15 dias para o Rali de Portugal: Como Luís Moya ‘nasceu’ para os ralis? Nas viagens ao nosso País…

Por a 25 Abril 2024 08:38

Com dois títulos mundiais e 24 vitórias alcançadas sempre ao lado de Carlos Sainz, Luis Moya decidiu em 2003, colocar um ponto final na sua carreira numa altura em que o “seu” piloto defende agora as cores da Citroen Sport. Quais as razões? Porque não quis Moya continuar com uma carreira repleta de sucessos? Foi isso mesmo que o AutoSport quis saber há 20 anos, e que recordamos agora…

Martin Holmes, In Memoriam

Quando foi anunciado, oficialmente, que Carlos Sainz tinha conseguido um lugar na Citroen Sport para 2003, já Luis Moya, 42 anos, tinha decidido colocar um ponto final no seu trabalho ao lado do piloto madrileno e, quem sabe, na sua carreira.

Após 15 anos de ligação com Sainz, Moya optou por não seguir o “seu” piloto em nova aventura e justificou-se devido a dois fatores: risco e dinheiro. Aqui ficam as explicações na primeira pessoa: “Se não sou pago com o valor correcto para participar num desporto que se tornou, não perigoso, mas de risco, sei que não tenho condições para estar totalmente concentrado no que estou a fazer. Esta situação estaria sempre presente na minha cabeça e iria distrair-me e atualmente não nos podemos dar ao ‘luxo’ de perder a concentração por um segundo sequer, correndo o risco de cometer um erro. Se cometermos um erro e tivermos um acidente, podemos magoar-nos. Não seria honesto da minha parte continuar e, por isso, tenho pena de ter terminado a minha carreira desta forma, mesmo se consegui aquilo que sempre quis: pendurar o fato de competição depois de correr sempre ao lado de Carlos Sainz”, confessou.

Relativamente ao navegador que irá ocupar o seu lugar na Citroen, Moya explica que Sainz não podia ter feito melhor escolha: “Marc Marti é a opção ideal para me substituir. Já trabalharam juntos este ano, quando me magoei antes do Rali da Catalunha, e possui outro trunfo importante nos nossos dias: é muito leve! Ao mesmo tempo, tem uma excelente preparação física e é muito profissional”. Então, o que se segue para Moya? “Todos os anos, tenho estado fora de casa cerca de 250 dias. De um momento para o outro, a minha retirada dos ralis permite-me fazer tanta coisa! Posso visitar os meus pais com mais frequência, ficar com a família e visitar amigos onde vivia antes de começar a correr (Corunha). Aliás, quero muito estar com eles devido à tragédia do Prestige.

Hoje em dia, vivo em Barcelona com a minha companheira e o nosso filho, faço exercício físico diariamente (duas a cinco horas, mais bicicleta) porque quero participar num Triatlo em Maio próximo, com 4.000 metros de natação, 120 quilómetros de bicicleta e 30 quilómetros a correr. Nunca fiz um Triatlo na totalidade, mas este ano participei em duas versões mais pequenas e numa Meia Maratona”.

Estar nos ralis por fora

Depois de tantos anos a viver os ralis “por dentro”, Moya pode agora assistir ao mesmo espectáculo como simples adepto, algo que sempre quis fazer: “Não tenho planos para continuar a ser navegador de ninguém, até porque não me vejo a ser navegador de ninguém para além do Carlos. Mesmo assim, vão continuar a ver-me nos ralis ao longo do ano, sobretudo na Catalunha. Vou gostar de poder ir para as classificativas juntamente com os outros adeptos e ver passar os meus antigos colegas. Sempre quis ver o Rali da Finlândia fora de um carro de ralis, apenas para apreciar como é espectacular ver os pilotos a passar a fundo em zonas de muito ‘coração’”.

Em 15 anos ao mais alto nível, Luis Moya fez muitos amigos, especialmente entre os navegadores: “Respeito todos os meus colegas e, claro está, conheci uns melhores que outros. Talvez por isso, considere Denis Giraudet como o melhor amigo, quase como um irmão nos ralis. Gosto muito dele, é uma pessoa fantástica. Outro grande amigo é Martin Christie, da Argentina, de quem tenho uma excelente memória de um Rali Safari de 1992 que eu e o Carlos ganhámos. Tratava-se de uma prova muito longa, muito difícil e o Martin era navegador do falecido Jorge Recalde. Após cada etapa, íamos juntos beber uma cerveja no bar do hotel. Ou seja, ao longo do dia éramos inimigos ‘mortíferos’ e à noite, melhores amigos”.

Habituado à “bacquet” do lado direito, Moya pôde desta forma acompanhar a evolução da disciplina, bem como perceber até que ponto é que a “arte” da navegação se transformou: “Antigamente, os navegadores estavam encarregues de fazer coisas diferentes. Éramos responsáveis por escolher as nossas Zonas de Assistência, bem como estabelecer os esquemas e horários dos reconhecimentos. Agora, essas coisas são feitas pelos organizadores. A vida no interior dos carros é muito mais intensa hoje em dia. Há muitos anos, tínhamos tempo de perceber o que estava a acontecer lá fora, víamos os amigos à beira da estrada… Agora, nem pensar! As velocidades que atingimos são tão elevadas devido aos avanços tecnológicos dos carros que não nos podemos distrair por um segundo. Quando tal acontece, basta ver os casos de pilotos e navegadores feridos esta época. Os próprios pneus e suspensões evoluíram tanto!”.

Conselho de profissional

Cotado entre os melhores navegadores do Mundo, Luis Moya deixa algumas indicações para quem pretende iniciar-se nesta actividade ou procura dar um salto qualitativo na sua carreira: “Quem quiser ser navegador, e estou a falar de um navegador de topo, tem que empenhar-se muito, mesmo muito, no seu trabalho e isto a todos os níveis, para além de ser obrigado a manter a forma física, pois não se trata de apenas ficar sentado no carro todo o dia! Mudar pneus entre classificativas e ‘aliviar’ o piloto de qualquer tipo de esforço físico desnecessário faz parte da tarefa do navegador. Só isto demonstra como é preciso estar em forma, pois não queremos ter o nosso ritmo cardíaco mais elevado do que o do piloto no troço seguinte! Os navegadores de hoje têm que perceber que o nível de ‘stress’ aumenta ao longo de uma prova e que um erro é mais facilmente cometido na terceira etapa do que na primeira. Se for mentalmente forte, será igualmente fisicamente forte”. Fala quem sabe!

Elogios ao piloto e ao homem: “Sainz foi o ponto de viragem”

Para Moya, Carlos Sainz representa um ponto de viragem no desporto em Espanha, uma espécie de marca que delimita o “antes” e “depois” dos ralis no país vizinho: “Pessoalmente, penso que foi o mais profissional dos pilotos espanhóis, sendo ao mesmo tempo extremamente empenhado, talentoso e sério. Foi um dos primeiros nos ralis a levar a sério quer o desporto quer a condição física necessária para manter-se no topo. Começamos a fazer ‘jogging’ juntos e para as outras pessoas tal era muito estranho… até que todos começaram a fazer o mesmo, anos depois! Outra das suas vantagens foi tornar-se competitivo em qualquer superfície, fosse no Quénia, Acrópole, Finlândia, Monte Carlo ou Suécia. Aliás, o facto de ser competitivo em qualquer tipo de superfície é, possivelmente, o seu ponto mais forte. Durante os testes, nunca deixou de trabalhar porque, por exemplo, começou a chover. Em vez disso, tentava encontrar as melhores afinações para piso molhado”. A nível pessoal, Moya também não regateia elogios ao piloto que acompanhou durante 15 anos: “Um pouco como num casamento, existem sempre momentos em que nos desentendemos, mas esses momentos foram sempre pontuais. O Carlos quer sempre trabalhar a 120 por cento e espera que a pessoa que o acompanha faça o mesmo. Por exemplo, quando eu cometia um erro nunca se zangou, pois sabia que me esforçava a dar o máximo e isso é suficiente para ele. Se não conseguirmos alcançar os nossos objectivos, mas tivermos dado o nosso melhor, está tudo bem”.

Caso Sainz não o tivesse contactado…Sr. Doutor Luis Moya

Imaginemos que Luís Moya não gostava de ralis, não tinha aceite o convite para ser navegador e Carlos Sainz não tinha efectuado o “tal” telefonema que transformou a sua vida. O que estaria hoje a fazer? Por certo que o iríamos encontrar num qualquer hospital ou clínica. “Bem, era estudante do quinto ano de Medicina e queria muito seguir os passos do meu pai, médico. Tanto ele como a minha mãe sempre foram os meus melhores amigos, mas eu não era um aluno ‘brilhante’ e, enquanto estudava, também fazia muitas outras coisas. Durante algum tempo, ajudei a minha mãe na loja que tinha, estava encarregue da administração do negócio e pelo meio participava em provas motorizadas, para além de escrever para um jornal local sobre ralis. Anos depois, fiquei a saber que também Carlos Sainz tinha sido como eu, ou seja, o piloto que não chegou a ser advogado!”, lembrou.

Tudo começou com o Rali de Portugal: O “bichinho” da competição

O primeiro contacto de Luís Moya com os ralis aconteceu, curiosamente, com a “viagem” anual que ele e uns amigos faziam rumo ao Rali de Portugal! “Um grupo de amigos convidou-me a ir com eles ver o Rali de Portugal, o que, para nós, era uma grande aventura, até porque preparávamos o nosso carro como se de um carro de competição se tratasse! Lembro-me de ver de perto as estrelas da altura, como Markku Alen e Juha Kankkunen. Não tinha sequer a coragem de me aproximar deles, pois eram pessoas tão especiais, nem sequer pedir para lhes tirar uma fotografia e só de pensar que, alguns anos depois, estaria a trabalhar com eles, é inacreditável. Dormíamos em tendas, cheguei a ver o ‘TAP’ com uma perna partida porque não queríamos perder o rali por nada!”. Habituado a acompanhar os amigos que corriam, Moya viu-se confrontado com a pergunta que mudou a sua vida: “Perguntaram se estava interessado em ser navegador de um deles. Aceitei e o meu primeiro rali foi em Vigo, em 1982. Nunca tive problemas em me sentar na ‘bacquet’ da direita, pois acredito que para ser piloto é preciso nascer com talento, enquanto para navegador o trabalho contínuo e empenho possibilitam tornarmo-nos bons navegadores”, explicou. Deu-se então “o” momento: em 1987, Moya participa no “Nacional” espanhol, pensando que este era mesmo o ponto alto, pensando já em “abandonar” no final do ano… quando recebe uma chamada de Carlos Sainz: “O seu habitual navegador, António Boto, ia abandonar e estava à procura de quem o pudesse substituir. O Carlos ligou-me e disse-me que existiam apenas dois nomes: eu e Josep Autet, bem mais experiente e conhecido. No entanto, o Carlos escolheu-me por eu falar inglês! Por isso, tenho que agradecer aos meus pais por me terem enviado algumas vezes para Inglaterra para aprender a falar inglês. Se não fosse isto, nunca teria chegado tão longe…”

Ninguém dita notas como Moya: A mais conhecida voz do “Mundial”

Por entre os navegadores mais mediáticos do Campeonato do Mundo de Ralis, Luís Moya ocupa, sem qualquer dúvida, uma posição de destaque. A sua voz e, sobretudo, a forma como ditava as notas a Carlos Sainz ganharam projecção com o passar dos anos, fazendo dele o “pendura” mais conhecido da competição. “É verdade que os adeptos de ralis me reconhecem devido ao facto de falar muito depressa, embora não saiba se falo assim tão depressa! Desde miúdo que sempre falei muito, e depressa, e nos ralis as notas de Carlos são muito descritivas, às quais se junta sempre muita informação ao longo dos tempos, e sempre consegui ditá-las a tempo! No entanto, há ralis em que é difícil ditá-las por completo e, claro, já cometi erros. Por exemplo, nunca vou esquecer o Rali da Argentina de 1990! Lembro-me que estávamos no segundo lugar, atrás de Miki Biasion. Era uma classificativa que tínhamos apenas treinado uma vez, pois tinha caído neve antes do rali começar. Chegamos a uma curva e enganei-me por completo ao ler uma nota, que nem sequer estava escrita. Na altura, pensei que tinha virado duas folhas mas só quando lá voltamos é que percebi que o erro tinha sido só meu”.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado