Ari Vatanen: As duas vidas de um piloto

Por a 2 Janeiro 2024 14:27

Ari Vatanen, nascido em Tuupovaara, a 27 de Abril de 1952, foi o primeiro piloto oriundo dos ralis a vencer o Dakar. Foi em 1987. Logo no ano seguinte, Juha Kankkunen fez o mesmo, e depois deles Bruno Saby, Carlos Sainz e Nasser al Attiyah acrescentaram capítulos à história.

Ari Vatanen nasceu e foi criado numa zona rural finlandesa, no Leste do país. Aos 18 anos, decidiu comprar um Opel Ascona e foi com ele que se estreou nos ralis. Foi, também, com ele, que entrou na sua primeira prova do WRC, o “seu” rali dos Mil Lagos, em 1974. Perdeu uma roda, mas os seus tempos foram notados pela equipa britânica da Opel, que o ajudou. Uma ligação que deu frutos logo a seguir quando, a convite, participou no Donegal Rally com um Ascona de Grupo 1 e acabou em 5º. A sua primeira prova fora da Europa foi o rali da Jamaica, em 1975, em que foi 12º com um Datsun 120Y.

A partir de 1976 passou a correr em carros oficiais da Ford Motor Co., vencendo nesse ano com um RS 1800 os ralis Manx e de Gales, bem como a Volta à Grã-Bretanha e sagrando-se campeão. Desde então, e também em equipas como a Rothmans Rally Team, David Sutton Motorsport e MCD/Mobira, apenas pilotou modelos da Ford, como o Escort RS 1800 e RS 2000. Entre 1979 e 1981, teve como navegador David Richards, mais tarde fundador da Prodrive. Neste ano, venceu o seu primeiro e único título de Campeão no WRC, correndo precisamente com as cores das Rothmans. Cores que manteve, quando a equipa trocou os já desatualizados Escort pelos mais potentes Opel Ascona e Manta 400, com que fez alguns ralis do WRC nos dois anos seguintes.

Então, em 1984, assinou com a Peugeot Talbot Sport, para pilotar os 205 T16, mas o seu acidente, na segunda classificativa do ali da Argentina de 1985, então ao volante de um 205 T16 E2, quase terminou com a sua vida. Em coma durante várias semanas, passou meses no hospital e apenas regressou ao volante no Dakar de 1987 – e ao WRC nesse ano, mas com um Subaru privado, antes de fazer os Mil Lagos com um Ford Sierra RS Cosworth oficial acabando no 2º lugar.

A sua rapidez pura nunca esteve em causa, nem sequer depois do seu quase fatal acidente. Porém, mesmo dispersando-se pelas equipas oficiais da Mitsubishi Ralliart Europe, Subaru World Rally Team e Ford Motor Co., nos anos seguintes e até colocar um ponto final na sua carreira nos ralis, em 1998, Ari Vatanen nunca mais conseguiu ganhar uma prova. Na verdade, a sua sede de triunfos parece ter-se esgotado nesse ano de 1985. Pelo menos, nas estradas europeias – pois, atravessado o estreito de Gibraltar, as rotas africanas viram então nascer uma nova estrela. As quatro vitórias no Dakar são bem o reflexo dessa sua segunda vida.

Ari das Areias

Até hoje, Ari Vatanen foi o único piloto a conseguir vencer o Dakar no ano de estreia, 1987. Um feito tanto mais notável quanto foi a sua primeira prova depois do terrível acidente no Rali da Argentina, em 1985 e de que levou mais de um ano a recuperar – incluindo mentalmente. Vatanen participou em 13 edições da prova, sempre em África, tendo feito parte das equipas oficiais da Peugeot, Citroën, Nissan e VW. Foi ele o primeiro a atingir a mítica marca de 50 etapas ganhas, número apenas ultrapassado em 2006 por Stéphane Peterhansel, que é o atual recordista.

Significativas foram as suas palavras sobre a sua estreia no Dakar: “A partida para o meu primeiro Dakar foi como o início de uma nova vida porque, na minha mente, tudo estava perdido e terminado, até aí. Isso [a largada] provou que ainda podia viver uma vida normal, como se nada antes tivesse acontecido – mas talvez agora de uma maneira um pouco mais sábia. Por isso, o fato de ter ganho foi uma espécie de pequeno prémio por todas as coisas que tinha feito até essa altura atrás do volante de um carro de ralis, após um ano e meio de paragem. Sinto que isso me deu uma nova vida.”

E acrescentou ainda sobre a sua estreia no Dakar: “A partida do meu primeiro Dakar foi dramática: o carro avariou-se e basicamente fiquei de fora logo no Prólogo! Quando cheguei a África, era o 286º carro na estrada. Isso quer dizer que tive que fazer ume grande quantidade de ultrapassagens, no meio do pó sem ver nada e tendo que correr riscos enormes.”

O Dakar, para Vatanen, é uma prova muito especial “sob várias formas. Mas só pela velocidade que se atinge, mas também porque tem que se perceber os sítios onde é preciso andar devagar. Envolve muitas mais condicionantes humanas do que é vulgar numa competição normal. Depois, observar a vida local, a vastidão do deserto… são coisas que deixam uma impressão imensa. A primeira vez que tive essa perceção foi quando fiz os primeiros testes, no deserto do Ténéré, no Outono de 1986. Tenho a certeza de que teria desperdiçado parte da minha vida, se não tivesse feito o Dakar. Abriu-me os olhos para outros aspetos da vida humana.”

1989, Ari Vatanen Peugeot 405 T16 Pikes-Peak

Recordista em Pikes Peak

Depois de ter deixado o WRC, em 1986, na sequência do fim dos carros de Grupo B, a Peugeot voltou-se para um novo desafio: a rampa de Pikes Peak, em 1988. Para tal, utilizaram um 405 especificamente desenvolvido para aquela prova mas tendo como base a mecânica do 205 T16, embora com importantes alterações.

Na verdade, a versão escolhida foi o 405 Grand Raid, feito a pensar no Dakar de 1987. Os engenheiros usaram uma carroçaria em fibra de carbono e “kevlar” sobre um chassis tubular totalmente novo, em aço. O motor, mais leve, foi colocado mesmo à frente do eixo traseiro, com o turbo situado na zona oposta. A tração era feita às quatro rodas e a carroçaria apresentava na parte traseira um enorme “aileron” para aumentar a ‘downforce’ nas longas e rápidas curvas do percurso.

Ari Vatanen foi o piloto escolhido e, ao fim dos 19,99 km e das suas 156 curvas, tinha estabelecido um novo recorde: 10m47,220s: “Não é fácil encontrar palavras para descrever aquele carro.” – afirmou mais tarde. Era espantoso! Se um carro de ralis pode parecer-se com um corredor de 10.000 metros e um ‘rally raid’ a um maratonista, então este era um atleta de 100 metros! Eram 600 cv para apenas 900 quilos. E, com tração às quatro rodas, tal como a direção, em conjunto com uma aerodinâmica assim, era notável o que [o carro] conseguia fazer! Entre todas as jóias de competição, este carro era um diamante… feito para uma só corrida!“

O Peugeot 405 T16 foi preparado e testado num parque industrial no Colorado, onde era possível andar depressa em ruas sem trânsito. O carro acelerava dos 0 aos 200 km/h em menos de 10s, “mais parecendo um avião a levantar voo e fazia coisas incríveis, desde que se mantivesse a pressão do turbo certa. Se metessemos uma velocidade mais baixa, as quatro rodas patinavam de uma forma absolutamente doida!”

Depois deste resultado incrível, a Peugeot regressou a Pikes Peak no ano seguinte, com Robby Unser ao volante do mesmo carro. Mas o norte-americano não conseguiu bater o tempo de Vatanen, apesar de ter ganho a prova, com uma subida em 10m48,340s.

Ari Vatanen, o político

Ari Vatanen, depois de deixar os ralis, estabeleceu-se em França, comprou uma quinta e passou a fazer ali vinhos de uma qualidade acima do sofrível. Mas isso não chegava ao seu espírito inquieto, que não descansou enquanto não encontrou outros desafios.

Desde cedo interessado pelas questões humanas e sociais, Vatanen concorreu ao Parlamento Europeu, sendo eleito em 1999 pela primeira vez, fazendo parte de uma coligação de partidos finlandeses conservadores. Continuou, no entanto, a viver em França e, em Estrasburgo, sede daquele órgão político, defendeu vigorosamente políticas agrícolas inovadoras, bem como impostos justos para os automóveis, ajudas ao desenvolvimento e políticas contra o tráfico humano.

Reeleito e 2004, agora por uma coligação conservadora de partidos… franceses, Vatanen manteve-se ativo no Parlamento Europeu até 2009 ano em que falhou o terceiro mandato consecutivo.

Pouco depois, manifestou-se interessado em candidatar-se à presidência da FIA, como opositor de Max Mosley, o presidente em exercício. Porém, este decidiu afastar-se e, assim, em 23 de Outubro de 1989, a luta pela liderança do órgão federativo de gestão do Desporto Automóvel mundial travou-se entre Vatanen e Jean Todt, o seu antigo chefe quando esteve na equipa Peugeot, no Mundial de Ralis. Vatanen perdeu e, desde então, tem-se mantido na sua quinta francesa, viveu de forma discreta e mais afastado das luzes dos holofotes. No entanto, desde o início de 2013 que se tornou no presidente da União do Desporto Automóvel da… Estónia!

ARI VATANEN

Nome: ARI Pieti Uolevi VATANEN

Nascimento: 27 de Abril de 1952 (61 anos)

Local de nascimento: Tuupovaara

Nacionalidade: Finlandesa

Estreia na competição: 1970 (Ralis)

Primeiro rali no WRC: Rali dos Mil Lagos 1974

Último rali no WRC: Rali da Finlândia 2003

Ralis do WRC: 101

Vitórias no WRC: 10

Primeira vitória no WRC: Rali Acrópole 1980

Última vitória no WRC: Rali da Suécia 1985

Pódios no WRC: 27

Classificativas ganhas no WRC: 527

Pontos no WRC: 518

Títulos no WRC: 1 (1981)

Marcas no WRC: BMW; Citroën; Ford; Mitsubishi; Opel; Peugeot; Subaru

PALMARÉS

WRC (1974-1985/1987-1996; 1997-1998; 2003)

1974 – 1 Ralis (Opel Ascona 1900); Não pontuou

1975 – 2 Ralis (Ford Escort RS 1600/RS 1800); Não pontuou

1976 – 2 Ralis (Ford Escort RS 1800); Não pontuou

1977 – 8 Ralis (Ford Escort RS 1800); 2º Nova Zelândia; Não classificado

1978 – 4 Ralis (Ford Escort RS 1800); 5º Suécia; 8º CM (11 pontos)

1979 – 7 Ralis (Ford Fiesta 1600/Ford Escort RS 1800); 2º Mil Lagos; 5º CM (50 pontos)

1980 – 6 Ralis (Ford Escort RS 1800); 1 v. (Acrópole); 4º CM (50 pontos)

1981 – 10 Ralis (Ford Escort RS 1800); 3 v. (Acrópole/Brasil/Mil Lagos); 1º CM (96 pontos) – Campeão do Mundo

1982 – 3 Ralis (Ford Escort RS 1800/Opel Ascona 400); 2º Suécia; 13º CM (15 pontos)

1983 – 7 Ralis (Opel Ascona 400/Opel Manta 400); 1 v. (Safari); 6º CM (44 pontos)

1984 – 5 Ralis (Peugeot 205 Turbo 16); 3 v. (Mil Lagos/Sanremo/RAC); 4º CM (60 pontos)

1985 – 8 Ralis (Peugeot 205 Turbo 16/205 Turbo 16 E2); 2 v. (Monte Carlo/Suécia); 4º CM (55 pontos)

1987 – 2 Ralis (Subaru RX Turbo/Ford Sierra RS Cosworth); 2º Mil Lagos; 19º CM (16 pontos)

1988 – 2 Ralis (BMW M3/Mitsubishi Galant VR-4); Não pontuou

1989 – 4 Ralis (Mitsubishi Galant VR-4); 5º RAC; 40º CM (8 pontos)

1990 – 5 Ralis (Mitsubishi Galant VR-4); 2º Mil Lagos; 16º CM (15 pontos)

1991 – 2 Ralis (Ford Sierra RS Cosworth 4×4/Subaru Legacy RS); 5º RAC; 22º CM (12 pontos)

1992 – 6 Ralis (Subaru Legacy RS); 2º RAC; 11º CM (25 pontos)

1993 – 5 Ralis (Subaru Legacy RS/Impreza 555); 2º Mil Lagos/Austrália; 7º CM (38 pontos)

1994 – 5 Ralis (Ford Escort RS Cosworth); 3º Argentina 9º Cm (28 pontos)

1996 – 1 Rali (Ford Escort RS Cosworth); Não pontuou

1997 – 1 Rali (Ford Escort WRC); 8º Grã-Bretanha; Não pontuou

1998 – 4 Ralis (Ford Escort WRC/Subaru Impreza WRC 98); 3º Safari; 11º CM (6 pontos)

2003 – 1 Rali (Peugeot 206 WRC); 11º Finlândia; Não pontuou

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