Com o Rali de Portugal de 1992 à porta, Didier Auriol não escondia as suas reservas e expetativas em relação aos troços que se avizinhavam. Entre o fascínio pelas desafiantes estradas de Arganil e o receio face aos perigosos precipícios de outros troços, o piloto francês traçou um retrato sincero e crítico da edição de 1992, onde a segurança e o prazer da condução pareciam estar em rota de colisão, ao ponto da organização se ter visto na obrigação de anular os sete primeiros quilómetros do troço do Piódão.
Infelizmente, no Rali, não passou de Figueiró dos Vinhos devido a avaria no motor do Lancia..
Hoje em dia, o mesmo sucede, aqui e ali, como sucedeu, por exemplo, no Rali de Monte Carlo, quando zonas ‘demasiado arriscadas’ foram riscadas do mapa.
Como dizia Didier Auriol: “os organizadores deviam fazer alguns troços ao nosso lado…”. É verdade, é perigoso, muitas vezes, mas é também por isso que os pilotos, autênticos heróis destemidos que desafiam o destino cada curva, ‘qual’ gladiadores da velocidade, são tão adorados pelos adeptos, pois dão ao público muita da adrenalina que o comum dos mortais não vive no dia a dia…
Como Didier Auriol viu o Rali de Portugal de 1992
O Rali de Portugal constitui uma prova que desde sempre me agradou bastante, devido, sobretudo, ao seu conjunto de estradas, pois do alcatrão escorregadio, muitas vezes com terra a cobrir o piso, aos troços de Fafe, às sempre clássicas provas de Arganil, um piloto pode encontrar um pouco de tudo para todos os gostos.
No entanto, devo confessar que gosto menos da edição deste ano do rali: com isto, pretendo dizer que não se melhorou a prova, e que esta deve ser, de todas as que até agora disputei, a versão do rali que menos me agrada.
Em termos gerais, devo dizer que a classificativa do Piodão era muito perigosa e penso que foi um passo importante o facto da organização ter anulado os primeiros quilómetros.
Da parte dos organizadores, existe a mentalidade de que os pilotos são pagos para correr riscos. Mas para correr riscos estúpidos, já chega os que nós temos em cada prova. A nossa posição é clara: aceitamos fazer as classificativas tradicionais que sejam perigosas, mas quando os organizadores incluírem novos troços, ao menos que tenham em atenção não aumentar esses riscos.
Outro aspeto negativo foi a supressão de São Lourenço: abandonou-se um grande clássico do rali, prova dura, que provocava sempre mexidas na classificação e onde, em caso de chuva, os pilotos tinham certos problemas, para se colocar um troço que termina em asfalto muito rápido e onde estou certo que vamos assistir a uma enorme afluência de espetadores, pelo que iremos ser obrigados a andar a cerca de 180 quilómetros por hora com pneus de terra degradados no meio de multidão, com todos os riscos inerentes.
Em resumo, penso ser importante referir que, quando se introduzem modificações nas provas, elas devem trazer algo de positivo para o interesse do rali e isso está longe de acontecer na edição deste ano do Rali de Portugal. Analisando a prova troço a troço, devo dizer que gosto bastante do troço do Jamor. Uma classificativa espetáculo que diverte o público é que tem condução.
O rali começa a sério em Figueiró dos Vinhos: na verdade, o Gradil e Montejunto são provas muito curtas, de pouca condução e que pessoalmente não aprecio muito, preferindo não correr riscos. Adoro Figueiró: trata-se de
um troço muito difícil, cheio de ritmo e muito escorregadio.
Em cada ano ele é disputado sob condições muito especiais e em 1991 recordo- me que partimos em slicks quando começou a chover fortemente..
Campelo é um troço simpático e dá passagem a um troço que adoro: na verdade, a descida da Lousã é muito técnica, algo rápida e exige um grande coração! Apesar disso não considero o troço perigoso, pois não é como a zona de Arganil, em que se sai da estrada a dez à hora e cai-se por um buraco de 300 metros.
Gosto do troço de Góis, mas já não posso dizer o mesmo de Arganil, pois aquele começo obriga a não correr qualquer risco, caso contrário as consequências podem ser sérias, troço do Piodão tem pouco interesse a nível de pilotagem, a não ser a parte final, na derradeira descida do vale, mas mesmo assim muito perigosa.
Insisto que deve ser possível encontrar troços mais interessantes na zona, é um troço em que prefiro perder cinco segundos a perder a vida. Continuo a pensar que os organizadores deviam fazer alguns troços ao nosso lado e depois de andarem a 200 à hora com o buraco a espreitar a todo o instante por certo que teriam outra opinião.
São Gião é um troço que não agrada a toda a gente, mas contra o qual nada tenho a dizer: não é um troço fácil, de piso muito irregular, com encadeamentos de curvas muito rápidas, mas que se pode enquadrar muito bem nas características do novo carro. Muna é uma classificativa simpática, e confesso a minha aversão ao troço do Caramulo, sem poder encontrar uma razão. Depois de um início muito rápido, passa-se para uma estrada estreita, onde tem de se andar de corda a corda, de berma em berma, e nunca me senti muito à vontade. Há dois anos perdi 15 segundos com uma escolha errada de pneus, no ano passado cedi apenas cinco, pode ser que agora tudo se modifique.
Em relação à Freita, todos se lamentavam que era muito dura e agora que as condições se modificaram, os pilotos já sentem saudades desses tempos. Dantes passava-se sempre muita coisa, agora só as condições atmosféricas poderão provocar estragos.
A descida final apresenta-se este ano muito difícil, pois encontra-se coberta por uma grande camada de gravilha muito escorregadia.
Passamos a Arouca, que é um troço que adoro, rápido com muita pilotagem, com grande sucessão de curvas características que adoro. Este é o último troco em asfalto, numa etapa que nunca é decisiva para o Rali de Portugal: mesmo que se chegue à Póvoa de Varzim com trinta segundos de atraso, essa desvantagem é depois recuperável na terra.
Pessoalmente, se estiver a chover jogarei bastante à defesa, mas se estiver seco e me sentir bem, creio que poderá ser urna etapa engraçada. A segunda etapa começa com um troço muito agradável para os espetadores, que é o de Lousada, e onde os pilotos se divertem igualmente. Gosto bastante de Veiga, mas Montim tem um final muito lento e que se pode degradar bastante para a segunda passagem. Lameirinha é o que todos sabem e a nova solução de Luilhas não é fácil, com encadeamentos de curvas com zonas de travagem complicadas em que é necessário tomar muita atenção. Vieira do Minho começa com asfalto, talvez em demasia o que nos vão obrigar a chegar à terra com os pneus bastante degradados.
Quanto a Ponte de Lima, não me agrada muito, sobretudo a parte final em asfalto. Na terceira etapa e depois de repetir os troços de Fafe, chegamos a Cabeceiras, algo demolidora, mas que me atrai pela condução e rapidez do traçado.
Depois das provas antes da Régua, onde tenho conseguido sempre excelentes tempos, e de Armamar, de interesse nulo, faz-se Covelo de Paiva que, na solução atual, não tem qualquer interesse, muito rápida, depois de ter sido quase toda asfaltada. É um troço de sexta a fundo onde se escorrega ainda mais do que na terra. Uma vez que o asfalto ainda está coberto por uma camada de areia, e quanto a Viseu, estragaram a anterior solução, que era espetacular, para se chegar agora a uma versão que tem algum interesse a meio, mas sem condução na parte final de asfalto. Arganil é sempre muito difícil, começando de noite e passando para o dia. Com muito frio e algum cansaço já à mistura. Gosto muito do traçado, enquanto a zona da descida do Colmeal, no troço seguinte, tem partes muito perigosas.
Linhares é uma novidade que se saúda por se tratar de um belo troço, apenas com condução e sem qualquer perigo, A partir daqui o rali deve estar decidido, o que vem complicar as coisas para a Amoreira, que não é um troço fácil para um piloto, sobretudo quando tem a sua posição já definida e a concentração é menor.
Depois de Pampilhosa da Serra e da longa neutralização de Tomar, temos o belo troço de Abrantes, difícil, e Coruche, que é fabuloso a nível de pilotagem, muito rápido, para fechar com chave de ouro. Para terminar devo referir que parto hipermotivado sobretudo porque me encontro muito bem em termos psicológicos e que espero ter um pouco mais de sorte que nos últimos anos, em que fui sempre segundo: não quero ser o ‘Poulidor do Rali de Portugal’, muito embora tenha ainda tantos anos à minha frente para vencer a prova portuguesa…