26 dias para o Rali de Portugal: Serra da Estrela, o primeiro troço da história

Por a 14 Abril 2024 13:23

Quem hoje em dia passar pela estrada nacional que liga Belmonte a Manteigas nem imagina que esse percurso foi o palco do primeiro troço cronometrado da edição inaugural do então Rali Internacional TAP, no ano de 1967.

Numa época em que os ralis pouco tinham a ver com os dias de hoje, os troços cronometrados assumiam um papel secundário perante as penalizações de estrada provocadas por médias impossiveis de cumprir e pelos famosos quilómetros ‘roubados’, que eram prática comum na época, que acabam por definir as classificações da provas, muitos antes do atuais troços cronometrados.

A primeira edição do Rali de Portugal, em 1967, teve a originalidade de arrancar em Espanha, na cidade basca de San Sebastian, onde convergiam os doze percursos de concentração previstos, e de onde partiam os concorrentes para um percurso comum de 648,6 km até à cidade da Guarda, onde terminava a primeira etapa.

O segundo dia de prova terminava no alto de Santa Luzia, em Viana do Castelo, onde o Rali de Portugal este ano regressa, após 816,6 km de percurso. Mas o arranque dava-se nos arredores da vila de Belmonte, onde os participantes enfrentavam os 6,6 km quilómetros do troço de asfalto denominado ‘Serra da Estrela’ desenhados na EN 232, que ligava, e ainda liga, a vila de Belmonte a Manteigas. Foram aqui os primeiros quilómetros competitivos da história do Rali de Portugal. Hoje em dia, pouco resta da estrada original. Os marcos já não são os mesmos da época, muito mudou, mas a história não mudou. Foi ali que tudo começou. Quarenta e oito anos depois, a prova passou por grande parte dos ‘cantinhos’ do Portugal esquecido, que o Rali de Portugal trata de colocar novamente no mapa. Voltando ao troço da Serra da Estrela, o perfil atual da estrada é um pouco distinto, e onde antes existia uma estrada muito estreita, hoje temos uma moderna via de dois sentidos, que ‘eliminou’ algumas das curvas mais apertadas do antigo percurso, sendo que, no entanto, ainda restam alguns ‘pedaços’ da antiga via, que nos permitem perceber como tudo era naquele tempo.

A ponto marcante deste troço é junto ao final. Após uma descida rápida, os concorrentes travavam para uma direita apertada e tentavam acertar com a entrada de uma antiga ponte do período filipino, onde só cabia um carro, e que hoje em dia está vedada ao trânsito sendo agora um dos pontos de interesse turístico da zona. Após passarem para a margem de norte do Rio Zêzere, o troço percorria mais algumas centenas de metros e ia terminar à entrada da aldeia de Valhelhas.

A passagem pelo troço Serra da Estrela estava programada para a segunda etapa da prova que tinha início na Guarda às 18h30 do dia 6 de Outubro de 1967. Após 22 km de ligação os concorrentes apresentaram-se ao km 87,2 da EN 232 para cumprir aquela que viria a ser a primeira prova especial de classificação da história do Rali de Portugal.

Quarenta e seis participantes completaram a especial que levou ao abandono o campeão nacional de ralis de 1966, na categoria de grande turismo, Américo Nunes, em Porsche 911. Este episódio tem uma descrição bastante pormenorizada no livro ‘Américo Nunes – O senhor dos Porsche’, e que o autor Ricardo Grilo descreve da seguinte maneira: “Rodando em bom ritmo no empedrado molhado de Valhelhas, o Porsche falhou a entrada de uma curva e, com as rodas bloqueadas, derrubou o parapeito de uma ponte, caindo por cima de uma azenha. Semi-virado, com o motor a funcionar em grande rotação e com a gasolina de um ‘jerrycan’ a escorrer por todo o lado, foi um milagre não acontecer uma tragédia.”

Numa reportagem publicada anteriormente no Autosport, Manuel Coentro, piloto, navegador e autor dos road-books do Rali de Portugal de 1973 a 1998, relatou um episódio acerca deste troço da Serra da Estrela realizado na companhia do seu navegador Manuel Moreira: “Ele nunca tinha feito um rali na vida mas isso não tinha importância. Disse-lhe para não se preocupar, entreguei-lhe o itinerário e disse-lhe “o caminho é esse, vamos embora!” Consegui fazer o reconhecimento a quase todo o percurso e o Manuel Moreira pediu as notas de andamento ao Lampreia, que lhas emprestou sem hesitar. As notas eram usadas apenas nos poucos troços cronometrados que o primeiro TAP já incluía. O primeiro troço era disputado na rampa de Valhelhas. Quando arrancámos, o Manuel Moreira começou cantar as notas, mas estas não correspondiam ao percurso onde seguíamos. Eu dizia-lhe: ‘Manel, ou estás atrasado ou adiantado. O que dizes não corresponde a esta estrada’.

Ele dizia que não conseguia encontrar as notas do sítio onde íamos e eu, depois de mais algumas curvas, disse-lhe: ‘Fecha mas é essa mer… que nós vamos à vista’! Apesar disso, fizemos com aquele carrito sem força, o 19º tempo da rampa, o que era muito bom. Depois desse troço, tínhamos a descida para o outro lado da serra, em direção a Seia, ainda em terra e, nessa descida, fizemos o terceiro tempo, logo a seguir ao Lampreia e ao Nicolas.

Lembro-me do meu amigo Lampreia vir ter comigo e perguntar-me como é que eu conseguira fazer aquele tempo. Respondi-lhe: ‘Não faço ideia. Só sei que quando deixava de ver a estrada, puxava o travão de mão!’ O meu nome começou a ser considerado a partir daí…”. Para a história fica o registo de José Lampreia e Jorge Nascimento (Renault 8 Gordini), terem realizado 4m25,5s. É esta a dupla que registou o primeiro melhor crono da história do Rali de Portugal.

João Costa

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christopher-shean
christopher-shean
4 anos atrás

Super interessante!

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