Segurança nos ralis: Está na hora de parar e pensar?
O acidente de Carlos Vieira no Rali Vidreiro, que destruiu o Hyundai i20 R5 e atirou com o Campeão Nacional de Ralis 2017 para uma cama do hospital, despoletou uma série de reações, umas interessantes porque racionais, outras perfeitamente ridículas e sem o mínimo sentido.
Obviamente que este acidente me tocou de perto pois sou amigo do Carlos e fiquei deveras preocupado com as notícias que vinham chegando, primeiro de Leiria, depois de Coimbra. E claro que os vários acidentes que têm acontecido no WRC e no ERC adicionam preocupação e lançam a necessidade de alguma reflexão sobre as razões para estes sucessivos acidentes.
Claro que não serei eu nem o caro leitor destas linhas que vamos mudar alguma coisa, mas a reflexão poderá deixar uma imagem daquilo que observadores e adeptos pensam sobre o assunto e sobre o que está a suceder. E neste exercício não quero, sequer, apontar o dedo aos pilotos em geral pois só quem nunca competiu com um capacete enfiado na cabeça poderá pensar que alguém vai andar devagar a pensar no que pode acontecer. Nunca!
Também não podemos nem devemos fazer juízos de valor sobre a forma de pilotar ou de estar de um piloto. E digo isto sem problema nenhum pois no caso vertente do Carlos Vieira, acompanhei a sua carreira quase desde o início e sei quais as suas qualidades e os seus calcanhares de Aquiles e por isso garanto que não é por loucura ou desatino que aconteceu o infeliz acidente no Rali Vidreiro.
Também ninguém pode colocar em causa o talento de Kris Meeke ou de Jari Matti Latvala. Ou o de Colin McRae ou de Henri Toivonen. Enfim, não é pelo talento ou pela irreverência que há acidentes. O desporto automóvel é perigoso. Ponto!
E também não vale a pena colocar a tónica na segurança dos carros. O Hyundai i20 R5 é dos mais recentes carros da categoria, é feito com aço da melhor qualidade e o arco de segurança é pensado com funções estruturais e de proteção do piloto. Isso não quer dizer que não deformem, pois sem essa deformação a energia não é dissipada e quem sofre são os ocupantes.
Nos carros do Mundial de Ralis, se repararem, há muita espuma de ultra densidade que está entre o banco e o pilar B do carro e nas portas há alargamentos que contém a mesma espuma. Esta não se dedica a evitar a deformação do habitáculo, mas sim a dispersar a energia antes dela chegar aos ocupantes.
Os próprios bancos têm características específicas que ajudam a defender o piloto. E posso garantir-vos que o Carlos Vieira está entre nós porque usava um desses bancos (que custam muito, muito dinheiro) e não um banco comum ou com menos defesas. E o próprio carro ajudou a evitar mal maior ao piloto.
O mesmo sucedeu a Kris Meeke, cujo acidente no Rali de Portugal, há 10 anos, tinha significado a morte do piloto. Saiu ileso, apesar do aparato. Os sistemas de segurança fizeram o seu trabalho e uma estrelinha lá no céu fez o resto.
Enfim, se a segurança dentro do carro aumenta – bancos, cintos, capacetes, Hans, espumas e aços de elevada densidade e rigidez – onde está a razão de preocupação? Nas performances dos carros?
Alguns argumentam que as performances dos WRC e até dos R5 estão a caminhar para aquilo que sucedeu com os Grupo B. Talvez, mas os carros não têm, nem perto, a potência – os R5 andam nos 300 CV os WRC ficam aquém dos 400 CV – dos Grupo B e muito menos o peso. Aqui fica um exemplo.
O Audi Quattro S1 E2 tinha, alegadamente, 550 CV e pesava 1090 quilos com muita aerodinâmica devido ás enormes asas à frente e atrás. O Hyundai i20 Coupe WRC fica-se pelos 380 CV e o peso não vai abaixo dos 1190 kgs. Ou seja, menos 170 CV e mais 100 quilos de peso. Mas a tecnologia faz os carros moderno serem mais velozes na maioria das ocasiões. Por outro lado, a mesma tecnologia permite que a travagem seja cada vez melhor e que a segurança ativa seja verdadeiramente impressionante. É verdade que casos como o do Carlos Vieira e outros com consequências ainda mais graves, acontecem, mas a sua frequência é bem menor.
Então, o que pode ser feito para mitigar as consequências dos acidentes ou torná-los (ainda) menos frequentes?
Já pensaram nas estradas? As estradas não mudaram assim tanto e há provas que se disputam com verdadeiras florestas a bordejar as trajetórias e as zonas de travagem, outras com desníveis que nos fazem pensar que podemos morrer é de fome e não da queda tal a profundidade do ‘buraco’. A verdade é que as estradas evoluíram quase nada e alguns dos troços emblemáticos do Mundial de Ralis e, já agora, do Nacional de Ralis, tornaram-se perigosos com o aumento da velocidade dos carros de ralis em curva, principalmente, no asfalto.
Pergunto-me: será que uma prova como o Rali Vidreiro disputado no meio do pinhal com troços rapidíssimos deveria mudar o seu percurso e torná-lo mais lento? Não deveriam os organizadores começar a equacionar a velocidade dos atuais carros face às estradas utilizadas?
Não estou a criticar ninguém, apenas a lançar cartas para cima da mesa e perceber se temos, ou não, todos, que pensar na floresta e não apenas na nossa árvore. Pode isto ser um disparate? Pode, mas há que fazer alguma coisa, particularmente, na competição nacional para evitar um dia mais sombrio que aquele que se abateu sobre os ralis há um par de dias. Penso que temos de olhar para os ralis de mente e mãos abertas e pensar, seja através de um grupo criado pelos clubes – difícil pois quase todas o mais longe que olham é o seu umbigo – ou pela FPAK para analisar dados, fazer comparações e pensar o que se pode fazer, dentro da capacidade limitada que existe, para mitigar estas situações. Não é acabar com os acidentes, isso é impossível! Mas podemos mitigar os efeitos.
E já agora, fica uma nota: para quem quer competir ao mais alto nível, evite poupar nos equipamentos de segurança. O Carlos estava muito bem equipado e protegido e aconteceu o que aconteceu. Olhemos para o infeliz exemplo para reforçar o equipamento de segurança e não resmungar por tudo e por nada e, sobretudo, com as datas de homologação. Claro que é um negócio a venda de material de competição, mas mais vale prevenir que remediar ou não ter remédio nenhum!
José Manuel Costa
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