FIAT 131 Abarth: O digno herdeiro

Por a 24 Dezembro 2021 10:05

Herdeiro do Lancia Stratos e antecessor do Lancia 037 Rally, o FIAT 131 Abarth venceu por três vezes o Campeonato do Mundo de Construtores e uma vez o de Pilotos, com Walter Rohrl, em 1980. Além disso, entre 1976 e 1981, venceu 18 provas do WRC, entre elas o Rali de Portugal, por quatro vezes, sendo a prova portuguesa aquela em que mais brilhou. Quanto mais não seja, pelo carisma que, então, a envolvia… e pelos pilotos que com ele entusiasmaram milhares e milhares de espectadores, em especial Markku Alen e Walter Rohrl.

Ciente de que o Lancia Stratos já não era suficiente para os fortes adversários e também devido ao facto da FIAT pretender apostar num modelo mais vendável, a FIAT pediu à Abarth que se concentrasse no desenvolvimento do 131 para as provas de estrada, pois pretendia utilizá-lo como principal carro de ralis e veículo essencial de marketing. Nessa altura, o 124 Abarth Rally era já um carro marginal na senda dos ralis, ofuscado que estava por modelos como o Lancia Stratos HF e o Ford Escort RS. E as alternativas entretanto exploradas, como o Protótipo 2000 X1/9, baseado no FIAT X1/9 e um redesenhado FIAT 124 Abarth Protótipo não tinham dado os resultados pretendidos – que fundamentalmente eram ser mais rápidos e eficazes que o Stratos HF. Tentou-se também desenvolver um carro com base no 128, mas a decisão pendeu toda para o lado do 131, na origem chamado Mirafiori.

Em 1976, o Lancia Stratos HF estava já na sua terceira temporada mundial consecutiva, com um sucesso indubitável. Mas estava ficar cansado, além de que, em termos comerciais, era pura e simplesmente invendável, pois tratava-se de um bi-lugar, nascido para a competição sendo, por isso, as versões de estrada puros produtos “racing” e nada familiares.

Uma escolha radical

A escolha do grupo FIAT foi considerada verdadeiramente radical: para o lugar de um protótipo indomável, decidiu-se por uma berlina familiar, de cinco portas, chamada 131. O contraste não podia ser maior – ao contrário dos resultados, pois, quando o FIAT 131 Abarth Rally deu lugar aos poderosos Grupo B, a sua folha de serviços era ainda mais completa que a do Stratos!

Em defesa dos seus pergaminhos, a Abarth não se fez rogada. Utilizando muito do que aprendeu com o 124 Abarth Rally, no início o 131 era diferente principalmente na carroçaria. No resto, as semelhanças eram evidentes, embora não visíveis: o desenho da suspensão traseira era idêntico e o “coração” respirava através da mesma cabeça de 16 válvulas nascida em 1972, mas que agora batia num respeitável bloco de 1.995cc e era completada com uma injeção mecânica de gasolina Kugelfischer.

Para os diversos programas de testes, a Abarth utilizou o 131, em diversas derivações e protótipos, mas também o Ritmo 1500 e vários carros que eram habitualmente usados em ralis caseiros, para tentar que tudo fosse desenvolvido nas condições mais semelhantes à realidade da competição. A Abarth usou também nos testes um motor V6 da FIAT e vários tipos de carroçaria do 131. A ideia era ter a primeira unidade, já homologada, presente no Rali de Monte Carlo de 1976, a prova de abertura dessa temporada de ralis. O FIAT 131 Abarth Rally foi utilizado até ao final de 1981, sendo substituído em 1982 pelo Lancia 037 Rally, noutra decisão tão radical e inesperada com a que o fz nascer, cinco anos antes.

Estreia vitoriosa

Poucos meses após o anúncio da escolha do grupo FIAT, o 131 Abarth estava pronto para substituir o mítico Lancia Stratos, uma responsabilidade muito grande, que Markku Alen logo tratou de carregar às costas. Na estreia do carro, no Rali Ilha de Elba em 1976 o finlandês ofereceu ao 131 o primeiro de muitos triunfos ao mais alto nível nos ralis. Meses depois, a primeira vitória no WRC surgiu nos 1.000 Lagos, terra natal de Markku Alen. Entre 1976 e 1981, o modelo disputou 55 ralis com a equipa oficial, onde obteve 18 vitórias, algumas absolutamente memoráveis, como por exemplo as obtidas por Markku Alen em 1978 depois dum duelo épico com HannuMikkola ou o a de 1981, quando após bater numa pedra na Peninha, o Fiat 131 Abarth de Markku Alen perdeu a roda dianteira direita e o finlandês fez os quilómetros finais em marcha-atrás, vindo ainda a vencer o rali. Ou ainda a vitória de Walter Rohrl em 1980, quando ‘deu’ 4m40s a Markku Alen no nevoeiro de Arganil, decidindo a seu favor um rali muito disputado pelos dois colegas de equipa na Abarth. Todas elas no Ralis de Portugal.

O primeiro título de Marcas surgiu de imediato em 1977. Em 1980, Walter Rohrl assegurou o título de pilotos e a FIAT as Marcas. Em 1981, o programa da Abarth nos ralis diminuiu em virtude do projeto Lancia 037 Rally, previsto para 1982, e Markku Alen ofereceu ao 131 Abarth a sua derradeira vitória em Portugal. No final, três títulos de Marcas em 1977, 1978 e 1980, e um de pilotos, para Rohrl, em 1980.

A história do Fiat 131 Abarth nos ralis ficou indelevelmente ligada a Portugal, já que foi na prova portuguesa do Mundial de Ralis que Markku Alen obteve a derradeira vitória do modelo no WRC. Um belo percurso dum modelo que venceu um terço das provas em que participou no principal campeonato de provas de estrada da FIA. Reza a história que a Abarth, na procura do melhor equilíbrio para o carro, no Rali do RAC de 1978, o banco de Christian Geistdörfer, o fiel navegador de Walter Rohrl, foi colocado na traseira do carro, na tentativa de permitir melhorar a tração e o equilíbrio. A FIA não gostou nada da ‘brincadeira’ e tratou logo de introduzir regras que obrigam o navegador a estar sentado ao lado do piloto. Até hoje.

Fiat 131 (1974/1984)

O Fiat 131, de origem chamado Mirafiori (em tradução livre, “Olha as flores”, embora na verdade esse seja o nome do bairro dos arredores de Turim onde ficava a fábrica em que era produzido) foi apresentado no Salão Automóvel de Turim de 1974. Era o sucessor do 124 e, como Mirafiori, foi o primeiro modelo da FIAT que não ficou conhecido por uma sequência de três números, embora na verdade a designação que vingou tenha sido 131.

Tinha uma carroçaria elegante, com um comprimento que oscilou entre os 4.230 e os 4.264 metros, inicialmente de quatro portas e levava cinco passageiros. Ao longo dos anos, recebeu também versões com duas portas e carrinha, de três e cinco portas.

Os motores começaram por ser 1.3 e 1.6 a gasolina, com válvulas à cabeça, associados e caixas manuais de quatro ou cinco velocidades ou automáticas de três. A transmissão, claro, era feita às rodas traseiras e a potência ia dos 64 (1.297cc) aos 74 cv (1.585 cc). Nos Estados Unidos, usava um motor com 1.756 cc e 86 cv e a Abarth preparou, logo na primeira das três séries da sua vida, uma versão com motor de 1.995 cc e 140 cv. Mais tarde, essas potências foram aumentando, chegando aos 113 cv no SuperMirafiori de 1984, com motor 1995 cc e as 138 cv a versão com o mesmo motor, mas equipada com compressor volumétrico da Abarth, também nesse ano.

Entretanto, na Série 2, que nasceu em 1978, apareceram pela primeira vez os motores Diesel, no caso dois: um 1.995 com 59 cv e um 2.445 cc, com 71 cv, que se mantiveram sem alteração até ao final da vida do modelo. Nessa altura, os motores a gasolina passaram a ter duas árvores de cames à cabeça e as potências subiram para 77 v (1.297 c) e 91 cv (1.585 cc). Apareceu agora uma versão Racing, com o motor de 1.995 cc, de 110 cv. Na última série, já em fial de vida, o motor a gasolina 1.297 cc desapareceu, dando lugar a um motor 1.367 cc de duas árvores de cames, com 69 cv e os motores 1.585 cc passaram a ter 84 ou 97 cv.

Uma construção típica desses dias

O FIAT 131 utilizava técnicas de construção normais nesses tempos. A carroçaria era monocoque em aço, compartimentada em três passos estanques e individuais: caixa para o motor, habitáculo para os passageiros e outra caixa, atrás, para as bagagens.

O motor estava colocado na frente, montado de forma longitudinal e a caixa de velocidades situava-se diretamente atrás do motor, com a transmissão às rodas de trás a ser feita através de um eixo propulsor, ao longo de um túnel cavado no “chão” do 131 e que acoplava diretamente num sólido eixo traseiro.

Os motores eram os mesmos usados no 124, um bloco de quatro cilindros em linha, com bloco em ferro fundido e cabeça dos cilindros em liga de alumínio, de cambota simples ou dupla árvore de cames (DOHC), ligadas com uma correia em Kevlar de longa duração. A ignição era feita através de distribuidores Marelli.

O sistema de suspensão era também tradicional. Ou seja, totalmente independente na frente, tipo MacPherson, com molas e barra anti-rolamento. Atrás, era mais avançada, multi-braços, hastes Panhard e amortecedores a óleo. Por isso, a estabilidade e maneabilidade do 131 era excelente, em especial a velocidades elevadas.

Os travões eram de discos sólidos em aço e pistão único, na frente e de tambores atrás. Eram operados hidraulicamente, com circuitos separados. O travão de mão, central, ativava as rodas traseiras e utilizava cabos.

A produção cessou em 1984 e, até essa altura, foram produzidos, em Itália, 1.513.800 unidades. O Mirafiori/131 foi também produzido em Bogotá (Colômbia), Jakarta (Indonésia), Casablanca (Marrocos), Varsóvia (Polónia) e Barcelona (Espanha), sob vários nomes locais, de que destacaram o SEAT 131 e o Polski. O modelo que o substituiu foi o Regatta.

Da noite de Sintra ao nevoeiro de Arganil

O FIAT 131 Abarth faz parte da lenda do Rali de Portugal. Não apenas pelos seus quatro triunfos, mas especialmente por duas “estórias”, verídicas, que sucederam nas edições de 1978 e 1980.

Sobre a primeira delas, passada na que ficou conhecida pela Noite de Sintra, o AutoSport Histórico decalcou-a ao minuto, na sua edição nº 1, mas sempre podemos acrescentar que o 131 Abarth era um carro tão especial que, depois de fazer uma classificativa em três rodas e de marcha-atrás, era ainda assim capaz de vencer um Rali de Portugal – na que foi a segunda das três que Markku Alen conquistou ao volante deste carro!

A segunda “estória” passou-se em Arganil, durante a edição de 1980. Então, a luta pela vitória era entre Alen e Walter Rohrl, ambos em FIAT 131 Abarth. Era a primeira passagem pelos 43 quilómetros da mítica classificativa, que se disputava durante a noite. Quando o gigante alemão saiu para a estrada, a Serra do Açor estava coberta por um nevoeiro cerrado e Rohrl partiu sem qualquer visibilidade. Acreditando piamente naquilo que o seu navegador, Christian Geistdörfer, lhe “ditava”, Rohrl praticou aquilo que o seu rival e colega de equipa chamava de “maximum attack” e ganhou 4m40 s Alen. Acredita-se que esta foi uma espécie de “vendetta” pelo facto de a FIAT não ter dado ordens de equipa aos seus pilotos, deixando-os livres para se atacarem mutuamente.

Seja como for, no final Rohrl justificou o “injustificável” por “ter treinado o troço mais vezes que o habitual. Em cada momento tinha a certeza do sítio exato onde estava, mesmo sem ver nada. Se as notas referiam 150 metros eu podia fechar os olhos e sabia o que ia encontrar. Penso que o segredo foi ter percorrido mentalmente o troço deitado na minha cama do hotel. Foi perfeito e não falhei uma única curva. Agora, se aquilo seria possível repetir, não imagino…” Na altura, as especulações foram muitas e cada uma delas mais “maluca” que a outra, falando-se que o piloto tinha atalhado (por onde?), ou que estaria a usar óculos especiais para neveiro. A verdade, contudo, é que ninguém mais repetiu a façanha.

Rali Dão-Lafões/FC Porto 1983: A primeira vitória de João Santos

Viseu, 19 de Abril de 1983, palco de chagada do Rali Dão-Lafões/FC Porto, a quinta prova do Campeonato Nacional de Ralis. João Santos, acompanhado por Almeida Marques, festejavam efusivamente aquela que foi a sua primeira vitória no Campeonato Nacional de Ralis. Foi, também, a primeira de um piloto português ao volante de um FIAT 131 Abarth, numa competição em Portugal. E, já agora, conforme o AutoSport de então muito bem recordava, foi também a primeira de um piloto português ao volante de um modelo da FIAT, num rali, dez anos “depois de Mário Figueiredo ter ganho em 1973 o Rali da Montanha, ao volante de um [FIAT 124] Spyder da equipa FIAT-Torralta.”

A vitória de João Santos foi uma prova de paciência. E de mérito: souberam esperar e estavam no lugar certo na hora certa, quando os favoritos encontraram problemas. Primeiro, “um problema de bateria surgido o [Ford] Escort da Diabolique [Joaquim Santos/Miguel Oliveira]” e, depois, “ facto de Carlos Bica e Fernando Prata terem capotado” com o Ford Escort RS da Duriforte, na 7ª PEC. De acordo com o AutoSport, esta “foi, sem dúvida, uma vitória inesperada mas que no fundo é o reflexo da evolução que o jovem piloto de Aveiro tem demonstrado e que se expressa nos resultados, surgido este seu triunfo a seguir ao segundo lugar no passado Rali da Figueira da Foz.” Um êxito que o AutoSport classifica também como um prémio para “”o esforço que representa manter um FIAT 131 Abarth em Portugal,.”

Continuemos então a ler o AutoSport que, claramente, garante que, neste Rali Dão-Lafões/FC Porto “tudo se conjugava para mais uma vitória de Joaquim Santos: mesmo sem forçar o andamento, o campeão nacional tinha passado para o comando das operações no final do segundo troço cronometrado.” A partir de então, não mais cessou “de aumentar a vantagem sobe os seus principais opositores que (…) a partir da terceira prova de classificação eram muito poucos, face à vaga de desistências que entretanto ocorrera.”

Todavia, o rumo dos acontecimentos alterou-se no começo da segunda etapa: “Joaquim Santos ficava parado em Sã Macário, enquanto Bica pouco tempo mais se mantinha na estrada, pis o acelerador colado iria provocar-lhe uma saída, com o Escort a ficar bastante danificado, depois de capotar.” E pronto: “Com o tempo perdido por Joaquim Santos, seria outro Santos (João) a ascender ao primeiro lugar. E se os dois minutos de que dispunha sobre Rui Souto não eram tranquilizadores, o avanço sobe Joaquim Santos era, no entanto, considerável para não deixar qualquer hipótese a uma recuperação por parte do piloto do Escort.” E assim foi: João Santos levou o FIAT 131 Abarth a uma saborosa primeira vitória num rali em Portugal, sem ser no próprio Rali de Portugal.

Palmarés

Estreia: Rali Ilha de Elba 1976 (1º Lugar)

1ª Vitória: Markku Alen (Finlândia 1976)

1977 – Título Mundial de Construtores

1978 – Título Mundial de Construtores

1980 – Título Mundial de Construtores

1980 – Título Mundial de Pilotos (Walter Rohrl)

Vitórias no WRC: 18

Finlândia 1976 (Markku Alen); Portugal 1977 (Markku Alen); Nova Zelândia 1977 (Fulvio Bacchelli); Canadá-Québec 1977 (Timo Salonen); San Remo 1977 (Jean-Claude Andruet); Córsega 1977 (Bernard Darniche); Portugal 1978 (Markku Alen); Acrópole 1978 (Walter Rohrl); Finlândia 1978 (Markku Alen); Canadá-Québec 1978 (Walter Rohrl); Córsega 1978 (Bernard Darniche); Finlândia 1979 (Markku Alen); Monte Carlo 1980 (Walter Rohrl); Portugal 1980 (Walter Rohrl); Argentina 1980 (Walter Rohrl); Finlândia 1980 (Markku Alen); San Remo 1980 (Walter Rohrl); Portugal 1981 (Markku Alen)

FICHA TÉCNICA

035 Abarth Volumetrico Competizione

Motor: 4 cil. em linha, Twin Cam, 1.452 cc; Taxa de compressão: 7,8:1; Diâmetro e curso: 82mm x 67,5 mm; DOHC, 16 v.; Injeção de gasolina com compressor volumétrico; Lubrificação por bomba rotativa, cárter seco, radiador de refrigeração de 5,1 kg de capacidade; Arrefecimento por bomba, com termostato e ventilador elétrico; Ignição com distribuidor eletrónico

Potência: 290 cv/6.400 rpm

Transmissão: Tração traseira; Caixa manual de cinco velocidades

Velocidade máxima: 280 km/h

Suspensão: Frente – Tipo McPherson, molas, braços superiores, longitudinais; Atrás – Independente, multi-braços

Travões: Dianteiros e traseiros, disco

Pneus e Jantes: Pirelli, 295 (13-60)/50 16”, jantes especiais Abarth

Hélio Rodrigues, In Memoriam

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