Didier Auriol: O condutor de ambulâncias
OK! Há uma coisa que precisa saber: ser condutor de ambulância ou piloto de ralis não é assim tão diferente. A ideia é ir de A a B sem perder tempo e o mais depressa possível. Que o diga Didier Auriol.
Bom, convenhamos que há diferenças: no segundo caso, é preciso fazer isso por várias vezes e é a soma de todas essas partes que leva à vitória. Ou não!Didier Auriol conseguiu o feito por 20 vezes no WRC e, aqui, carimbou a medalha do título de Campeão do Mundo com o seu nome, em 1994. Mas como foi chegar até lá?Deixemo-nos então de conversa fiada e vamos ao percurso deste que foi o primeiro piloto francês a sagrar-se Campeão do Mundo no WRC, em 1994, fez agora 20 anos, no ano que terminou há pouco.
Didier Auriol era o condutor da ambulância lá da terra (Millau,uma pequena vila da região pirenaica, onde o turismo e os vinhos são a sua maior fonte de rendimentos) quando se embeiçou pelos ralis, estreando-se aos 21 anos, com um pequeno Simca 1000 Rallye. Em 1982, ao volante do seu lendário Ford Escor tRS 2000 cor de rosa e patrocinado pela Lavabre Cadet, uma casa fabricante de luvas existente em Millau, ganhou a sua primeira prova – o RallyeduQuercy, batendo para isso 109 adversários. No ano seguinte, com um Renault R5A lpine, foi o primeiro na Categoria 2 no Rallyed esGarrigues – e, no final do ano, foi eleito “Espoir de l’Année” [A Esperança do Ano] pela conceituada revista Échappement.
E esta publicação, principalmente dedicada às competições realizada em solo gaulês, até tinha razão: em 1984, Auriol entrou na sua primeira prova do WRC, o Tour de Corse, mas desistiu com problemas no turbo do Renault 5 Turbo. Repetiu a experiência consecutivamente nos anos seguintes, abandonando em 1985 e 1986 e classificando-se em 8º em 1987. Neste ano, tinha já ganho o Campeonato francês e preparava-se para repetir o feito por duas vezes mais, em rápida sucessão. Até que, em 1998, na sua quinta participação na prova e oitava no WRC, surpreendeu tudo e todos ao vencer, batendo para isso, com o Ford Sierra RS Cosworth oficial, a ‘armada’ da Martini Lancia, com Yves Loubet (2º) a Bruno Saby (3º), reputados especialistas da prova, a acompanhá-lo no pódio. Uma façanha tanto mais impressionante, quanto o seu colega de equipa, um tal Carlos Sainz, que também estava a começar nestas coisas do WRC, terminou ‘só’ em 5º lugar, atrás do BMW M3 de outro ‘local hero’, François Chatriot.
Piloto profissional… e ganhador
Depois desta vitória, a carreira de Didier Auriol apenas poderia ir dar a um caminho – o que levava ao Olimpo do WRC. Em 1989, conseguiu o seu primeiro contrato a tempo inteiro – e logo com a Martini Lancia, cujos responsáveis deixara de boca à banda na ilha natal de Napoleão Bonaparte. Nesse ano, fez seis provas – mas repetiu o triunfo na Córsega. E, em 1990, falhou o título no WRC, sendo batido por Carlos Sainz. Mesmo assim, ganhou mais três provas (e outra vez a Córsega, pela terceira vez seguida!) – apenas menos uma que o campeão, mas o espanhol fez a temporada na sua totalidade e o francês apenas uma parte.
Com o Lancia Delta Integrale 16V do Jolly Club, o ano de 1991 não correu da melhor forma. Desistiu em Monte Carlo e nem os pódios em Portugal (2º), Córsega (2º), Nova Zelândia (3º), Argentina (3º) e Mil Lagos (2º), ou muito menos o seu único triunfo dessa temporada, em Sanremo, foram suficientes para bater a sua classificação anterior.
E a ‘vingança’ que serviu fria em 1992, em que ganhou seis provas – recorde que apenas acabou igualado em 2004 e batido em 2005, por um certo Sébastien Loeb – continuou a ser insuficiente para ser Campeão do Mundo; na verdade, voltou a ser 3º, com mais cinco vitórias que o ‘vice’, Juha Kankkunen, e duas que o campeão, de novo Carlos Sainz, o seu antigo companheiro na Ford.
Insatisfeito, deixou a Martini Lancia e assinou com a Toyota Castrol Team. Mas, em 1993, embora tenho começado a vencer (no Monte Carlo), voltou a ser 3º no final do ano. A consagração aconteceu em 1994: ao volante do Toyota Celica Turbo 4WD, apenas desistiu por duas vezes (Monte Carlo, acidente e Acrópole, motor) e uma notável regularidade (2º em Portugal, 3º no Safari, vitórias seguidas na Córsega e Argentina, 5º na Nova Zelândia, 2º nos Mil Lagos, terceira vitória do ano em Sanremo e o 6º lugar no RAC) bastou para, finalmente, carimbar o seu nome entre os eleitos no Álbum d’Ouro do WRC. Foi há 20 anos.
Curiosamente, depois disso, a sua carreira sofreu uma queda brusca, nos três anos que se seguiram – apenas ganhou (de novo!) na Córsega, em 1995 e, em 1996, depois da Toyota ser excluída do Mundial, passou por um ano quase sabático, fazendo apenas três provas, em três carros diferentes.
Auriol começou 1997 com um Ford Escort RS Cosworth da R.A.S. Sport, mas parou nos meses seguintes, voltando à ação na Argentina, com um Toyota Celica GT-Four privado (H.F. Grifone SRL). Acabou a prova em 5º e isso parece ter refrescado a memória dos homens da Toyota Castrol Team, que o recrutaram outra vez. Com 40 anos, iniciou uma segunda vida em, com o Corolla WRC, agradeceu a confiança em si depositada, com mais duas vitórias – Catalunya em 1998 e China em 1999.
No final este ano, a Toyota deixou o WRC e, sem alternativas, acreditou no projeto das SEAT Sport, fazendo a temporada de 2000 com o medíocre CordobaWRC. Mesmo assim, conseguiu a proeza de terminar no pódio (3º) o infernal Safari.
Estranhamente, a História tem tendência a repetir-se: a SEAT deixou o WRC no final de 200 e Auriol viu-se de novo sem ‘patrão’ – mas de novo por pouco tempo: a Peugeot Total recrutou-o e, pela primeira vez na sua carreira no WRC, foi piloto oficial de uma equipa francesa. E, uma vez mais, Auriol soube ser agradecido: com o 206 WRC, venceu na Catalunya – assinando a que foi a sua 20ª e derradeira vitória no WRC. Mas, nem isso nem os três 3º lugares no Sanremo, na Córsega e na Austrália, chegaram para ele continuar na marca do leão.
2002 foi mais outro ano quase sabático. Com um Toyota Corolla WRC privado, desistiu no Monte Carlo e venceu (finalmente!) o TMN Rallye de Portugal. Mas, nesse ano, a prova não estava no calendário do WRC – o que, nem por isso,deixou de ser um marco importante na carreira de um piloto que, nas vezes em que nos visitou, nem sempre foi feliz – terminou no pódio em 1990, 1991, 1994 (2º) e 1999 (3º), foi 5º em 1995, 8º em 2001 e 10º em 2000. Nas outras, abandonou…
Finalmente, em 2003 conseguiu aquele que iria ser o seu último contrato como piloto de fábrica. Na Skoda Motorsport, passou mais tempo a ficar pelo caminho do que a terminar ralis. Primeiro, com o Octavia WRC e, na fase final, com o Fabia WRC, de que foi o principal responsável pelo desenvolvimento. E foi (quase) tudo.
A última prova do WRC em que participou foi o Monte Carlo, em 2005 mas, depois disso, como amante assumido de carros históricos e clássicos, fez por várias vezes o Rallylegend – a última delas este ano, em que até venceu, com um CitroënXsaraWRC, carro que nunca pilotou durante a sua carreira no… WRC.
Além disso, Auriol fez ainda algumas provas do IRC, entre elas o Sanremo e o Rali da Rússia, em 2008, desistindo em ambas, com um FIAT Abarth Grande Punto S2000. Em 2006 e 2007, ‘just for fun’, fez o Monza Rally Show.
Nos últimos anos, passou a alugar carros seus a outros pilotos, além de se tornar gestor de pistas de ‘karting’ e de uma unidade hoteleiras de luxo, na bela paisagem da Ilha de Reunião – e pela qual se apaixonou quando, em 1996, aí venceu uma prova.