. Mas o pior de tudo foi assistir às tentativas desesperadas de Giorgio Pianta para apagar, com o vento dos rotores do helicóptero da Lancia, o fogo que consumia o Delta S4 e os seus ocupantes……

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SABIA QUE

A primeira edição da prova, em 1956, foi a única que foi ganha por um carro pilotado por uma mulher, a belga Gilberte Thirion (Bruxelles, 8 de janeiro de 1928/ Uccle, 21 de maio de 2008). Na altura uma das mais reputadas pilotos europeias, tem no seu palmarés vitórias em provas como as 24 Horas de Spa [1953], Tour de France [1951 e 1956], Tour de Belgique [1953], Mille Miglia [1956], 12 Horas de Huy [1954 e 1955] e recordes de velocidade em pista [191 km/h, Wolvertem, 1952 e 201 km/h, Jabbeke, 1953, em Porsche 356L]. … ‘Biche’, ‘nom de guerre’ de Michele Espinosi-Petit (28 de setembro de 1948), venceu o Tour de Corse em 1974, mas lendo notas a Jean-Claude Andruet, que durante vários anos foi o ‘seu’ piloto. Na verdade, ‘Biche’ foi, com Fabrizia Pons (Torino, 26 de junho de 1955), navegadora de Michele Mouton, uma das poucas mulheres com triunfos no WRC, duas – Monte Carlo, em 1973 e o Tour de Corse de 1974 [Pons tem quatro, em 1981 e 1982, uma delas no Rallye de Portugal/ Vinho do Porto, neste último ano]. ‘Biche’ ganhou também na Córsega em 1972, mas esta vitória ainda não contou para o WRC. …

E já que estamos a falar de Michele Mouton (Grasse, 23 de junho de 1951), a francesa jamais conseguiu vencer na Córsega. O seus melhores resultados foram três 5º lugares consecutivos, entre 1978 e 1980, sempre com o FIAT 131 Abarth. Curiosamente, nos tempos áureos dos monstruosos Grupo B (1984 a 1986), apenas neste último ano correu na prova, desistindo com problemas na caixa de velocidades do Peugeot 205 T16 Evo 2. … O Tour de Corse foi criado por um médico chamado Jean Sermonard, de Lyon e que era um ávido participante em provas de ralis e que, logo desde a sua segunda edição, fez parte do Campeonato de França de Grand Tourisme [GT], onde esteve durante uma década, até que, em 1967, participou logo na primeira edição do Campeonato de França de Ralis. … A primeira manifestação de desporto automóvel na ilha da Córsega foi em 1921, um ‘Grand Prix’ para comemorar o centenário da morte do corso mais ilustre, Napoleão Bonaparte e, depois, existiram um punhado de pequenos eventos sem qualquer importância, nos 35 anos seguintes.

A primeira edição do Tour de Corse, em novembro de 1956, coincidiu com a crise do Canal de Suez, que gerou a primeira grande quebra petrolífera mas, indiferentes ao facto de se estar numa ilha, um grupo de empresários e entusiastas locais conseguiram garantir o fornecimento da gasolina necessária para as 43 equipas presentes à partida do evento. … O Tour de Corse depressa ficou a ser conhecido como o Rali das Dez Mil Curvas. Realizado nas estreitas estradas locais, muitas vezes debruçadas sobre o abismo e o mar, com carros que dificilmente passavam dos 100 km/h, pneus estreitos e faróis fracos, o rali era em linha, ligando Bastia a Ajaccio, as duas mais importantes cidades da ilha, percorrendo distâncias de mais de 1.000 quilómetros. … Nas primeiras edições, a parte desportiva que decidia a prova eram três curtas rampas e, apesar de ser uma prova aberta a carros de GT [Grand Tourisme], as médias eram muito baixas, em comparação com as geradas pelos normais carros dessa categoria, inferiores aos 60 km/h. Comparando com outros locais então emblemáticos dos ralis nessa época, nas florestais britânicas as médias eram de quase 120 km/h e, nas finlandesas, passavam os 130 km/h. …

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Já nos anos 60, começaram a surgir verdadeiros carros de GT, como os AC Cobra [Jo Schlesser foi 2ª com este carro em 1963], Alfa Romeo SZ e GTZ Tubolare [2º em 1964, com Jean Rolland], os Ferrari 250 GT, FIAT Abarth 1000, Jaguar Mk II, Porsche Carrera, Austin Healey 3000, DR Panhard, Ford GT70, Simca CG MC spider [2º em 1972, com Bernard Fiorentino] e Salmson G72. … As condições atmosféricas eram muitas das vezes complicadíssimas, em especial nos primeiros anos, em que os carros eram tecnologicamente pouco mais que incipientes. As estradas subiam aos picos mais altos da ilha e, em 1961, por exemplo, a 100 km da chegada, a neve atingiu os 20 cm de altura, obrigando os concorrentes a ficarem parados num ‘col’ [Vergio] em altitude, com os ventos a sibilarem a mais de 170 km/h. … Em 1965, Vic Elford participou com um Ford Anglia equipado com um motor 1600 cc e calçado com pneus Goodyear Blue Streak, porque não conseguiu arranjar os mais apropriados Michelin. Com esses pneus, o carro ficou praticamente inguiável, nas sinuosas estradas corsas, porque eram mais apropriados para correr… em Daytona!

… Dois Ligier JS2 – um carro desportivo, parecido com os Ferrari 308, feito por Guy Ligier e que tinha um motor Maserati V6, igual ao que equipava o Citroën SM – participaram na edição de 1972 da prova, desistindo ambos. Um deles, com uma quebra da suspensão [Jean Ragnotti/Jacques Jaubert], o outro com um acidente violento, que atirou para o hospital, com ferimentos muito graves, Jean-François Piot [28 de março de 1938/Rali de Marrocos, 6 de novembro de 1980] e obrigou ao cancelamento de grande parte da prova. … O triunfo de Bernard Béguin, com o BMW M3 [tração traseira], em 1987, foi o terceiro da marca bávara no WRC, depois dos conquistados por Achim Warmbold no TAP/Rallye de Portugal [1972] e nos Alpes Austríacos [1973]. E o primeiro da Prodrive e único do modelo…

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Mas esteve quase a não acontecer quando, no quinto troço, de 25 km [Aulleme- Zicavo], que estava coberto de neve, Béguin usou pneus ‘slick’… mas acabou por se manter na frente da prova, com 40” de vantagem sobre [Yves] Loubet, que estava ao volante de um Lancia Delta HF 4WD, com tração às quatro rodas. … A Volta à Córsega é a sexta prova com mais presenças no WRC – 35[1973-2008], o mesmo número do rali de Portugal [1973-2014]. Na frente, encontram-se os ralis da Grã-Bretanha [RAC] e da Finlândia [1000 Lagos], com 41 e, a seguir, vêm Monte Carlo e a Suécia, ambos com 38. …

A FIAT venceu na Córsega pela primeira vez em 1978, batendo os poderosos Lancia Stratos HF com o ‘menor’ 131 Abarth, pilotado por Bernard Darniche – que, no ano seguinte, repetiu o feito, mas agora sendo acompanhado no pódio por mais dois 131 Abarth [Andruet, em 2º e Munari, em 3º]. … Um dos carros mais emblemáticos que correu na Córsega foi o Ferrari 308 GTB. Mais largo e mais comprido que os outros, demasiado baixo para correr em ralis, parecia tarefa impossível fazê-lo andar depressa nas esconsas estradas de montanha, cheias de curvas apertadas. Mas a verdade é que ele, enquanto lá andou, andou depressa e bem! Nunca venceu a prova, é certo mas, pelas mãos de Jean-Claude Andruet, subiu ao pódio em 1982, quando foi 2º, depois de ter lutado taco a taco pelo triunfo com o Renault 5 Turbo de Jean Ragnotti.

E chegou mesmo a comandar, quer em 1981, o ano de estreia e em que, com Andruet, ganhou as primeiras cinco classificativas, antes de a bomba de gasolina entrar em ‘tilt’ e, claro, como também no seguinte… até falhar o encontro com o camião de assistência, que trazia os pneus apropriados para a chuva que caía… tendo por isso, que continuar com os pneus ‘slick’ que estavam montados. … Bernard Darniche é o primeiro recordista de vitórias na Volta à Córsega, com seis – mas nem todas eram válidas para o WRC, que foi apenas instituído em 1973, apenas cinco. Também com o mesmo número de triunfos, está Didier Auriol, que ganhou entre 1988 e 1990 e em 1992, 1994 e 1995, todos eles anos válidos para o WRC – onde, por isso, é o piloto com mais vitórias na prova francesa, no campeonato. Depois, está Sébastien Loeb, com quatro (entre 2005 e 2008). Mas talvez não saibam que o primeiro ‘Monsieur Tour de Corse’ foi um corso, oficial de justiça de sua profissão, chamado Pierre Orsini e que ganhou em 1959, 1962 e 1965, retirando-se apenas nos finais da década de 60, antes de se dedicar… à pesca.

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PALMARÉS

1956 – Gilberte Thirion/Nadège Ferrier (Renault Dauphine Spéciale)

1957 – Michel Nicol/Roger de Lageneste (Alfa Romeo Giulietta SV)

1958 – Jacques Féret/Guy Monraisse (Renault Dauphine Spéciale)

1959 – Pierre Orsini/Jean Canonici (Renault Dauphine Spéciale)

1960 – Paul Ernst Strähle/Herbert Linge (Porsche 356 Carrera)

1961 – René Trautmann/Jean-Claude Ogier (Citroën DS19)

1962 – Pierre Orsini/Jean Canonici (Renault Dauphine 1093)

1963 – René Trautmann/Alexis Chabert (Citroën DS 19)

1964 – Jean Vinatier/Roger Masson (Renault 8 Gordini 1100)

1965 – Pierre Orsini/Jean Canonici (Renault 8 Gordini 1300)

1966 – Jean-François Piot/Jean-François Jacob (Renault 8 Gordini 1440 proto)

1967 – Sandro Munari/Luciano Lombardini (Lancia Fulvia HF)

1968 – Jean-Claude Andruet/Maurice Gélin (Alpine A100 1440)

1969 – Gérard Larrousse/Maurice Gélin (Porsche 911 R)

1970 – Bernard Darniche/Bernard Demange (Alpine A110 1600)

1971 – Prova anulada por razões financeiras

1972 – Jean-Claude Andruet/”Biche” (Alpine A110 1800 proto)

1973 – Jean-Pierre Nicolas/Michel Vial (Alpine A110 1800)

1974 – Jean-Claude Andruet/”Biche” (Lancia Stratos HF)

1975 – Bernard Darniche/Alain Mahé (Lancia Stratos HF)

1976 – Sandro Munari/Silvio Maiga (Lancia Stratos HF)

1977 – Bernard Darniche/Alain Mahé (FIAT 131 Abarth)

1978 – Bernard Darniche/Alain Mahé (FIAT 131 Abarth)

1979 – Bernard Darniche/Alain Mahé (Lancia Stratos HF)

1980 – Jean-Luc Thérier/Michel Vial (Porsche 911 SC)

1981 – Bernard Darniche/Alain Mahé (Lancia Stratos HF)

1982 – Jean Ragnotti/Jean-Marc Andrié (Renault 5 Turbo)

1983 – Markku Alén/Ilkka Kivimaki (Lancia Rally 037)

1984 – Markku Alén/Ilkka Kivimaki (Lancia Rally 037)

1985 – Jean Ragnotti/Pierre Thimonnier (Renault 5 Maxi Turbo)

1986 – Bruno Saby/Jean-François Fauchille (Peugeot 205 T16 Evo 2)

1987 – Bernard Béguin/Jean-Jacques Lenne (BMW M3)

1988 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Ford Sierra RS Cosworth)

1989 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Lancia Delta HF Integrale)

1990 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Lancia Delta HF Integrale 16V)

1991 – Carlos Sainz/Luis Moya (Toyota Celica GT-4)

1992 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Lancia Delta HF Integrale 16V)

1993 – François Delecour/Daniel Grataloup (Ford Escort RS Cosworth)

1994 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Toyota Celica 4WD)

1995 – Didier Auriol/Denis Giraudet (Toyota Celica GT-4)

1996 – Philippe Bugalski/Jean-Paul Chiaroni (Renault Mégane Maxi)

1997 – Colin McRae/Nicky Grist (Subaru Impreza WRC)

1998 – Colin McRae/Nicky Grist (Subaru Impreza WRC)

1999 – Philippe Bugalski/Jean-Paul Chiaroni (Citroën Xsara Kit-Car)

2000 – Gilles Panizzi/Hervé Panizzi (Peugeot 206 WRC)

2001 – Jesús Puras/Marc Martí (Citroën Xsara WRC)

2002 – Gilles Panizzi/Hervé Panizzi (Peugeot 206 WRC)

2003 – Petter Solberg/Phillip Mills (Subaru Impreza WRC’03)

2004 – Markko Martin/Michael Park (Ford Focus RS WRC)

2005 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën Xsara WRC)

2006 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën Xsara WRC)

2007 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën C4 WRC)

2008 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën C4 WRC)

2009 – Pascal Trojani/Francis Mazotti (Peugeot 307 WRC)

2010 – Prova anulada

2011 – Thierry Neuville/Nicolas Gilsoul (Peugeot 207 S2000)

2012 – Dani Sordo/Carlos Del Barrio (MINI Countryman S2000)

2013 – Bryan Bouffier/Xavier Panséri (Peugeot 207 S2000)

2014 – Stéphane Sarrazin/Jacques-Julien Renucci (Ford Fiesta RRC)

2015 – Jari-Matti Latvala/Mikka Antilla (Volkswagen Polo R WRC)

2016 – Sebastien Ogier (Volkswagen Polo R WRC)

2017 – Thierry Neuville, (Hyundai i20 Coupe WRC)

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jpais
jpais
8 anos atrás

O Historial do Rally da Corsega é idêntico ao do Rally de Portugal (Ex.Tap). Boas recordações das noitadas na Serra da Freita e Arganil para ver passar o Sandro Munari, Achim Wambold e outros gloriosos pilotos estrangeiros e portugueses. Bons Tempos

ernie
ernie
Reply to  jpais
8 anos atrás

E de Sintra! Ex. 1978.

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